Ciência e Saúde

Ainda pouco conhecida, doença rara LAM ataca pulmões de mulheres

postado em 09/09/2015 06:05

;Eu sentia muito cansaço ao tomar banho e até mesmo quando penteava o cabelo, mas não imaginava o porquê disso. Como sentia dores abdominais, no início, fui diagnosticada com pedra na vesícula. Mas, depois de uma tomografia, foi descoberta a possibilidade de eu estar com linfangioleiomiomatose;, conta a bióloga Verônica Melo Borges, 40 anos. Em outubro do ano passado, a moradora de Brasília ouvia pela primeira vez o nome da doença, ao mesmo tempo em que descobria que era uma das poucas pessoas a desenvolver esse mal incurável ; estima-se que 250 mil pessoas tenham a enfermidade em todo o mundo ; e que conta com pouco apoio no Brasil.

Também designada simplesmente pela sigla LAM, a linfangioleiomiomatose é causada por uma mutação genética nos genes TSC1 e TSC2. A alteração leva à proliferação de cistos formados por células musculares lisas que tomam o espaço que serviria para os alvéolos pulmonares se expandirem durante a inspiração do ar. Vem daí a falta de ar sentida por quem tem o mal, um quadro que pode causar insuficiência respiratória grave, levando ao risco de morte.

A bióloga também tem o perfil da maioria das pessoas com o problema, que afeta, principalmente, mulheres entre 20 e 40 anos. O diagnóstico se tornou mais fácil nos últimos anos, mas muitos médicos ignoram a enfermidade. ;Hoje, a LAM é entendida como neoplasia de baixa malignidade. Isso quer dizer que ela é um tecido que se prolifera sem controle. O diagnóstico é facilitado pela maior acessibilidade da população à tomografia, porém ela ainda é pouco conhecida pela comunidade médica;, afirma o pneumologista Marcelo Palmeira, do Hospital Universitário de Brasília (HUB).

Hormônio
A prevalência em mulheres em idade fértil está ligada à produção de estrógeno nesse período da vida. O hormônio atua como indutor na multiplicação de células musculares em todo o corpo feminino. Quanto mais cedo a paciente desenvolver a doença, maior será o risco de uma morte prematura por incapacidade respiratória. As pacientes não podem, portanto, usar anticoncepcionais e fazer reposição hormonal. A gravidez é contraindicada.

A formação dos cistos pode ocasionar uma passagem de ar para a pleura, membrana que envolve o pulmão. Esse bolsão de oxigênio impede que a pessoa inspire. ;Esse ar fica represado entre o pulmão e a pleura, sendo necessário drená-lo, pois o pulmão fica muito comprimido. Então, colocamos um tubo pelo tórax para perfurar a pleura e esvaziá-la;, conta Palmeira.

Outra complicação recorrente é o derrame pleural, no qual também é necessário esse escoamento. Nesse caso, os cistos entopem os vasos linfáticos, responsáveis por carregar células que lutam contra infecções. O comprometimento do sistema linfático pode levar ao aparecimento de angiolipomas, tumores vasculares localizados nos rins. Apesar de serem benignos, eles podem se romper e provocar perigosas hemorragias.

Tratamento
Atualmente, não há cura para a LAM. O transplante de pulmão é uma opção, mas há risco de a doença voltar a se manifestar no novo órgão. O tratamento é feito, principalmente, pela administração da substância sirolimus. ;Em alguns casos, o remédio consegue reverter a piora da doença e, na maioria das vezes, a estabiliza;, explica Bruno Baldi, pneumologista do Hospital das Clínicas de São Paulo, principal centro de referência para acompanhamento da LAM no Brasil.

A instituição recebe pacientes de todos os estados, conta o diretor da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do hospital, Carlos Carvalho. ;Atendemos mais de 100 mulheres com a enfermidade. Aqui, fazemos as avaliações necessárias para o diagnóstico e desenvolvemos pesquisas que podem levar a uma melhora na qualidade de vida das portadoras;, comenta. As principais pesquisas realizadas sobre a LAM no Brasil estão voltadas para o aumento da expectativa de vida. ;Criamos um programa de exercícios aeróbicos com resultados positivos. Conseguimos melhora significativa na capacidade pulmonar;, completa.

O maior desafio de quem sofre com a doença, porém, é o acesso ao tratamento. Como a doença não está cadastrada no Ministério da Saúde, mulheres diagnosticadas não conseguem receber a sirolimus no Sistema Único de Saúde, que só fornece a droga para transplantados de pulmão ou rim. Cada caixa da medicação, suficiente para um mês de tratamento, custa R$ 2 mil. ;As pacientes que têm a doença só conseguem o direito a esse remédio por meio de um mandado judicial;, diz Bruno Baldi. ;Como muitas doenças raras, ela é muito negligenciada. Hoje, as pacientes ainda batalham por benefícios simples, como a isenção de impostos, a aposentadoria antecipada e um atendimento público com supervisão médica correta em seus estados de origem;, completa.

Outra luta é por tornar a doença mais conhecida, pois há poucas informações até entre pneumologistas. ;É importante que a classe médica conheça a enfermidade e os sintomas para que reconheça na paciente os indícios da LAM;, defende Carvalho. Para alcançar esses objetivos, pacientes criaram a Associação LAM do Brasil.

Em 18 de agosto, um pequena vitória foi alcançada: representantes de associações de doenças raras fizeram da LAM o foco principal em discussão sobre políticas públicas na Comissão de Seguridade Social e Família na Câmara dos Deputados. Uma ação nesse sentido é urgente, lembra Marcelo Palmeira, do HUB. ;A maioria das pacientes está na faixa dos 20 aos 35 anos. Daqui a uma ou duas décadas, estarão em um estado crítico de insuficiência pulmonar. Há pouco tempo, tive uma paciente que morreu aos 41 anos, sem conseguir acesso ao remédio;, lamenta o médico.


Depoimentos


Mulheres contam ao Correio como convivem com a LAM:

;Eu sempre coloco uma meta para mim: quero ver minha filha se formar no ensino médio. Quando alcançar essa meta, vou querer vê-la se formar no ensino superior. Depois, quero assistir ao casamento dela; Vai ser assim enquanto eu puder;
Carmelina de Moura, 48 anos, economiária

A matéria completa está disponível aqui, para assinantes. Para assinar, clique

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação