Ciência e Saúde

Estudo mostra que órgãos do corpo têm processo e tempo útil distintos

A descoberta é um passo importante na busca por tratamentos de doenças ligadas ao passar dos anos

Paloma Oliveto
postado em 19/09/2015 08:10

Por fora, as marcas não deixam dúvidas. Quando as rugas começam a se desenhar no rosto, acompanhadas pelos tons prateados dos cabelos e pela delicada finura da pele, é certo que a velhice chegou para reesculpir o corpo. No organismo, porém, essa trajetória não é tão evidente. Tampouco, homogênea. Enquanto alguns tecidos iniciam o declínio mais cedo, outros se mantêm jovens, apesar do tempo cronológico.

Em um esforço para compreender os mecanismos do envelhecimento, pesquisadores europeus e americanos descobriram que o processo depende de propriedades celulares únicas dos tecidos e da função fisiológica que cada órgão desempenha. O resultado do estudo, publicado no jornal Cell Systems, deve ajudar a compreender melhor doenças degenerativas, que aceleram a degradação do organismo.

;Ainda precisamos entender quais são os mecanismos por trás dessas moléstias;, reconhece Martin Beck, do Laboratório de Biologia Molecular Europeu (EMBL). ;Ao decifrá-los, é possível identificar, no futuro, pessoas mais suscetíveis a elas. Outra possibilidade que a pesquisa abre é desenvolver tratamentos para prevenir ou tratar uma série de doenças associadas ao envelhecimento;, conta o biólogo.

A velhice leva à deterioração progressiva da função dos órgãos, que começam a apresentar falhas: são os rins que já não filtram mais tão bem o sangue, o aparelho digestivo que perde parte da capacidade de assimilar nutrientes, o cérebro que apaga da memória alguns fatos e acontecimentos. De acordo com Beck, trabalhos anteriores mostraram que o nível de atividade dos genes também muda com o tempo. Isso interfere no funcionamento das proteínas e das células. O problema é que, recentemente, um grande estudo genético identificou que a maior parte das proteínas encontradas em diferentes órgãos não mudam tanto durante o envelhecimento. ;Com isso, ficou difícil entender como esse processo afeta as proteínas presentes nas células e se as alterações relacionadas a essa dinâmica diferem, dependendo do órgão;, diz.

Para tentar solucionar a questão, os pesquisadores do EMBL uniram-se a cientistas da Universidade da Califórnia em Bekerley e do Instituto Salk, ambos nos Estados Unidos, e fizeram um experimento com ratos que utilizou uma abordagem integrada. Em vez de focar em apenas um aspecto da expressão dos genes, eles uniram genômica e proteônica. Esse último é um campo de estudo da biologia cada vez mais crescente, que visa a estudar o conjunto de proteínas de uma célula. Dessa forma, eles conseguiram analisar, ao mesmo tempo, as mudanças em diversos processos fisiológicos no cérebro e no fígado de ratos jovens e velhos. ;As alterações que ocorrem com o envelhecimento podem ser diversas e difíceis de identificar. Quando olhamos apenas para um parâmetro, não conseguimos ver o quadro completo;, justifica Brando Toyama, pesquisador do Instituto Salk de Estudos Biológicos e coautor do artigo.

Alterações
A pesquisa resultou na identificação de 468 diferenças na quantidade de proteínas existentes em animais jovens e velhos. A redução dessas estruturas nos mais idosos se deve, principalmente, a alterações no processo de síntese proteica. Além disso, um grupo de 130 proteínas mudou de lugar dentro das células em decorrência do envelhecimento, além de exibir variações em processos bioquímicos que afetam seu nível de atividade ou função. ;A abordagem mostrou a complexidade do envelhecimento nos mamíferos, tanto em termos de quantidade de proteínas envolvidas, quanto de efeitos em nível celular;, diz Martin Beck.

O cientista ressalta que foi surpreendente notar que a maior parte das diferenças ocorria de maneira única em cada órgão. ;Os padrões de envelhecimento proteico parecem associados a propriedades muito específicas das células ou da função daquele órgão. Por exemplo, como as células do fígado são frequentemente substituídas ao longo da vida adulta, esse órgão permanece mais jovem que o cérebro. A maior parte dos neurônios adultos são indivisíveis e sobrevivem ao longo de toda a vida daquele organismo. Dessa forma, as proteínas ;envelhecidas; do cérebro são mais vulneráveis a danos e perda de função com o passar do tempo;, explica. O estudo também apontou que a velhice altera, principalmente, as proteínas envolvidas na plasticidade neural e na formação de memória. Já no fígado, a idade avançada provoca alterações nas redes metabólicas.

;Nosso estudo mostrou que os órgãos têm diferentes mecanismos de envelhecimento e que a velhice é largamente movida por essas alterações. Assim, podemos definir o envelhecimento como a deterioração do proteoma celular específico de um órgão;, diz o biólogo. De acordo com ele, no futuro, a expectativa é avaliar o processo em outros órgãos, como o coração. ;Acreditamos que cada órgão tenha uma assinatura de envelhecimento diferente, como ocorre com o cérebro e o fígado. Uma questão ainda aberta que nos interessa é se um órgão pode afetar o envelhecimento de outro. Responder a essa questão nos dará uma compreensão maior do processo e de como ele está associado a doenças;, conclui Beck.

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