Ciência e Saúde

Pesquisa alerta que contato com humanos torna animais selvagens mais dóceis

Há o risco de que, com o contato, eles percam a capacidade de caçar alimentos e de se defender dos predadores

Vilhena Soares
postado em 10/10/2015 06:05

Mergulho entre peixes de um afluente do Rio Cuiabá: animais aquáticos têm respondido mal à ação dos predadores

Conhecer regiões distantes das metrópoles para ver, de perto, como vivem os animais selvagens. Comum em países ricos em biodiversidade, como o Brasil, esse tipo de lazer pode comprometer a sobrevivência dos bichos. É o que alerta um estudo publicado na edição desta semana da revista Trends in Ecology & Evolution. O trabalho, conduzido por brasileiros e cientistas dos EUA e da França, mostra que interações entre humanos e animais pode ;domesticar; os seres silvestres. Há o risco de que, com o contato, eles percam a capacidade de caçar alimentos e de se defender dos predadores.

Diogo Samia, um dos autores do trabalho e pesquisador do Departamento de Ecologia da Universidade de São Paulo (USP), conta que a ideia de estudar o efeito do desse tipo de turismo surgiu durante um congresso científico, em novembro passado. ;A ideia foi se concretizando a partir de conversas que tivemos logo após o evento. Nós nos baseamos em evidências acumuladas a partir de estudos sobre ecologia comportamental e, sobretudo, nos estudos sobre domesticação e urbanização;, diz.

Segundo o grupo de cientistas, com essa atividade turística, os animais podem adquirir características que ajudariam na sobrevivência em novos ambientes. ;Graças aos estudos sobre domesticação e urbanização, sabemos que os bichos com características como maior tolerância à aproximação humana e menor reatividade a novos estímulos podem ter maior sucesso em sobreviver e se reproduzir em um ambiente com intenso contato com humanos;, explica Samia.

A adaptação, porém, não tem nada de benéfica. ;O problema é que essas mesmas características podem tornar esses indivíduos mais suscetíveis à predação e à caça ilegal por reduzirem as respostas antipredatórias deles, como vigilância, fuga e agressão aos predadores;, complementa Samia.

O estudo cita os animais já afetados pelo contato mais frequente com o homem. Entre eles, as raposas, que se tornaram mais dóceis; e animais aquáticos, que se mostram menos sensíveis a ataques simulados de predadores. Os especialistas acreditam que essas alterações podem se perpetuar. ;Esse conjunto de características que tornam os animais potencialmente mais suscetíveis à predação pode ser ;moldado; durante o tempo de vida dos bichos;, explica Samia.

Novo dilema

Para Welber Senteio Smith, professor do curso de ciências biológicas e engenharia ambiental da Universidade de Sorocaba (Uniso), a pesquisa traz uma nova preocupação na área ambiental. ;Provoca uma série de discussões do ponto de vista do comportamento da vida selvagem e uma possibilidade de reflexão das atividades vinculadas ao turismo ecológico que ainda não havia sido levada em consideração: a do impacto aos animais causado por essas ações;, destaca o especialista que não participou do estudo.

Samia explica que o ecoturismo ; atividade geralmente monitorada e pensada com o objetivo de conservar a biodiversidade ; é diferente do turismo em áreas naturais. ;Esse caso parece ser a atividade em que esse efeito colateral é mais provável, uma vez que, frequentemente, não existe um monitoramento constante das populações naturais;, diferencia.

Na mesma linha, Smith ressalta que passeios ecológicos têm um grande valor, mas é necessário considerar os efeitos causados aos animais. ;Tomar precauções como limitar a quantidade de pessoas que podem visitar determinado espaço, é algo que deve ser analisado. Mas temos que frisar que essas visitas são importantes do ponto de vista educativo, para que as pessoas aprendam a respeitar esses locais;, complementa.

Preocupação global
Samia acredita que, antes de que sejam propostas mudanças nas atividades turísticas, precisa-se analisar mais a fundo os efeitos detectados na pesquisa atual. ;É cedo para sugerir diretrizes concretas. São necessários estudos direcionados para saber se, de fato, o contato com os humanos torna os animais silvestres mais suscetíveis à predação e em quais circunstâncias isso ocorre. Caso nossa suspeita seja confirmada e após entender as variáveis envolvidas nesse processo, poderemos sugerir práticas com o intuito de minimizar ao máximo esses efeitos indesejados;, detalha.

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