Ciência e Saúde

Estudo mostra prejuízos da falta de assistência médica a transexuais

A depressão chega a acometer 60% deles, contra 5% da média geral

Carmen Souza
postado em 18/06/2016 06:00

Transexual na Índia busca preservativos em uma ONG para mais um dia de trabalho como prostituta: risco de se contaminar com o HIV é 50 vezes maior


O reconhecimento de direitos para transexuais começa a entrar na história de países, principalmente os europeus. Dinamarca, Malta, Irlanda, Noruega e Argentina, por exemplo, permitem que o sexo de um indivíduo seja determinado por declaração em um processo administrativo simples. Os avanços em políticas que favoreçam a saúde dessas pessoas, porém, não seguem o mesmo ritmo. Um descompasso que tem impacto negativo em suas condições física e mental, e que motivou um grupo de cientistas a propor, nesta semana, medidas que reduzam essa disparidade social (veja quadro).

;Há enormes lacunas na nossa compreensão da saúde dos transexuais decorrentes de um desafio fundamental de definir esse grupo diverso e de uma falha em reconhecer a diversidade de gênero. No entanto, sabemos o suficiente para agir: altas taxas de depressão e HIV estão todas ligadas ao contexto em que as pessoas transexuais são forçadas a viver;, detalha, em comunicado à imprensa, Sari Reisner, um dos autores do artigo, publicado na última edição da revista The Lancet, e pesquisador da Escola de Medicina de Harvard e da Escola Chan de Saúde Pública, ambas nos Estados Unidos.

A série inédita de artigos científicos traz que as taxas de depressão em transexuais ; estimados em 25 milhões ; chegam a 60% em alguns países. Levando em conta a população geral, a incidência da doença gira em torno de 5%, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, os transexuais também têm como complicador considerável os transtornos ansiosos, segundo o médico psiquiatra Daniel Mori. ;Eu destaco, nesse caso, o estresse pós-traumático. O grande diferencial da nossa realidade é que somos conhecidos como o país que mais mata transexuais, gerando bastantes prejuízos psicológicos a essas pessoas;, explica.

Colaborador do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Mori ressalta que, com relação à maior vulnerabilidade à infecção por HIV ; outro ponto de destaque da série de artigos ;, a realidade brasileira é parecida com a da maioria dos países. Segundo os autores, estudos mostram que os transexuais correm um risco quase 50 vezes maior de contrair o vírus da Aids.

;Diante do estigma, da discriminação e dos abusos, os transexuais são empurrados para as margens da sociedade (;) Muitos são atraídos para situações ou comportamentos de risco, como o sexo inseguro ou o abuso de substâncias, o que os deixa em risco de mais problemas de saúde;, avalia, em comunicado, Sam Inverno, professor da Universidade Curtin, na Austrália, e um dos autores dos artigos. A série contou também com a participação de estudiosos da Universidade de Sheffield (Reino Unido), da Universidade Johns Hopkins (EUA) e do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (Pnud).

Propostas
Para transformar a realidade, o grupo sugere medidas que passam por adoção de políticas públicas mais inclusivas, mudanças nas práticas médicas e estímulo a estudos científicos sobre o tema. A infância mereceu posição de destaque, com a defesa de capacitação dos professores para lidar e ensinar a diversidade de gênero e o fim das terapias reparadoras em crianças e adolescentes. Mori lamenta que aqui se caminhe em sentido contrário. ;As escolas de São Paulo, por exemplo, são proibidas de tratar o assunto com alunos dos ensinos médio e fundamental. Esse programa de educação acaba sendo copiado por outras cidades grandes da região, como Campinas e as do ABC.;

O psiquiatra também ressalta a falta de especialistas em lidar com pacientes transexuais, de pediatras a cirurgiões. Segundo ele, além da não abordagem do tema nas faculdades de medicina, há uma resistência da categoria. ;Tem um preconceito na sociedade médica com os que se dedicam a essa questão, sim;, garante. ;E isso tem impacto nos pacientes. Se não há especialista para fazer a cirurgia de mudança de sexo, por exemplo, a fila de espera aumenta, e o sofrimento e o desconforto dos transexuais com o próprio corpo também. Esse cenário só aumenta os sintomas depressivos.;

O treinamento dos profissionais da saúde também é proposto pelos autores da série, que contou com a contribuição de diversos membros da comunidade transgênero, como Tampose Mothopeng, diretor da Associação Matrix Popular, em Lesoto, na África. ;Viver com orgulho como um homem transgênero num pequeno país subsaariano chegou a um preço grave. Meu ativismo público sobre questões de orientação sexual e identidade de gênero e expressão faz-me vulnerável a ameaças. Os casos generalizados de estupro ;corretivo; contra homens transexuais e mulheres lésbicas significa que eu deve estar sempre atento e vigilante em qualquer tipo de espaço público;, relata.

De acordo com relatório da Transgender Europe, de janeiro de 2008 a abril de 2016, foram relatados 10 assassinatos de transgêneros na África. Países das américas Central e do Sul respondem por 78,2% dos assassinatos: 1.654. A ONG internacional aponta o Brasil como o país que mais mata travestis e transexuais. Foram 486 casos entre janeiro de 2008 e abril de 2013, quatro vezes mais que o México, o segundo colocado.

A matéria completa está disponívelaqui, para assinantes. Para assinar, clique

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação