Ciência e Saúde

Mudanças climáticas e pesca fazem pinguins passar fome na costa africana

Animais se deslocam na costa africana em busca de peixes e não os encontram, ficando suscetíveis a predadores. Os impactos da mudança climática e do excesso de pesca estão por trás da falta de alimento

Vilhena Soares
postado em 10/02/2017 06:00
O estudo mostra que, na região escassa de sardinhas e anchovas, a taxa de reprodução da ave cai pela metade

As mudanças climáticas e a ação humana têm colocado os pinguins em uma armadilha ecológica. Ao se deslocarem para os locais em que costumam encontrar sua principal refeição, os peixes, as aves não os encontram e ficam vulneráveis, correndo o risco de morrerem de fome ou pela ação de um predador, por exemplo. O alerta é efeito por pesquisadores britânicos e africanos na edição mais recente da revista Current Biology. A equipe também propõe estratégias para impedir o fenômeno, como a delimitação de áreas para a pesca.

;Essas armadilhas acontecem porque os organismos, muitas vezes, dependem de pistas ambientais para tomar decisões comportamentais sobre os locais a ocupar, mas, quando os ambientes são alterados de repente pelos seres humanos, as pistas anteriormente confiáveis podem não estar associadas a bons resultados em termos de sobrevivência ou de sucesso de reprodução. Nesses casos, os organismos são incapazes de modificar suas respostas com rapidez suficiente e ficam ;aprisionados;;, detalha ao Correio Richard Sherley, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade de Exeter, no Reino Unido.

Os autores buscaram entender a importância das locomoções feitas pelos pinguins durante o primeiro ano de vida do animal. ;Essa é uma lacuna de conhecimento que engloba muitos vertebrados marinhos. Queríamos saber se os pinguins possuem flexibilidade quando são jovens para responder a mudanças no ecossistema;, explica Sherley. Ele e os colegas contaram com a ajuda de cientistas da Namíbia e da África do Sul. A equipe utilizou satélites para acompanhar a dispersão de filhotes da espécie Spheniscus demersus, o pinguim africano.

A intenção era saber se esses animais ficavam presos em uma porção do oceano que se estende da fronteira entre o sul de Angola e a província de Benguela até Cabo Ocidental, na África do Sul. Chamada Grande Ecossistema Marinho da Corrente de Benguela, essa área é uma das mais produtivas do mundo, repleta de anchovas e sardinhas, que servem de alimentos para os pinguins, mas sofrem com a pesca excessiva e mudanças climáticas. ;Alterações na salinidade e na temperatura da superfície do mar fizeram a sardinha e a anchova mudarem para suas áreas de desova, várias centenas de quilômetros ao leste e longe das colônias de reprodução de aves marinhas;, complementa Sherley.

Essas mudanças já eram previstas pelos especialistas, mas não pelos pinguins, que seguem percorrendo longas distâncias dentro da região de Benguela, mas se deparam com a falta de alimento. ;Os pinguins ainda realizam o trajeto, mas os peixes não estão mais lá. As sardinhas foram substituídas por peixes de baixa energia e águas-vivas;, diz Sherley. A pesquisa também mostrou que as aves jovens que se encontram no degradado ecossistema, muitas vezes, não conseguem sobreviver. Seu número de reprodução é cerca de 50% menor do que seria se seguissem para outros caminhos, áreas em que o impacto humano tem sido menor.

Gerações ameaçadas
Jader Marinho, professor do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB), destaca que os impactos avaliados no estudo podem atingir as novas gerações. ;Isso mexe na cultura de uma determinada população, indivíduos mais velhos sempre estão passando para os mais novos uma determinada rota, mas, de repente, esse ponto em que eles poderiam recuperar a energia, descansar e ter segurança não existe mais. Essa diminuição de peixes pode causar desequilíbrios ainda maiores que serão descobertos mais tarde;, explica. O especialista, que não participou do estudo, frisa ainda os prejuízos da falta de sardinha. ;É um peixe bem gordo, que dá o retorno energético que os pinguins precisam para aguentar viver em temperaturas tão frias.;

Os autores acreditam que é possível proteger os pinguins dessa armadilha ecológica. Para isso, sugerem a extinção da pesca em áreas em que as aves se alimentam, aumentando, assim, o número de peixes na região. ;O governo sul-africano está trabalhando na implementação de limites de captura e de práticas de manejo na pesca de sardinha. Isso, certamente, ajudará a retardar o declínio do pinguim africano;, ressalta Sherley.

A equipe dará continuidade à pesquisa para ajudar, inclusive, a embasar medidas de proteção aos pinguins. ;Continuamos tentando entender como a pesca influencia as interações entre aves marinhas e suas presas em diferentes escalas espaciais e em fases distintas do ciclo de vida das aves. Queremos saber em que medida as áreas marinhas protegidas podem beneficiar a conservação de pinguins nessa região e como a pesca e sua gestão impactam esses animais em relação às outras ameaças que eles enfrentam, além das possíveis ações que podemos tomar para conservá-las;, adianta o autor.

Palavra de especialista

Também em outros mares

;Essa pesquisa mostra claramente como as mudanças climáticas somadas aos impactos diretos do ser humano no ambiente ; nesse caso, a pesca ; causam um efeito sinérgico muito mais drástico. O mesmo fenômeno pode estar acontecendo em outros locais do planeta. No Brasil, as mudanças climáticas podem estar afetando a sazonalidade na produção de frutos nas florestas, causando também mudanças nos movimentos de aves frugívoras (que se alimentam de frutos) e levando a perdas populacionais. As mudanças estão ocorrendo, isso é fato, e as aves funcionam como mensageiras delas, nos alertando e nos dando a chance de mitigar os impactos. Para muitas espécies, ainda haverá tempo de salvá-las, para outras, talvez não mais;
Pedro Ferreira Develey, diretor executivo da Sociedade para a Conservação das Aves do Brasil (SAVE-Brasil)

"Indivíduos mais velhos sempre estão passando para os mais novos uma determinada rota, mas, de repente, esse ponto em que eles poderiam recuperar a energia, descansar e ter segurança não existe mais;
Jader Marinho, professor do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB) e não participante do estudo

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