Ciência e Saúde

Estudo consegue mapear rota do zika virus do Brasil aos Estados Unidos

Sequenciamentos inéditos do vírus permitem mapear como ele saiu do Brasil e chegou aos EUA. Segundo o trabalho internacional, o patógeno já estava no Nordeste brasileiro um ano antes da confirmação das primeiras infecções

Paloma Oliveto
postado em 25/05/2017 06:00

Exército brasileiro trabalhou para evitar a disseminação do vírus: especialistas defendem detecção precoce de surtos


Naquele início de 2014, não se falava em outra coisa no Brasil, que não a Copa do Mundo. Enquanto o país se preparava para o mundial, um inimigo circulava incógnito pela Região Nordeste. Ele só seria descoberto no fim de abril do ano seguinte, quando os pesquisadores Gúbio Soares e Silvia Sard, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), identificaram que o causador de uma doença misteriosa, com sintomas semelhantes ao da dengue, era o vírus zika. Ainda se ouviria falar muito dele, principalmente depois que o micro-organismo foi associado a outro mistério; dessa vez, muito mais grave: a microcefalia.


Não era só no Brasil que o zika circulava meses antes de as primeiras infecções serem detectadas. Três artigos divulgados na edição desta semana da revista Nature, assinados por um grupo de cientistas internacionais, incluindo brasileiros, aprofundam o conhecimento genético desse vírus originário de Uganda, com a publicação de 174 novos sequenciamentos. Entre outras coisas, os dados indicam que o micro-organismo chegou ao Nordeste em fevereiro de 2014. Da mesma forma, já havia entrado na Colômbia, em Honduras, em Porto Rico e nos demais países caribenhos de quatro a nove meses antes da confirmação dos casos iniciais da doença. De acordo com os autores, essas informações reforçam a necessidade de se incrementar as ferramentas de detecção precoce de surtos.

Os dados foram obtidos a partir de amostras de vírus e de pacientes infectados, coletados em 11 países e territórios afetados pelo zika. O sequenciamento permitiu mapear, pela primeira vez, a rota inaugural do micro-organismo, desde o Brasil até outros países da América do Sul, passando pela Central, o Caribe, e chegando ao sul dos Estados Unidos. Os pesquisadores explicaram, em uma coletiva de imprensa, que os resultados só aparecem agora, dois anos depois da identificação do zika no continente americano e meses após o auge da epidemia, devido às características da infecção. Os níveis de vírus circulante no organismo são baixos e desaparecem muito rapidamente.

;Nós sabíamos que era importante entender as populações virais que levaram à epidemia, o que nos motivou a enfrentar os desafios de sequenciar o zika;, diz Hayden Metksy, estudante de graduação do laboratório do cientista Pardis Sabeti, no Instituto Broad, da Universidade de Harvard, e coautora de um dos artigos. ;Como os dados que geramos capturam a diversidade geográfica do vírus pelas Américas, eles dão a oportunidade de rastrear como e quando o vírus se espalhou. Nossos dados também suportam o desenvolvimento de testes moleculares mais efetivos, como a melhora de ferramentas de vigilância para a saúde pública.;

No laboratório de Sabeti, a equipe de Harvard desenvolveu novos métodos de captura de dados genômicos e os aplicaram nas amostras coletadas em parceria com instituições de Massachusetts e da Flórida, além de parceiros no Brasil, na Colômbia, na República Dominicana, em Honduras, na Jamaica e em Porto Rico. Dessa forma, geraram 110 novos genomas e, depois, combinaram as informações com outros 64 sequenciamentos prévios do GenBank, um banco genômico mundial. Em seguida, foram feitas as análises. ;Nessa colaboração, cada parceiro compartilhou seus recursos e sua expertise únicos ; amostras, protocolos, análises, ideias ; para ajudar a entender e lutar contra o zika;, diz Thiago Moreno L. Souza, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro. ;Compartilhar amplamente os dados para o mesmo objetivo foi uma extensão óbvia desse ethos.;

Expedição


Em junho passado, pesquisadores britânicos da Universidade de Oxford embarcaram em uma missão científica pelo Nordeste brasileiro, percorrendo 2 mil quilômetros da região em um micro-ônibus equipado com material de sequenciamento genético portátil e amostras testadas de mais de 1,3 mil pacientes infectados pelo vírus. ;Apesar de ter havido provavelmente milhões de casos de zika no Brasil, tinham poucos genomas virais conhecidos antes do nosso trabalho. Conhecer melhor a diversidade genética do zika é crucial para o desenvolvimento de vacinas e para identificar áreas em que a vigilância sanitária é mais necessária;, diz Nuno Faria, do Departamento de Zoologia de Oxford e do Instituto Evandro Chagas.

;Nós geramos os genomas do zika para estabelecer a história epidêmica do vírus nas Américas. Mostramos que ele estava presente no Brasil por um ano inteiro antes dos primeiros casos confirmados;, afirma Oliver Pybus, da mesma instituição britânica e autor correspondente de um dos artigos da Nature. ;Também descobrimos que o Nordeste, região com o maior número de casos de zika e de microcefalia, foi o nexo da epidemia no Brasil e desempenhou um papel-chave no espalhamento do vírus para os principais centros urbanos, como Rio de Janeiro e São Paulo, antes de migrar para as Américas. Agora, temos uma compreensão melhor da epidemiologia do vírus.;

Novos desafios


De acordo com Luiz Alcântara, pesquisador da Fiocruz Bahia, o projeto não acabou com a publicação dos artigos. ;Agora, ele está se expandindo para outras áreas geográficas do Brasil, onde estamos enfrentando não apenas o zika, mas dengue e chicungunha, assim como as epidemias recentes de febre amarela;, diz. ;A ameaça desses vírus transmitidos por mosquitos no Brasil é severa e há uma necessidade premente de entender melhor a epidemiologia para prevenir sua propagação;, completa.

Bronwyn MacInnis, diretora associada de malária e genomas virais do Programa de Microbioma e Doenças Infecciosas do Instituto Broad, diz que a epidemia de zika deixa uma lição sobre o papel que o genoma desempenha na identificação e no rastreamento precoce dos vírus, antes que as infecções em massa aconteçam. ;A genômica nos permitiu reconstruir como o vírus viajou e mudou durante a epidemia, o que significa que ela pode nos ajudar a detectá-lo muito antes. Nós fomos passados para trás pelo zika. Precisamos estar à frente do próximo vírus emergente, e o genoma terá um papel importante para conseguirmos alcançar esse objetivo.;

Conhecer melhor a diversidade genética do zika é crucial para o desenvolvimento de vacinas e para identificar áreas em que a vigilância sanitária é mais necessária;

Nuno Faria, pesquisador do Departamento de Zoologia de Oxford e do Instituto Evandro Chagas

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