Ciência e Saúde

108 milhões de jovens com menos de 19 anos estão obesos, mostra estudo

Especialistas chamam a atenção para complicações do quadro, como o aumento do risco de cânceres e da mortalidade

Paloma Oliveto
postado em 13/06/2017 06:00
Especialistas chamam a atenção para complicações do quadro, como o aumento do risco de cânceres e da mortalidadeA pandemia de sobrepeso e obesidade que vem aumentando nas três últimas décadas já afeta a saúde de 30% da população global. Um estudo elaborado por 2,3 mil pesquisadores de 133 países e publicado no The New England Journal of Medicine indica que não só aqueles com índice de massa corporal (IMC) muito elevado sofrem as consequências do excesso de gordura. Dos 4 milhões de óbitos registrados em 2015 ligados ao IMC acima do normal, quase 40% ocorreram em pessoas não obesas, mas com sobrepeso.

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"As pessoas que ignoram o ganho de peso estão se colocando em risco de doenças cardiovasculares, diabetes, câncer e outras condições que ameaçam a vida;, disse, em nota, Christopher Murray, principal autor do artigo e diretor do Instituto de Métricas de Saúde e Avaliação (IHME) da Universidade de Washington. ;Essas resoluções pouco sérias de ano novo para perder peso deveriam se tornar compromissos durante o ano inteiro;, afirmou. Entre as enfermidades associadas com o IMC alterado estão câncer de esôfago, colorretal, fígado, bexiga e trato biliar, pâncreas, mama, útero, ovário, rins, tireoide e leucemia.

A partir de estatísticas nacionais de 195 países e territórios referentes a 1980 e 2015, os pesquisadores calcularam o número de pessoas com sobrepeso e obesidade em todo o mundo, além de examinar a relação entre o excesso de gordura corporal e mais de 300 tipos de doenças. Os dados mostram que, em 2015, 2,2 bilhões de crianças/jovens e adultos, ou um terço da população global, tinham IMC acima do normal. Nesse universo, incluem-se 108 milhões de menores de 19 anos e mais de 600 milhões de pessoas com mais de 20 com um índice acima de 30, o que já caracteriza a obesidade.

;A obesidade virou uma pandemia. Era esperado que o número de obesos em 2025 fosse 2,5 bilhões, mas já se chegou a quase isso 10 anos antes. É preciso uma ação governamental coordenada pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) para um controle mundial;, avalia Osvalmir de Sá, nutrólogo pela Associação Brasileira de Nutrologia e médico da Clínica Corpometria. ;Tem de parar com essa coisa de dizer que o obeso é uma pessoa relaxada, relapsa, e que basta parar de comer e se exercitar. Só isso é ineficaz para lutar contra a obesidade. Existem diversos fatores por trás desse problema, incluindo genéticos;, lembra.


Falhas de abordagem


No artigo do The New England Journal of Medicine, os autores destacam que, na última década, foram propostas diversas intervenções para reduzir a obesidade, como a restrição de propagandas de produtos alimentícios não saudáveis, melhoria na oferta da merenda escolar, taxação de industrializados e subsídios para alimentos saudáveis, entre outros. ;Contudo, alguns países começaram a implementar algumas dessas políticas, mas nenhum grande sucesso populacional foi alcançado;, escreveram.

Para Osvalmir de Sá, é preciso encarar a obesidade como doença crônica e tratá-la como tal. ;Só o controle da alimentação não está se mostrando eficaz. O gasto da Previdência com doenças associadas à obesidade é enorme. Não adianta o governo apenas lançar guia alimentar: o obeso já sabe bem o que é fibra, carboidrato, proteína e índice glicêmico. O problema não é esse. Hoje nós sabemos que, quando se consome substâncias como açúcar, são ativados os mesmos receptores neurológicos que agem quando há consumo de droga;, diz. O médico defende o uso de medicamentos para o tratamento da obesidade. ;Se bem indicados, eles têm um potencial enorme. Mas o GLP-1, por exemplo, uma nova substância de alta eficácia, ainda é caríssimo. Tem esse problema sério da indústria farmacêutica;, pondera.

Desde os 16 anos, a psicóloga Maria Eduarda*, 29, luta para emagrecer. Ela começou a engordar na adolescência, quando quebrou o joelho e ganhou 12kg. Com o tempo, a balança foi ficando mais pesada. ;Já tentei de tudo. Muitas vezes, fazia dieta e, em vez de emagrecer, engordava;, conta. Por seis meses, ela participou de reuniões preparatórias para a cirurgia bariátrica. Mas, perto de fazer o procedimento, desistiu, desestimulada por histórias de pacientes que relatavam efeitos colaterais.
No ano passado, ela chegou aos 144kg. O alarme soou. A psicóloga procurou um endocrinologista, que fez um tratamento hormonal associado a uma dieta hipocalórica. Com 17kg a menos, ela se sentiu estimulada a procurar uma nutricionista e, agora, faz o regime low carb. ;Quando tenho vontade de comer alguma coisa, eu me pergunto se vale a pena. Essa é uma mudança de dentro para fora. Se a mudança não vier, você vai continuar doente;, diz Maria Eduarda, que espera alcançar os 70kg.

Anos perdidos

O estudo global de sobrepeso e obesidade mostrou que, em 2015, o IMC alto contribuiu para 120 milhões de anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (Daily), um indicador que leva em consideração a morte prematura e os anos vividos com incapacidade. Os pesquisadores destacaram o impacto dos quilos extras no risco de câncer: a cada 5kg/m; no IMC, há 10% de aumento no risco de mortalidade por tumores malignos. A endocrinologista do Instituto Aliança Carolina Meireles, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), destaca que as mulheres estão ainda mais suscetíveis. ;Na mulher, a obesidade aumenta em 20% o risco de qualquer tipo de câncer. Nos homens, 14%;, diz.

De acordo com a médica, o tipo de gordura mais associada ao câncer é a visceral, acumulada na barriga. ;Esse tecido adiposo estimula o crescimento tumoral, além da produção de marcadores inflamatórios e hormônios;, diz. No dia a dia do consultório, Carolina Meireles atende pacientes oncológicos. Ela diz que poucos se convencem da relação do câncer com a obesidade. ;Até entre os médicos essa é uma associação recente. Todo mundo tem medo do câncer e se preocupa com tipos de alimentos e tabagismo, entre outras coisas. Mas a obesidade deveria estar no topo das medidas preventivas;, acredita.

* Nome fictício a pedido da entrevistada

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