Ciência e Saúde

Cientistas identificam diferenças no cérebro de pacientes com bipolaridade

Ao analisar o cérebro de 2,4 mil pacientes, cientistas detectam redução de massa cinzenta em áreas ligadas ao autocontrole

Vilhena Soares
postado em 24/06/2017 08:00

A mudança acentuada de humor é uma das características mais marcantes do transtorno bipolar. O problema tem causa desconhecida, mas acredita-se que alterações cerebrais podem estar envolvidas. Seguindo essa linha, cientistas da Universidade da Califórnia do Sul, nos Estados Unidos, fizeram a maior análise cerebral que se tem notícia em pessoas acometidas pela doença e detectaram modificações em áreas ligadas à inibição e à motivação. O trabalho, publicado na revista Molecular Psychiatry, além de ajudar no maior entendimento do transtorno, poderá resultar no desenvolvimento de novos tratamentos.


;As pessoas com transtorno bipolar têm alterações cerebrais semelhantes? Essa é uma dúvida que pairava sobre nossas cabeças. Para desvendar essa questão, reunimos informações de todo o mundo, usando varreduras cerebrais para mapear o cérebro bipolar;, conta ao Correio Paul Thompson, coautor do estudo. Com a ajuda de aparelhos de ressonância magnética, a equipe analisou o cérebro de 6.503 adultos voluntários. Desses, 2.447 tinham o transtorno bipolar.


Pela análise do material, Thompson e os colegas detectaram redução de matéria cinzenta (formada pelo corpo dos neurônios) em partes do cérebro que controlam a inibição e a motivação ; as regiões frontal e temporal, respectivamente ; nas pessoas acometidas pelo transtorno. Aquelas que também apresentavam histórico de psicose tinham deficits ainda maiores. ;Vimos duas diferenças principais no cérebro bipolar, nem todos seguem esse padrão, mas, em média, os pacientes bipolares tendem a ter uma anormalidade estrutural nas regiões cerebrais frontais envolvidas no autocontrole. Isso pode explicar alguns sintomas maníacos;, explica o investigador.


O sistema límbico ; tratado como o centro das emoções cerebrais ; também tinha alterações acusadas pelos exames de imagem, complicação detectada em outros trabalhos feitos pela equipe de investigadores. ;Vimos uma redução no tecido cerebral nessa área do cérebro ligada a sentimentos de tristeza e impotência. Percebemos isso também na depressão em um estudo de imagem que fizemos sobre a doença com quase 10.000 pessoas;, conta Thompson.

Tratamento

Para João Armando, psiquiatra do Instituto Castro e Santos, em Goiânia, o trabalho norte-americano traz respaldo científico para uma condição percebida pelos médicos no dia a dia. ;É o que vemos, as pessoas com esse transtorno têm problemas de inibição e de motivação;, ressalta o especialista. ;Outro ponto que reforça essa alteração biológica é sabermos que os pacientes que interrompem o tratamento farmacológico a longo prazo, mesmo quando estão bem, podem sofrer surtos justamente por terem essas alterações neurológicas.;


Geralmente, o tratamento para o transtorno bipolar combina a ingestão de estabilizadores de humor e antipsicóticos com um suporte psicoterápico. Embora muitos pacientes possam ser tratados ambulatorialmente, a mania ou a depressão graves, condições características da doença, às vezes demandam internação.


Para os investigadores norte-americanos, os resultados atingidos poderão ajudar no desenvolvimento de mais pesquisas que busquem entender e tratar melhor o transtorno bipolar. ;É útil ter um mapa de regiões cerebrais que mostram anormalidades de determinada doença. Com isso, podemos comparar tratamentos para ver quais fazem a diferença, por exemplo. Podemos também pesquisar o DNA das pessoas enfermas para ver quais genes podem ser prejudiciais ou protetores. Focalizar sobre as áreas afetadas será de grande ajuda para compreender os fatores que promovem ou resistem à doença;, detalha Thompson.

Remédios

Os cientistas continuam se dedicando à pesquisa. Agora, com o foco em medicamentos. ;Estamos estudando quais os remédios e os tratamentos que ajudam os pacientes bipolares. Nem todo mundo responde bem ao tratamento, e queremos encontrar terapêuticas que funcionem melhor, queremos entender por que certos remédios funcionam para algumas pessoas e não para outras;, adianta o investigador.


João Armando também acredita que frutos da pesquisa possam surgir na área de medicamentos. ;Essa é uma doença muito difícil de ser tratada, e esse trabalho pode ser uma semente para novos recursos nessa área, o que também é um grande desafio, pois a farmacologia voltada para o tratamento desse transtorno não é completamente eficaz;, pondera o psiquiatra. ;Essa seria também uma possibilidade de analisar melhor os remédios utilizados, saber se eles têm agido nessas áreas com deficit e, dessa forma, aperfeiçoá-los;, sugere.

É útil ter um mapa de regiões cerebrais que mostram anormalidades de determinada doença. Com isso, podemos comparar tratamentos para ver quais fazem a diferença, por exemplo;, Raul Thompson, coautor do estudo e pesquisador da Universidade da Califórnia do Sul.

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