Ciência e Saúde

Cientistas brasileiros usam celular para aprimorar cirurgias cerebrais

Smartphone é acoplado a endoscópio e, pelas imagens captadas, ajuda neurocirurgião a tratar aneurismas e tumores

Victor Correia*
postado em 14/03/2018 06:00

Infográfico sobre uso de celulares em cirurgias cerebrais
Os celulares têm sido grandes aliados da medicina. Aplicativos ajudam pacientes a lembrar de tomar os remédios. Aparelhos de medição, conectados a smartphones, fazem exames de rotina e também permitem a identificação de células cancerígenas em pacientes que vivem em locais remotos. Com os avanços tecnológicos, a expectativa é de que as aplicações se tornem ainda mais complexas.

Uma equipe brasileira, por exemplo, trabalha para que o dispositivo que está no seu bolso possa ajudar neurocirurgiões a realizar procedimentos de forma mais segura e barata. Pesquisadores do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) e do Hospital Israelita Albert Einstein acoplaram um smartphone a um endoscópio para realizar cirurgias pouco invasivas no cérebro, indicadas para tratar complicações como aneurismas e tumores.

A proposta é que a câmera do celular seja usada para registar as imagens do endoscópio captadas dentro do cérebro. O aparelho funciona também como tela, para que, ao longo do procedimento, o cirurgião acompanhe os movimentos que faz sem ter que desviar o olhar para um monitor maior. O celular pode, ainda, gravar e transmitir, em tempo real, o vídeo da cirurgia, abrindo a possibilidade de o conteúdo ser enviado para qualquer lugar do mundo.

O método mostrou-se eficaz durante experimentos com 42 pacientes, incluindo cirurgias de emergência. O dispositivo funcionou bem em todos os casos, e não houve complicações relacionadas ao uso do celular. ;O estudo mostra o uso do procedimento em 42 pacientes, mas ele já foi usado em mais de 100 com sucesso;, afirma Maurício Mandel, principal autor do estudo e neurocirurgião do Hospital das Clínicas da USP e do Hospital Israelita Albert Einstein. ;O celular funciona como uma tela, mas também pode transmitir a cirurgia ao vivo para qualquer lugar do mundo. Dessa forma, você pode ter uma segunda opinião, ele quebra essa barreira;, complementa.

Segundo os criadores, a solução torna mais fácil e segura a neuroendoscopia, permitindo ainda que médicos residentes aprendam o procedimento de forma mais rápida. Além disso, o celular é mais barato do que aparelhos de vídeo usados tradicionalmente para captar as imagens dentro de um centro cirúrgico.

Apesar dos resultados preliminares, a equipe de cientistas acredita que a técnica é viável e promissora. ;É uma adaptação de um aparelho para operar aneurismas cerebrais, pacientes com tumores ou hidrocefalia, com uma técnica menos invasiva. Colocamos um adaptador que conecta o aparelho direto em um celular. Isso barateia absurdamente o custo;, destaca Maurício Mandel.

Segurança

A neuroendoscopia consiste na inserção de um tubo ; o endoscópio ; em uma pequena incisão feita na cabeça do paciente até um ponto escolhido do cérebro. O tubo contém uma fonte de luz, lentes e espaço para a inclusão de instrumentos necessários à cirurgia. Geralmente, usa-se um aparelho específico para a captação do vídeo, que é transmitido a um monitor. O dispositivo, porém, é caro e pouco portátil, além de depender de uma fonte externa de energia, o que pode restringir o movimento dos médicos.

;A gente, inicialmente, pensou em utilizar o celular para reduzir o custo, porque o aparelho para a endoscopia é muito caro, principalmente para o SUS (Sistema Único de Saúde). Mas ele não só saiu mais barato como também melhor, tornando o procedimento mais seguro, inclusive;, diz Maurício Mandel.

O adaptador utilizado conecta o endoscópio firmemente à câmera do celular. Nos experimentos, o cirurgião principal manuseou o endoscópio olhando diretamente para a tela do celular, e a imagem foi transmitida, sem fio, para um monitor convencional. Dessa forma, a equipe médica pôde acompanhar o procedimento e, caso preferisse ou precisasse, o médico poderia mudar o foco para o método convencional ; o que não aconteceu.

Essa vantagem é justamente o que chama a atenção de Ivan Coelho Ferreira, neurocirurgião do Hospital Santa Lúcia e membro da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia. Segundo ele, o uso do celular para manusear um endoscópio permite que o movimento do cirurgião seja feito imediatamente, sem a necessidade de olhar para uma tela em cima ou ao lado. ;Fazer cirurgia é como andar de bicicleta, você treina seu cérebro para isso, faz 200, 300 cirurgias até ficar bom. Se você a torna mais fácil, a curva de aprendizado fica menor;, ressalta.

Segundo Ivan Ferreira, a neuroendoscopia disponível é complexa e pouco acessível. ;O grande custo atualmente desse tipo de procedimento é a fonte de luz e o próprio endoscópio. É um tubo de 2,7 milímetros, a ótica é muito cara. Se eles conseguirem em um próximo estudo usar o flash do celular como fonte de luz, seria fantástico;, sugere. Para o neurocirurgião, os resultados iniciais, porém, já são muito bem-vindos. ;É um trabalho bem bacana, feito por um pessoal muito bom, muito experiente;, avalia.

O estudo ainda é preliminar, ressalta Maurício Mandel, que acredita que, com a divulgação dos resultados, o trabalhe ganhe novas formas. ;Publicar em uma revista de alto prezo é o primeiro passo, que demos agora. Como é uma técnica que já existe, a partir daí, ela vai acabar sendo divulgada para outros médicos;, aposta. Ivan Ferreira também acredita na possibilidade de novos avanços. ;Se eles mostrarem superioridade ao método tradicional em um próximo estudo, será muito bacana;, pontua.

Limitações

As cirurgias convencionais utilizam grandes incisões no crânio para acessar a região necessária. A neuroendoscopia, por sua vez, usa apenas um pequeno furo para passar o aparelho. Porém, ela só pode ser realizada em algumas câmaras naturais do cérebro, pois não é possível usar ar para inflar o local, como é feito no abdômen, por exemplo.

* Estagiário sob supervisão da subeditora Carmen Souza

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