Ciência e Saúde

Contato com ar poluído aumenta o risco de ataque cardíaco, indica estudo

Casos de ataque cardíaco chegam a dobrar quando há alteração brusca na composição atmosférica de locais livres de poluição; mudança na concentração de óxido de nitrogênio está ligada ao fenômeno

Sara Sane*
postado em 20/03/2018 06:00
A pesquisa foi feita em Jena, uma cidade da  Alemanha, com dados colhidos ao longo de sete anos: impacto maior nas primeiras 24 horas de contato com o ar sujo

Pesquisadores têm mostrado como os altos índices de poluição atmosférica causam impacto na saúde das populações, incluindo a cardíaca. Um novo estudo divulgado na revista European Journal of Preventive Cardiology, porém, mostra que a preocupação em monitorar a quantidade de partículas que poluem o ar não deve se restringir a países e/ou cidades que enfrentam esse tipo de problema regularmente, como China e Índia. Mesmo em locais com o ambiente mais limpo, o aumento rápido de poluidores, principalmente o de óxido de nitrogênio, chega a dobrar o risco de ocorrência de ataque cardíaco.

Florian Rakers e colegas chegaram às conclusões conduzindo um estudo em Jena, cidade alemã com cerca de 110 mil habitantes e considerada um local com ar limpo. O registro de 693 casos de pacientes diagnosticados com ataque cardíaco e admitidos no Hospital Universitário da cidade entre 2003 e 2010 serviu de ponto de partida para os investigadores. ;Comparamos os dados de mudanças na concentração de ozônio, PM10 ; partículas inaláveis suspensas no ar ; e óxido de nitrogênio no ar pouco antes dos primeiros sintomas de ataque cardíaco de cada paciente com os de mudanças dos mesmos poluentes uma semana antes do ocorrido;, explica Rakers, pesquisador da instituição universitária.

Os resultados mostraram que o aumento de mais de 20 miligramas por metro cúbico de óxido de nitrogênio em 24 horas foi associado ao registro de mais do que o dobro do risco de ocorrência de ataque cardíaco (121%). Quando a taxa chegou a 8 miligramas por metro cúbico, a vulnerabilidade caiu para 73%. ;Esse risco provavelmente não depende apenas de exposição a longo ou a curto prazo em um ambiente com alta concentração dessas partículas, mas também da dinâmica e da extensão de seu crescimento;, pondera Rakers.

As variações repentinas de ozônio e PM10 não foram associadas à complicação cardíaca, muito embora a exposição a altas concentrações de ambos seja prejudicial à saúde humana, podendo causar doenças pulmonares, problemas cardiovasculares e aumento geral da taxa de mortalidade, ressalta o autor. Rakers também destaca que o estudo não buscou identificar as causas que levam ao aumento repentino dos poluentes.

No caso da mudança rápida na concentração de óxido de nitrogênio, porém, ele acredita que o problema possa ocorrer por alterações na intensidade do tráfego de veículos, como em um feriadão ou no começo das férias. Segundo o pesquisador, na União Europeia, os carros a diesel são a maior fonte de óxido de nitrogênio ; mais de 50% são gerados pela combustão de combustíveis fósseis. ;Os óxidos de nitrogênio são emitidos principalmente pelos transportes, é preciso reduzir o tráfego de carros em nossas cidades;, defende.

Arte de coração

Inflamações


Existem mais de uma teoria ou mecanismo que explicam como a poluição atmosférica influencia o infarto cardíaco. Ubiratan de Paula Santos, pneumologista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), explica que, segundo uma delas, o problema ocorre quando o poluente ou a substância química é inalado e entra em contato com os pulmões, causando inflamação. ;Assim, a substância é liberada para a corrente sanguínea e torna o sangue mais viscoso, o que aumenta o risco de formação de pequenos trombos, os coágulos, dentro dos vasos sanguíneos. Esses coágulos podem obstruir a veia coronária, aumentando, consequentemente, o risco a infarte cardíaco;, detalha.

Segundo o pneumologista, o aumento da vulnerabilidade visto no estudo ocorre em pessoas que já têm alguma predisposição a problemas cardíacos, mesmo sem ter apresentado sintomas. ;Quando essa concentração de poluição piora, o vaso que já era comprometido diminui o calibre da veia coronária, causando o infarto;, exemplifica. Santos diz que o tabagismo e o sedentarismo podem desencadear efeito parecido.

Bruno Ramos Nascimento, cardiologista e professor adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ressalta que a relação entre a poluição atmosférica e a doença cardiovascular é uma questão multifatorial. ;Em regiões urbanas, as pessoas, geralmente, têm menor qualidade de vida, como má alimentação, sedentarismo e poluição. Esses são fatores que contribuem para a doença cardiovascular;, diz.

Para o cardiologista, o estudo americano falhou em não analisar se os pacientes tinham riscos anteriores ao infarto, como o diabetes. A equipe dedicou-se a um estudo retrospectivo, ou seja, focado na análise de dados de pessoas que já tinham infartado, e avaliou as variações de poluição antes do problema de saúde. ;Ainda assim, a evidência é forte e está em acordo com as limitações;, ressalta.

Parâmetros mundiais


As recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto à qualidade do ar para PM10 e PM2.5, poluentes suspensos no ar que incluem sulfato, nitratos e carbono negro, são: em 24 horas, 25 microgramas por metro cúbico de PM2.5, e 50 microgramas por metro cúbico de PM10. Reduzindo apenas a concentração do PM10 para 20, cerca de 15% das mortes relacionadas à poluição do ar seriam reduzidas, estima a OMS.

Para saber mais

Antes de nascer
Pela primeira vez, uma pesquisa científica mostra a relação entre a exposição à poluição do ar antes do nascimento e a ocorrência de dificuldade de autocontrole, relacionada a comportamentos impulsivos, como vícios e hiperatividade. O trabalho foi conduzido por pesquisadores do Instituto de Saúde Global e do Centro Médico da Universidade Erasmus de Roterdã, na Holanda, e divulgado, neste mês, no jornal Biological Psychiatry.

Os pesquisadores avaliaram os níveis de poluição do ar na casa de 783 gestantes, incluindo níveis de dióxido de nitrogênio e partículas finas. Seis a 10 anos depois do nascimento, as crianças tiveram a morfologia do cérebro avaliada por imagens cerebrais. A exposição a partículas finas durante a vida fetal foi associada a um córtex mais fino ; a camada externa do cérebro ; em várias áreas de ambos os hemisférios. A mudança, segundo os autores, pode explicar o comprometimento no autocontrole.

Chama a atenção ainda no estudo o fato de 95% das mães das crianças estudadas terem passado a gestação em ambientes com níveis de poluição considerados seguros pela União Europeia. ;Portanto, não podemos garantir a segurança dos níveis atuais de poluição do ar em nossas cidades;, disse M;nica Guxens, autora principal do estudo.

*Estagiária sob supervisão da subeditora Carmen Souza.

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