Diversão e Arte

Diretor Túlio Guimarães escreve sobre Dulcina de Moraes

postado em 09/07/2009 07:51
Cheguei em Brasília em 1988 vindo de São Luís do Maranhão. Um dia, passando pelo Conic, vi escrito na entrada de um prédio: Faculdade de Artes Dulcina de Moraes. A curiosidade levou-me a entrar e explorar o prédio. Lá, descobri um universo pulsante onde alguns loucos gritavam textos que ecoavam pelos corredores. Não resisti. Fiz o vestibular e ingressei. Deu-se início a primeira das várias crises que presenciei, enfrentadas por aquela instituição ; a de 1989, uma das mais ferrenhas. Percebi então que se tratava de uma utopia: uma faculdade particular inteiramente dedicada ao ensino de artes num país como o Brasil, onde as artes sempre foram marginalizadas.

Tive a grande oportunidade (inesquecível aquele dia) de me deparar frente a frente com Dulcina. Eu "curiava" suas aulas, pois naquele tempo ela só as ministrava a quem estava se formando. Um dia, ensaiando O tribunal dos divórcios, fui surpreendido por aquela senhora que abrira a porta dizendo: "O que vocês estão fazendo?" Eu respondi, quase sem voz: "Ensaiando". E ela me disse: "O que?" E eu respondi: "Cervantes". Desde esse dia, fui contagiado pelo entusiasmo, carisma e determinação dessa mulher extraordinária.

[SAIBAMAIS]Trabalhando na Fundação Brasileira de Teatro (FBT), a convite de B. de Paiva, tive oportunidade de me aprofundar na história dessa grande mulher. Ela é uma espécie de deusa para mim e estou certo que ocupa um lugar de destaque no Olimpo, onde se encontra hoje. A FBT é seu legado, além de tudo o mais que ela deixou de importante para o teatro e a educação de artes no Brasil.

As crises se sucederam. Em vários momentos estivemos a ponto de fechar as portas, mas acredito que Dulcina é uma fênix. Está sempre a renascer das cinzas. Quando se pensa que esse patrimônio deixado por ela para a sociedade brasiliense está extinguindo-se atolado em dívidas, esquecido pelo poder público, fadado ao fracasso, o espírito da guerreira vem como as valquírias numa cavalgada a recolher as almas dos heróis mortos na batalha e convoca um novo exército para continuar a luta.

O patrimônio de Dulcina foi salvo por um grupo de jovens empresários que injetaram seu ânimo e (o mais importante) seu dinheiro acreditando que não é em vão. As mudanças já são perceptíveis. Uma nova galeria, um projeto de restauração do teatro e do prédio da FBT, além dos ares de renovação positiva que se respira hoje naquele templo. No Brasil, temos que entender que cultura não se "ajuda", investe-se nela para que as futuras gerações sejam melhores, mais humanistas, mais éticas e voltadas para o bem comum. Isso eu aprendi com a minha mestra e isso eu tento passar para meus alunos com os quais convivo há 14 anos. Que Santa Dulcina dos Palcos nos abençoe!

Tullio Guimarães é ator, diretor e arte-educador

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