Diversão e Arte

As pistas poéticas de Mia Couto

postado em 05/08/2009 08:25
O mundo acabou e só restaram cinco homens. Um lugar, uma não cidade chamada Jerusalém. Um passado a esquecer, o conhecimento a negar. Assim Mia Couto dispõe a trama e os personagens de seu novo romance, Antes de nascer o mundo. O escritor moçambicano espalha pistas poéticas por todo o livro, ao abrir com epígrafes cada capítulo. A cada uma, um poema da portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen ou das brasileiras Hilda Hilst e Adélia Prado. Na vida de Jerusalém e daqueles homens, a gritante ausência das mulheres. Mia Couto abre os capítulos do romance com poemas: leitura envolvente e emocionadaSilvestre Vitalício e seus filhos Ntunzi e Mwanito, o cunhado dele (o Tio Aproximado) e um ajudante, o militar Zacaria Kalash, vivem num sítio longe de tudo, até da guerra que permeia a história do país como uma sombra colada. Nenhum dos nomes é o verdadeiro. Eles foram todos rebatizados por Silvestre, que pretendia, com isso, inaugurar um não tempo distante da memória e da civilização. O ponto de partida para tal confinamento foi a morte da mulher dele e mãe dos meninos, Dordalma. Enquanto Mwanito, de 11 anos, cresce sem ter lembrança da figura feminina, proibido de aprender a ler ou escrever, Ntunzi, rapazote, encena e desenha a mãe, ensina ao irmão o interdito, traça planos de fuga. O caçula, mais ligado ao pai, "afina silêncios" ao lado dele, ajudando-o, sem palavras, a se conciliar com o passado. A paz armada que reina em Jerusalém é perturbada pela chegada de uma mulher, uma branca, portuguesa, que busca o homem amado que a trocou por outra. Marta traz, na bagagem, além de uma câmera fotográfica e da figura feminina, a palavra falada e escrita. O amor proclamado por ela instaura nova realidade, capaz de devolver aqueles homens ao mundo e confinar Silvestre em sua cela interior, na loucura que amadurecia antes da volta à cidade. Com poesia presente na construção de um texto rico e complexo, à moda de um Manoel de Barros, mas com a forte marca do português africano, o escritor moçambicano constrói uma leitura envolvente e emocionada, em que o dito, muitas vezes, despista. E o escondido revela todas as dores d%u2019alma.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação