Diversão e Arte

Homicídio doloso e formação de quadrilha

O escritor gaúcho Lourenço Cazarré estabelece camaradagem com o leitor em livro adaptado de folhetim e em capítulos curtos

Especial para o Correio
postado em 21/09/2009 09:17

; Bernardo Scartezini

Histórias de crime podem se prestar para muitas coisas. O argentino Jorge Luis Borges partia delas para alongar-se sobre literatura & filosofia. O americano Chester Himes partia delas para apresentar a vida dos negros no gueto & falar do submundo do Harlem para além do noticiário policial.

Cazarré cria uma história que se passa nos anos 1970 em BrasíliaO escritor Lourenço Cazarré também sujou suas mãos no sangue de uma inocente personagem. Mas o fez por amor à arte. À arte de uma história bem contada. A misteriosa morte de Miguela de Alcazar é um tributo leve e bem-humorado à literatura policial.

Cazarré pega o leitor como cúmplice logo nas primeiras páginas. Para tanto, usa de sarcasmo na sedutora voz de seu narrador. Estabelece camaradagem quando tu ainda nem imaginas sua real intenção. Principalmente se o incauto aventureiro também for morador de Brasília. Pois o narrador de Cazarré ; ah, coincidência ; é um gaúcho que mora na capital federal e trabalha como repórter.

Miguela de Alcazar, como trama policial, é uma grande farsa. Mas o leitor não pode dizer que não foi avisado. ;Acreditamos, desde a primeira linha, que esta obra destina-se a um leitor requintado, conhecedor dos clássicos da literatura policial;, estabelece o narrador em seu primeiro capítulo, à guisa de introdução.

A morte de Miguela de Alcazar foi crime premeditado. E o autor do assassinato, que não é outro além de Lourenço Cazarré, mais tarde haverá de tentar atribuir seu ato também a terceiros. Nosso narrador-herói cínico e quebrado, Campestre de Campos Campelo, acorda cedo e vai trabalhar de barriga vazia. Assume o volante de seu fusquinha e toma o rumo da redação do jornal. Durante o trajeto, testemunha um acidente na rodoviária entre dois ônibus lotados.

Chegando à redação, Campestre bate ligeiro a matéria sobre o acidente e, bem quando imaginava que podia folgar um bocadinho, seu editor o chama para uma pauta especial. Em tom de conspiração, o chefe conta baixinho que está havendo uma sigilosa reunião de escritores de livros policiais no Brasília Palace Hotel, aquele que pegou fogo e foi implodido, mas que aqui ainda está de pé, a história se passa no final dos anos 1970. Nas horas seguintes, um crime será descoberto e desvendado. O bravo repórter então se lança a elucidar a misteriosa morte de Miguela.

Lourenço Cazarré, 56 anos, é um sujeito escolado em enredos policiais. Já roçou o gênero em livros anteriores e este Miguela de Alcazar é, na verdade, a reestruturação de um folhetim que ele escreveu para o Correio na década de 1990.

O livro mantém a estrutura original com seus capítulos curtos, puxados por títulos espirituosos e sempre deixando ganchos no ar, calculadas doses de mistério para o capítulo seguinte. Esse engenho de Cazarré faz seu livro fluir num contínuo de diversão, um livro para ser lido numa tarde de sossego.

Cazarré, sabemos, é escritor premiado no universo infanto-juvenil (entre outros, o prêmio Jabuti por Nadando contra a morte em 1998) e se este Miguela de Alcazar não se apresenta como juvenil, certamente causaria boa impressão entre a rapaziada ; principalmente para as aulas de literatura, que podem ser oportunidades perdidas de se formar novos leitores.

O escritor gaúcho Lourenço Cazarré estabelece camaradagem com o leitor em livro adaptado de folhetim e em capítulos curtos

A MISTERIOSA MORTE DE MIGUELA DE ALCAZAR
De Lourenço Cazarré. Editora Bertrand Brasil. 176 páginas. Preço: R$ 29,00.

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