Diversão e Arte

Festival de Brasília volta a apostar em documentários e na produção à margem do eixo Rio-SP

postado em 17/11/2009 09:00
Nas sessões do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, é natural que o espectador se sinta desafiado. Uma das marcas da mostra é a preferência por obras ousadas e provocativas, muitas vezes longe do conforto do cinemão. Em 2009, no entanto, será a própria organização do evento quem enfrentará um desafio ainda maior: como espantar uma crise que, ano passado, ameaçou a reputação de um dos principais festivais do país? A pergunta será respondida a partir de amanhã, com o início da mostra competitiva em 35mm.

Na contramão da cerimônia de abertura, com forte repercussão nacional, a disputa de longas-metragens ainda desperta pouca expectativa. Como em 2008, quando integrantes do júri criticaram a qualidade dos filmes exibidos, a comissão de seleção privilegiou os documentários. Entre os seis concorrentes aos principais Candangos, apenas dois são ficções ; o brasiliense O homem mau dorme bem, de Geraldo Moraes, e o paulistano É proibido fumar, de Anna Muylaert. ;No contexto dos filmes inscritos, a comissão optou por essa configuração. E, do ponto de vista de público, não vejo problemas. Vários documentários venceram o prêmio de júri popular;, argumenta Fernando Adolfo, coordenador geral do festival.

O formato documental é tratado de forma livre e até experimental nos títulos escolhidos: o baiano Filhos de João, admirável mundo novo baiano, de Henrique Dantas; o paulistano Quebradeiras, de Evaldo Mocarzel; o brasiliense Perdão, mister Fiel, de Jorge Oliveira; e o mineiro A falta que me faz, de Marília Rocha. ;Filhos de João e Perdão, mister Fiel não são tradicionais. Eles fogem dos padrões. É importante perceber que atualmente são produzidos muitos filmes em que não é muito clara a separação entre ficção e documentário;, observa Adolfo. Um exemplo dessa tendência é Filmefobia, de Kiko Goifman. Anárquico e bem-humorado, o grande vencedor de 2008 agradou aos jurados por colocar em xeque as regras do documentário.

[SAIBAMAIS]Experimentações de linguagem à parte, a comissão teve que lidar com uma dificuldade prática. Para definir a lista dos concorrentes, que disputam um total de R$ 470 mil, avaliou 29 longas. O ineditismo dos títulos inscritos novamente pesou como um critério essencial. ;Se mudarmos esse formato, será um erro grave. O Festival de Paulínia (SP), por exemplo, exige ineditismo. E Brasília tem tradição. Há cineastas que guardam filmes para exibi-los aqui;, conta. Realizada no fim do calendário de festivais, a mostra sofre com a concorrência. Boa parte dos filmes mais esperados de 2009 (como Viajo porque preciso, volto porque te amo e Insolação, que entraram no Festival de Veneza e participaram do FicBrasília) já foram exibidos durante o ano e, por isso, não poderiam disputar o Candango.

À margem da tevê
Se o voto de confiança no documentário será colocado em debate noite após noite, nas sessões do Cine Brasília (com reprises no Centro Cultural Banco do Brasil, no Embracine CasaPark e no Cinemark Pier 21), outras opções do festival marcam uma posição clara de resistência. A maior parte dos longas em competição foi produzida fora do eixo Rio-São Paulo (dois deles são produções do Distrito Federal) mostra imagens de um Brasil pouco conhecido, sem espaço no horário nobre da tevê.

Da contracultura musical dos anos 1960 e 1970 (Filhos de João) aos dramas da ditadura militar (Perdão, mister Fiel), o olhar dos cineastas capta o cotidiano das quebradeiras de coco de babaçu da região do Bico do Papagaio (Quebradeiras) e de meninas que vivem o fim da adolescência na Cordilheira do Espinhaço, em Minas Gerais (A falta que me faz). A ficção responde a esse painel social com histórias de encontros inesperados num prédio de São Paulo (É proibido fumar, com Glória Pires e Paulo Miklos) ou na beira de uma estrada (O homem mau dorme bem). ;A diversidade de temas foi uma decisão intencional da seleção;, afirma Adolfo. Ao público, resta a esperança de dias melhores ; e boas surpresas.

Colaboraram Ricardo Daehn e Lúcio Flávio.

NA DISPUTA

29
Longas-metragens

129
curtas de 35mm

208
curtas em FORMATO digital

MOSTRA COMPETITIVA DO FESTIVAL DE BRASÍLIA

De amanhã a 23 de novembro, no Cine Brasília. Sessões às 20h30, com reprise às 23h30. Ingressos a R$ 6 (inteira) e
R$ 3 (meia). Site oficial: www.festbrasilia.com.br


DISPUTA ACIRRADA

Filhos de João, admirável mundo novo baiano (BA), documentário amanhã

Destaque do teste de audiência em 2007, em que o filme, ainda na fase de finalização, passou pelo crivo do público e de especialistas, o documentário Filhos de João registra a importância da influência de João Gilberto na concepção artística de um dos mais inovadores grupos musicais brasileiros, os Novos Baianos. Paralelamente, traça, a partir de depoimentos irreverentes e preciosos, um vasto panorama da música popular brasileira nas décadas de 1960 e 1970. Realizado ao longo de 11 anos, o filme tem a responsabilidade de abrir, amanhã, a 42; edição da mostra competitiva do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. ;Prefiro não criar expectativas. Vou deixar ela bem quietinha. Para mim, já é um grande prêmio estar competindo em Brasília;, destaca o diretor Henrique Dantas. (LF)

Perdão, mister Fiel (DF), documentário quinta-feira

;Um jornalista que coloca imagens nos textos (filmes);, pela própria definição, o alagoano Jorge Oliveira acredita que o documentário deva ;ter uma carga didática, que pode ser encenada;. O princípio de uma dramatização, ;que componha com depoimentos;, foi a forma de desviar do uso abusivo de materiais de arquivo e da série de entrevistas, em Perdão, mister Fiel.
;O filme trata da morte do metalúrgico Manoel Fiel Filho. Como divisor de águas entre a ditadura e a democracia no Brasil, a lamentável morte resultou no processo de respiração de nova liberdade;, explica o diretor, há 20 anos radicado em Brasília. O processo de recuperação da história da morte do operário, em janeiro de 1976 ; que foi um tanto ofuscada pela repercussão da morte de Wladimir Herzog (outro torturado pela aparelhagem da ditadura) ;, consumiu três anos de trabalho e cerca de R$ 800 mil. Numa empreitada pessoal, Jorge Oliveira respondeu por 70% do orçamento, posteriormente complementado pelo interesse de empresas. (RD)

Quebradeiras (SP), documentário sexta-feira

Numa pesquisa etnográfica, que ressalta a lida de quebradeiras de coco de babaçu, no Norte e no Nordeste, Evaldo Mocarzel chega ao décimo longa-metragem, com Quebradeiras. Apesar do ;amor mantido com as palavras;, o fluminense rompe com a fita três dogmas da filmografia: abriu mão da palavra falada, aboliu a câmera na mão (em favor de ;uma suntuosa arquitetura de quadro;) e trabalhou com uma trilha musical desvinculada da narrativa.
Dramaturgo e jornalista, revela que o longa ;não conta com a palavra falada, mas traz a palavra cantada;, que dá corpo a manifestações culturais como o lindô, o reizado e a ladainha. Na ;ficção de representação do real; (como ele define o documentário), o diretor diz ter apostado num registro sensorial, que explora a relação maternal dada pela palmeira, vista pelas trabalhadoras como uma grande mãe. ;Trato da feminilidade, e respeitei um tempo circular, ligado à natureza e sem a urgência do que seja urbano;, conclui. (RD)


O homem mau dorme bem (DF), ficção Sábado

Gaúcho de Santa Maria radicado em Brasília desde 1967, Geraldo Moraes volta a filmar depois de 10 anos afastado das câmeras. O último projeto rodado foi No coração dos Deuses (1999). Com a maior parte das cenas ambientadas no Mato Grosso, O homem mau dorme bem tem trama focada em três personagens perdidos na desolada solidão de um posto de gasolina de beira de estrada. ;Um lugar onde o progresso passa de caminhão e a concentração de renda de carro;, como gosta de resumir o próprio diretor Geraldo Moraes. Metáfora contundente aos que vivem à margem da vida, o filme recorre ao mais cinematográficos do gêneros, o road movie, para lançar um olhar reflexivo sobre o mercado informal. Exibido no sábado, o filme também concorre ao troféu Câmara Legislativa do Distrito Federal. (LF)


É proibido fumar (SP), ficção Domingo

Com a confecção de caixinhas de fósforos e de cinzeiros como estratégia de marketing, a paulista Anna Muylaert trata o cigarro ;como personagem; em É proibido fumar. ;Proibições e limites estão demarcados dentro da relação dos protagonistas. O filme trata de independência química e da afetividade de Baby (Glória Pires) com Max (Paulo Miklos), um cara que chega com imposições;, explica a diretora.

Se só fez dois filmes, até hoje ; ;coitada; (como ela brinca) ;, Muylaert não pode realmente reclamar, pelo sucesso do título anterior, Durval discos, há cinco anos, vencedor de sete prêmios Kikito (no Festival de Cinema de Gramado). ;É proibido fumar é engraçado e também carrega uma história forte, bem parente do Durval discos. Para quem gostou do estilo do Durval, esse novo é uma espécie de continuação, mas com cores menos fortes;, adianta a cineasta. (RD)

A falta que me faz (MG), documentário segunda-feira

Cinco vidas ; as de quatro personagens da vida real e a da diretora Marília Rocha ; estão unidas, por afinidades, mesmo sob condições de vida tão divergentes, no longa-metragem A falta que me faz. ;São quatro parentes, entre irmãs e primas, que têm personalidades diferentes, cabendo até confronto entre elas. Vivendo numa região de garimpo, elas enfrentam dores e dificuldades, mas carregam uma alegria muito grande e inacreditável leveza. Em alguns momentos, até me reconheci nelas;, observa a realizadora, à frente do terceiro filme.

O ;frio na barriga; da diretora, diante da primeira exibição pública de A falta que me faz, logo é substituído pela previsão de ;uma grande oportunidade;. Instigada pelas moças, ;que marcam bem a oposição e têm intimidade grande entre elas;, Marília Rocha adianta que trará ao Cine Brasília, para além das dificuldades acompanhadas na região da Cordilheira do Espinhaço, um filme sobre a amizade, o amor e a separação. ;As questões humanas me atraíram muito mais no filme;, conclui. (RD)

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