Diversão e Arte

Fernanda Yong: Tudo ao mesmo tempo

Estrela da revista Playboy deste mês, Fernanda Young lança livro e desenha joias com temas eróticos

Nahima Maciel
postado em 29/11/2009 08:00

Fernanda diz que não se arrependeu de posar nua para a revista e aproveitou para produzir seu novo livroFernanda Young começou a arrendondar a idade aos 37 anos. Hoje, aos 39, já se sente com 40. E está ansiosa por isso. ;Quarenta é muito doloroso, você tem que tomar decisões concretas de quem você vai se tornar, é estranhíssimo. Este ano tive uma crise porque você sabe que daqui pra frente a única coisa que pode adquirir é o provérbio e utilização do provérbio ;fi-lo porque qui-lo;. É o momento que não tem mais que se justificar;, explica. Mesmo assim, a escritora e roteirista não cessa de justificar o ensaio fotográfico publicado na Playboy deste mês. ;Não me arrependi;, avisa. Também não era um sonho, embora a ideia tenha caído bem quando surgiu o convite, há três anos.

Caiu bem por muitos motivos, mas um em especial cutucou Fernanda. Ela acabava de escrever O pau, novela sobre uma designer de joias que decide se vingar do namorado traidor com pequenas torturas sexuais. A capa é um rosto masculino fotografado de baixo para cima. ;Fechei o contrato com a Playboy e vi que seria uma junção que comunicaria muito mais minhas intenções ideológicas se fizesse isso mais ou menos na mesma época.; Fernanda escreveu a novela em pouco mais de um mês, após abandonar o projeto de um livro desenvolvido nos últimos dois anos. Durante o processo, pegou gripe suína e precisou ficar isolada dos quatro filhos. Foi quando começou a desenhar joias com formatos eróticos em parceria com a amiga de infância Marcela Ayd. O pau, Playboy e as joias, que devem ser comercializadas em breve, viraram itens de um mesmo universo.

;Acho estranho que, mais uma vez, não consigo ter um hobby. Não tenho. Nasci dia 1; de maio. Não consigo parar no lazer. É sempre assim;, diz Fernanda, que transformou a criação das joias em mais um trabalho. ;Todas as peças estão relacionadas à questão da sexualidade da qual não dá para fugir sendo latino-americano.; Abaixo, a autora fala sobre seu momento.

Entrevista // Fernanda Young

O pau é uma ficção, mas se reconhece muito do seu discurso no livro. Qual a fronteira?

Esse livro é muito ficcional e tenho muito orgulho dele. Talvez seja o livro em que tenha construído mais o personagem, apesar de representar dúvidas e ódios parecidos com os meus. Afinal, é uma mulher que tem a mesma faixa etária que eu. Mas a criação dessa personagem é diferente dos outros no geral. É a primeira vez que consigo fazer algo que não se refere exatamente ao mundo da palavra. Compus a personagem baseado no drama feminino, nos temores da traição que o homem, culturalmente, está sempre libertando. O pau tem essas desculpas incríveis, essa coisa de que homem não tem culpa, sexo casual é possível e essas histórias que a gente vai escutando e tanto provocam dor e que, de certa forma, nós mulheres, no afã de igualdade, acabamos ficando igual. No final ela (a personagem) consegue vislumbrar isso. Ela foi tão vil e traidora quanto ele. A gente quer tanto ter os mesmos direitos que pegamos os hábitos

Você se arrependeu de posar para a Playboy?

Não me arrependi. Tenho falado muitas coisas. Sou cúmplice do erro porque tenho que aprender que a ironia é lugar dos deuses. No ato de fazer (o ensaio) já estava incluído o arrependimento. Só uma pessoa muito medicada não toma decisão na vida sem perceber que está excluindo outra hipótese e isso inclui o arrependimento. A exclusão da outra hipótese é dolorosa. Quando decidi fazer o ensaio pensei, claro, que nessa decisão está incluído o arrependimento de poder não ter feito, mas é muito melhor lidar com arrependimento concreto que o abstrato. A revista é linda, a equipe é muito elegante. As críticas quase sempre vêm de forma burra, virulenta e não fundamentada. Minha vida continua a mesma, não estou frequentando festas incríveis, não estou em casa noturna. É engraçado, olho a coelhinha do mês mas a realidade continua a mesma. Não posso crer que uma nudez na Playboy seja tão perturbadora num mundo em que o erotismo chega de forma tão perversa.

Você diz que aceitou fazer o ensaio para salvar o erotismo das mãos da breguice. Como? O pau tem parte nisso?

Acho estranho essa coisa hoje de que a pessoa, para ser sensual, precisa de valores estéticos específicos. Me desculpa mas não é assim. Acabamos cedendo a nos transformando em mulheres com padrões que não são os nossos para agradar a maioria, para atender ao que o homem gosta. A gente fica se excluindo. E quem disse que ele gosta? Quem disse que precisa ser vulgar e burro para ser erótica? O livro resvala muito limítrofe no erotismo de forma concreta, tensa. Não tenho constrangimento com meu verbo, não temo estar escrevendo algo vulgar ou impróprio. Meu humor na TV é mais ameno porque acho que na TV tem que ter muito cuidado. Literatura é a coisa mais democrática do mundo, um livro você abre se quiser. O erotismo, no meu livro, pode até estar presente. Mas não consigo ver nesse aspecto. Não acho o livro excitante, acho um livro humano e para narrar o humano nada melhor que relações sexuais entre pessoas. Refletir sobre sexo é característico do ser humano.

Que livros você acha excitante?

O amante de lady Chatterley, Jardim do éden, Madame Bovary. Já escutei dois homens que leram O pau dizerem ser excitante. Literatura é para o convidado para a ceia do senhor e todos somos convidados, mas nem todo mundo aceita esse convite. Ler é a coisa que mais sofistica o ser humano. Nada pode ser comparado, nenhuma experiência em outras artes pode ter o efeito de sofisticação da alma quanto o ato da leitura.

Posar para a Playboy era um sonho?

Nunca pensei "um dia vou posar nua". Mas acho que isso permeia o imaginário de toda mulher porque a Playboy é uma marca muito instigante, a criação da Playboy vem com um momento de liberdade sexual muito intrigante. Toda cultura que restringe a liberdade sexual da mulher é fascista. Daí vem a perversão. Eu quis a roupa de coelhinha para desconstruir e voltar à ideia de uma coelhinha de antigamente, a pin up da década de 1950. Tem humor, tem deboche e expressões muito concretas da libertação da mulher. A humanidade anda para trás, o que aconteceu com essa Geisa (expulsa da Uniban porusar minissaia) é um momento de colapso do que é a liberdade da mulher. As pessoas acham que isso é antigo. Não é antigo. A maioria das pessoas que admiro posaram nuas. Não vejo problema na nudez. É cirúgico fazer uma coisa que inclua o erótico sem se tornar vulgar. Talvez os basileiros mercessem ainda muito tempo de samambaia. Às vezes acho que tou entregando pérolas aos porcos.

Você disse que quer mudar a estética do Brasil, no caso da Playboy. E no caso da literatura. Também quer?

Sou distante de ser pioneira. Hilda Hilst me fez refletir sobre a questão da mulher ser uterina demais na literatura. Várias autoras alcançaram uma narrativa que expõe o ser humano em seu estado primitivo e brutal, mas a tendência da literatura feminina é amenizar um pouco as coisas. É difícil se expor. Márcia Denser me dizia que para as escritoras nacionais de coragem a opção era não ter família e filhos porque acabava tendo que lidar com uma censura de não expor sua condição de mãe e esposa, o que é muito difícil. Acho que consegui unir minha natureza feminina sem macular minhas intenções na literatura, que é o exercício máximo de liberdade. O que considero novo é que consegui expor minha liberdade sem expor minha vida pessoal, que é repleta de símbolos domésticos.

Trechos de O pau

"Você está dormindo. Achei que precisava dormir bastante, depois da noite de hoje, por isso te dei dois Dormonids extras. Meio preocupada se poderia causar uma overdose, mas acho que um rapaz grande e saudável como você, que já tomou tantas balas, bolas, drops, sei lá como vocês chamam essas porcarias sintéticas que tomam para se sentirem mais gostosos do que são, vai ter resistência para absorver e desopilar essa química excessiva. Tomando um banho, uma Coca Light e dando um arroto. De toda forma, você deve se sentir ressecado ao acordar, mas é o de menos. Depois do estrago que fiz em você, foi um ato de caridade tê-lo apagado. Você está mesmo um caco. Só dá para ver que continua vivo porque ronca feito um suíno da época as cavernas. Aliás, como sempre. Sabe por que você ronca? Vocês, homens, roncam? Porque vocês dormem. Nós, mulheres, apenas damos um tempo, uma espécie de cochilada esparsas. Pois quem elabora, aclança as sinapses, liga os vazios entre os pontos e forma um desenho, não consegue dormir assim, tão profundamente. Por isso, a insônia das mulheres e os roncos dos homens. Esse antagonismo natural já é suficiente para que a Faixa de Gaza entre nós seja um conflito eterno. O amor não se consolida, é absolutamente paradoxal que pensemos ser capazes de apaziguar ânimos tão contrários: um homem roncando e uma mulher pensando merda. Prefiro pensar merdas do que ceder ao kitsch supremo que é acreditar no amor, dessa forma que nos vendem. Você deve estar pensando que me ouviu dizer várias pérolas do cancioneiro amoroso. Ora bolas, claro! O kitsch é acreditar nelas, e eu nunca acreditei. Quer dizer: nunca acreditei enquanto as dizia para você. Não para alguém tão kitsch quanto você. E agora devo abrir um parêntese para fazê-lo entender que kitsch não é um sofá de pé palito, um pinguim em cima da geladeira, um Jesus Cristo com uma coroa de espinhos e lampadinhas de árvore de Natal. Kitsch não é o Natal, com o seu medonhento exército de personagens cafonas; não é o Papai Noel nem a Mamãe Noel, não são os veadinhos puxando sua charrete voadora, não é a neve falsa em spray melecando janelas tropicais. Kitsch é atuar no sentimento natalino de que tudo isso é legal, e acreditar nisso a ponto de se comover."

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