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Livro The Beatles - A história por trás de todas as canções conta como o quarteto de Liverpool criou alguns dos maiores clássicos pop do século 20

postado em 28/12/2009 07:00

Livro The Beatles - A história por trás de todas as canções conta como o quarteto de Liverpool criou alguns dos maiores clássicos pop do século 20No fim dos anos 1960, a serenidade de George Harrison estava por um fio. Sufocado por um impasse empresarial, o império dos Beatles estremecia. Nos bastidores da maior banda do mundo, as brigas eram frequentes ; e as finanças, caóticas. Ninguém se entendia, por exemplo, sobre quem representaria o grupo, ainda fragilizado pela morte do empresário Brian Epstein, em 1967. Em meio ao tumulto, Harrison resolveu tirar um dia de folga. No começo da primavera, foi ao campo visitar o amigo Eric Clapton. Longe do tumulto, pediu o violão de Clapton emprestado, caminhou pelo jardim e, inspirado por um dia caloroso e sem nuvens, criou os primeiros versos de um clássico: Here comes the sun.

O caso, narrado no livro The Beatles ; A história por trás de todas as canções, de Steve Turner, mostra o talento do quarteto de Liverpool para converter dramas pessoais e cenas do cotidiano em grande arte. Não é o único exemplo. Inconformado com a crise que assombrou a gravação do Álbum branco, Paul McCartney criou uma música que espelhava a sensação de que o sonho estava prestes a desabar. Em janeiro de 1969, nascia Let it be. "Eu a escrevi quando todos os problemas comerciais começaram a me cansar", disse Paul. "Eu estava passando por um momento-pesadelo e foi a minha maneira de exorcizar os fantasmas", comentou.

Histórias como essas compõem o livro-inventário de Turner, publicado no Brasil pela Cosac Naify. "Eu desejava surpreender os próprios Beatles remanescentes porque tinha certeza de que eles não sabiam quem de fato era o Mr. Kite (da canção Being for the benefit of Mr. Kite) ou que fim havia levado a garota que inspirou She;s leaving home", explica, no prefácio. Empenhado em investigar as origens de canções que inspiraram a maior parte da música pop criada a partir da segunda metade do século 20, o escritor analisa "onde, como e porquê" o repertório da banda foi escrito. A ele, interessa recriar a trajetória da inspiração, sem excesso de detalhes técnicos. "Esse livro pode ser o mais próximo que chegaremos de entender como os Beatles fizeram a mágica de suas composições", observa o autor.

De I saw her standing there (faixa de abertura do disco de estreia Please please me, de 1963, a Come and get it (incluída na compilação Anthology 3, de 1996), o conjunto de canções analisado no livro explica a acelerada evolução da banda. As primeira canções traziam novos ares musicais, ainda que sem ambições poéticas. "Eles trabalhavam conscientemente dentro das expectativas do mercado pop existente e seguiam as pegadas de canções já bem-sucedidas. Quando começaram, não pensavam em fazer algo confessional ou explorar o mundo das ideias", afirma Turner. Por volta de 1964, o contato com uma juventude afinada a movimentos artísticos permitiu que a banda alargasse horizontes. Enquanto Bob Dylan provocava influência sobre John Lennon, Paul era apresentado ao círculo de amigos londrinos da namorada Jane Asher, atriz: conheceu músicos clássicos, psicólogos, atores, diretores e poetas underground.

No período mais inventivo da carreira, de álbuns como Revolver e Sgt. Pepper;s Lonely Hearts Club Band, os Beatles experimentaram novos instrumentos, revolucionaram os métodos de gravação e trataram de assuntos pouco típicos no pop. "De 1966 em diante, não consideravam nenhum tema inadequado. Eles extraíam ideias para canções de conversas ouvidas por acaso, anedotas, manchetes de jornal, livros esotéricos, pôsteres, sonhos, comerciais de televisão, pinturas e eventos cotidianos", enumera o livro.

O tom confessional das canções de John Lennon, o queda de Paul McCartney por versos literários, a transcendência da guitarra de George Harrison e a despretensão de Ringo Starr formaram um repertório insuperável. "Descobrir de onde as canções vieram nos ajuda a descobrir de onde nós mesmos viemos", escreve Turner. Em tempo: Mr Kite era William Kite, filho de um dono de circo, e um artista de múltiplos talentos. Já a adolescente inglesa de 17 anos que fugiu de casa e inspirou She;s leaving home, Melanie Coe, casou-se aos 18 anos, mudou-se para os Estados Unidos e hoje vive na Espanha com dois filhos e o namorado. "Acho que é bom ser imortalizada em uma música, mas teria sido ainda melhor se tivesse sido por ter feito alguma coisa, em vez de por ter fugido de casa", contou a Turner.

THE BEATLES ; A HISTÓRIA POR TRÁS DE TODAS AS CANÇÕES
De Steve Turner. Tradução de Alyne Azuma. Lançamento Cosac Naify. Preço: R$ 49.





LEIA ESTA CANÇÃO

  • She loves you (1963)
    "Os Beatles não só transformaram a música popular, eles também se tornaram um fenômeno do pós-guerra na Inglaterra. De uma hora para a outra fotos da banda estampavam todos os jornais do país. O compacto que acabou levando-os ao olho do furacão por acaso era She loves you. Os primeiros compactos tinham sido declarações de amor com a palavra "me" no título (Please please me, Love me do e From me to you). Dessa vez, Paul sugeriu que mudassem o ponto de vista, transformando-os em observadores de outra relação e dirigindo-se ao homem. Paul se inspirou inicialmente no sucesso britânico da época Forget him, de Bobby Rydell, no qual o narrador diz a uma garota para esquecer o rapaz que não parece amá-la de verdade. À primeira vista, é uma música sobre reconciliação."

  • I want to hold your hand (1963)
    "De acordo com John Lennon, a canção veio à luz quando, depois de criar o verso de abertura, Paul tocou um acorde no piano. ;Eu virei para ele e disse ;é isso! Toque de novo!’. Naqueles dias, nós realmente escrevíamos dessa maneira ; um se metendo nas coisas do outro.; Robert Freeman, fotógrafo que fez a imagem da capa do disco With the Beatles, vivia em um apartamento abaixo de John, em Kesington, e tentou mostrar o jazz e a música experimental a ele, enquanto John o levava na direção do rock ;n; roll. ;Ele (John) estava intrigado com um álbum contemporâneo francês de música experimental;, Freeman recorda. ;Havia uma faixa em que uma frase musical se repetia, como se o disco estivesse riscado. O efeito foi usado em I want to hold your hand, por sugestão minha;.

  • Can;t buy me love (1964)
    "A letra parece ser uma resposta à canção Money, de Berry Gordy e Janie Bradford, que os Beatles começaram a tocar em 1960 e gravaram em With the Beatles. O tema sustentava que "o dinheiro compra tudo". A resposta de Lennon/McCartney era de que pode comprar tudo, "menos o amor". Paul citou Little Richards como uma influência musical, e Dominic Pedler (do livro The Beatles as musicians) afirma que Lucille serviu de modelo para os versos. Jornalistas americanos perguntaram a Paul em 1966 se Can;t buy me love era uma música sobre prostituição. Ele respondeu que todas as músicas estavam abertas a qualquer interpretação, mas que aquela em particular tinha ido longe demais."

  • Help! (1965)
    "Assim que seguiu carreira solo nos anos 1970, John muitas vezes se referiu a Help! como uma de suas canções prediletas dos Beatles. Ele dizia gostar dela por ser ;real;. Seu único arrependimento era que, por questões comerciais, eles a tivessem transformado de uma canção à moda Dylan para uma canção alegre dos Beatles. A letra da música, escrita com Paul, era uma reflexão franca sobre a insegurança de John. Ele estava comendo e bebendo muito, tinha engordado e sentia encurralado pela fama. Era, ele admitiu depois, realmente um pedido de ajuda, apesar de ter sido escrita sob encomenda para o filme homônimo. ;Eu precisava de ajuda. A música era sobre mim.;"


  • Yesterday (1965)
    "Paul acordou uma manhã com a música Yesterday na cabeça. Havia um piano perto da cama, ele foi direto para lá e começou a tocar. ;Estava tudo lá;, conta. ;Ela veio completa. Eu não conseguia acreditar.; Paul deve ter concebido a música no começo de 1965, mas foi só em junho, quando tirou férias curtas em Portugal, que completou a letra. Apesar de John afirmar que não gostaria de ter sido o autor dela, ele admitiu que era uma ;bela; música com uma ;boa; letra, mas achava que a letra não era bem resolvida. Outros acreditam que a força está nessa característica vaga. Tudo o que o ouvinte precisa saber é que alguém quer voltar no tempo, para uma época antes de um evento trágico. Especulou-se que no caso de Paul a tragédia tivesse sido a morte de sua mãe e o arrependimento da sua incapacidade de expressar sua dor na época."

  • Paperback writer (1966)
    "Primeiro compacto dos Beatles cuja temática não era o amor, Paperback writer contava a história de um romancista implorando a um editor que aceite seu livro de mil páginas. Escrita por Paul em forma de carta, foi surpreendente na época ouvir um compacto pop com um tema tão incomum. Paul disse que sempre gostou do som das palavras ;paperback writer; e decidiu criar sua história em torno da expressão. O estilo epistolar da canção surgiu durante uma viagem de carro. ;Assim que cheguei, disse ao Paul que queria que escrevêssemos uma música como se fosse uma carta;, ele conta. Mas a inspiração para boa parte da letra teria vindo de uma carta real mandada a Paul por um aspirante a escritor."

  • Eleanor Rigby (1966)
    "Assim como aconteceu com muitas canções de Paul, a melodia e as primeiras palavras de Eleanor Rigby surgiram enquanto ele tocava piano. Ao se perguntar que tipo de pessoa ficaria recolhendo arroz em uma igreja depois de uma casamento, ele acabou sendo levado à sua protagonista. Ela originalmente se chamaria Miss Daisy Hawkins, porque o nome se encaixava no ritmo da música. Mas o nome não parecia suficientemente ;real;. Paul começou imaginando a mulher como uma jovem, mas logo percebeu que qualquer uma que limpasse igrejas depois dos casamentos provavelmente seria mais velha. Se ela era mais velha, talvez fosse uma solteirona, e a limpeza da igreja se tornou metáfora para suas oportunidades de casamento perdidas. Então ele a baseou em suas lembranças das pessoas mais velhas que conheceu quando era escoteiro em Liverpool."

  • Yellow submarine (1966)
    "A ideia de escrever uma música de criança sobre um submarino de cor diferente surgiu quando Paul estava pegando no sono uma noite. Essa ideia se transformaria em Yellow submarine, o conto de um garoto que ouve histórias fantásticas de um velho marinheiro sobre suas explorações na ;terra dos submarinos; e decide ir navegar e ver por conta própria. Quando lançada, a música foi acompanhada de um rumor de que o submarino amarelo era uma referência velada a uma droga vendida em Nova York. Paul negou as alegações e disse que o único submarino comestível que ele conhecia era um doce que encontrara na Grécia durante as férias. ;Eu sabia que Yellow submarine teria implicações, mas realmente era uma música de criança;, disse Paul.

  • Strawberry fields forever (1967)
    "Strawberry Field (John acrescentou o ;s;) era um orfanato do Exército da Salvação na Beaconsfield Road, Woolton, a cinco minutos de caminhada de sua casa na Menlove Avenue. Era uma enorme construção vitoriana em um terreno arborizado aonde John ia com sua tia Mimi para os festivais de verão, mas também um lugar onde ele entrava sorrateiramente à noite e nos fins de semana com amigos. O lugar se tornou seu playground. Essas visitas ilícitas eram para John como as fugas de Alice pela toca do coelho e através do espelho. Na vida adulta ele associaria esses momentos de alegria com sua infância perdida e também com uma sensação de psicodelismo, nesse caso com drogas."

  • Lucy in the sky with diamonds (1967)
    "Uma tarde, no começo de 1967, Julian Lennon voltou do jardim de infância para casa trazendo nas mãos um desenho colorido da sua coleguinha, Lucy O; Donnell, de quatro anos. Ao explicar a obra de arte ao pai, Julian disse que era Lucy ;no céu com diamantes;. Essa frase impressionou John e deu início às associações que levaram à composição da onírica Lucy in the sky with diamonds, uma das faixas de Sgt. Pepper que supostamente ;falavam de drogas;. Apesar de ser improvável que John tivesse escrito essa fantasia sem nunca ter experimentado alucinógenos, a música foi igualmente afetada pelo seu amor pelo surrealismo, pelos jogos de palavras e pela obra de Lewis Carroll (de Alice no país das maravilhas). John negou veementemente que a música seria uma descrição de viagem de LSD."

  • I am the walrus (1967)
    "A natureza desajeitada, incoerente, de I am the walrus deve muito ao fato de a música ser um amálgama de pelo menos três ideias de John, nenhuma das quais parecia suficiente para resultar em uma música inteira. A primeira, que surgiu quando John ouviu uma distante sirene da polícia de sua casa em Weybridge, começou com as palavras ;Mis-ter c-ity police-man; e se encaixava no ritmo da sirene. A segunda era uma melodia pastoral sobre seu jardim em Weybridge. A terceira era uma canção nonsense sobre sentar em um cereal de milho. John disse a Hunter Davies, que ainda estava pesquisando para a biografia oficial dos Beatles na época: ;Não sei como tudo vai terminar. Talvez elas acabem sendo diferentes partes de uma mesma música.;"

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