Diversão e Arte

O ano em que perdemos o Rei do Pop

postado em 30/12/2009 08:00
"Estou vivo e ficarei aqui para sempre." A frase, que brilhou no telão do ginásio Staples Center no desfecho do funeral público de Michael Jackson, soava como uma profecia. Em 2009, o pop perdeu o passo. Mas a morte do rei - em circunstâncias cinematográficas - provocou uma consequência imediata: reavivou o mito. Em 25 de junho, os fãs demoraram a acreditar na notícia: aos 50 anos de idade, vencido por uma parada cardíaca depois de uma overdose de remédios, o astro saiu de cena antes de colocar em prática o ato mais espetacular da carreira. Nos dias que antecederam a tragédia, preparava a turnê This is it, uma série derradeira de shows em Londres. Imagens gravadas durante os ensaios foram incluídas num documentário que estreou nos cinemas em outubro. This is it, o filme dirigido por Kenny Ortega, arrecadou US$ 252 milhões no mundo todo. Aquém das expectativas dos executivos da AEG Live, que investiu no espetáculo, a bilheteria não chegou perto dos US$ 930 milhões embolsados pelos produtores de Harry Potter e o enigma do príncipe, o campeão de 2009. Há quem acredite que o longa-metragem pagou o preço pela excessiva exposição de Jackson na mídia. Desde o dia da morte, a indústria musical passaria a dedicar atenção irrestrita ao espólio artístico do cantor, que recuperou aceleradamente o status de campeão de vendas. A longa temporada de decadência do astro, que começou no início dos anos 1990, foi obscurecida pela revalorização de um passado brilhante. Álbuns como Thriller (1982), o maior fenômeno comercial de que se tem notícia (com mais de 100 milhões de unidades vendidas), e Off the wall (1979) acabaram redescobertos. Tratados pela crítica como obras-primas, soaram como saborosas novidades para o público infantil. Pequenos dançarinos logo aprenderam a cartilha do moonwalk, o %u201Cpasso mágico%u201D que encantou os anos 1980. Por algumas semanas, os escândalos que marcaram os últimos capítulos da trajetória do cantor (acusações de pedofilia, bizarras aparições públicas, dívidas milionárias) se transformaram em minúsculas notas de rodapé. Comovidos, os fãs guardaram a imagem do menino prodígio, de voz angelical, que conquistou multidões no início dos anos 1970. Canções do Jackson 5, grupo vocal que revelou Michael, voltaram às rádios. Essa lua de mel, no entanto, durou pouco tempo. Já em agosto, sites e jornais transferiram o noticiário sobre o músico para as páginas policiais. As circunstâncias que levaram à morte de Jackson intrigavam a polícia de Los Angeles, que qualificou o caso como homicídio e passou a cogitar a hipótese de abuso de medicamentos e a apontar para o médico particular Conrad Murray, suspeito de ter receitado uma bateria de anestésticos ilegais - alguns deles, de aplicação restrita a mesas de cirurgia. O baú de excentricidades do astro, a partir daí, foi escancarado. Uma novela transmitida em tempo real. O cotidiano de Michael, que sentia dores intensas na coluna, ganhou as cores de um drama melancólico, proibido para menores. Isolado do contato com outras pessoas, a celebridade usava remédios cada vez mais fortes para aliviar dores que não passavam. Na semana passada, em 23 de dezembro, o FBI divulgou arquivos que englobam 17 anos de investigação sobre o músico. O que matou o Rei do Pop? Ainda não se sabe. Enquanto a polícia revirava as mansões do cantor à procura de provas, a família Jackson protagonizava uma lamentável batalha pública pelo patrimônio do ídolo - estimado em US$ 1 bilhão (as dívidas, entretanto, chegavam a US$ 500 milhões). A paternidade das crianças Prince, 12 anos, Paris, 11, e Blanket, 7, foi colocada sob suspeita. A ex-mulher Debbie Rowe disputou a guarda dos filhos, mas, em respeito a um testamento do ídolo divulgado via internet, eles ficaram sob cuidados da mãe de Jackson, Katherine. Enquanto isso, o pai, Joe Jackson, provocou constrangimento ao usar uma coletiva de imprensa sobre a morte de Michael para anunciar a criação de um novo grupo musical. Despedida O clima circense encontraria um clímax na tarde de 7 de julho, quando o velório no Staples Center reuniu cerca de 20 mil fãs (sorteados pela internet) e um elenco estelar que incluiu Stevie Wonder, Lionel Richie, Mariah Carey, Jennifer Hudson e o irmão Jermaine Jackson. No mundo todo, o show mórbido foi visto por 1 bilhão de telespectadores. Nos Estados Unidos, por 31,1 milhões de pessoas (pouco menos do que os 33,1 milhões que assistiram ao funeral da princesa Diana, em 1997, pela TV). Para os fãs, o momento mais tocante da cerimônia não teve nada de espalhafatoso: o depoimento de Paris Katherine. "Desde que nasci, Michael foi o melhor pai imaginável. Quero dizer apenas que o amo muito", afirmou. O show, porém, não havia acabado. Depois do velório, o caixão dourado de Jackson desapareceu nas ruas de Los Angeles. Jornalistas especularam que o corpo ficaria no Rancho Neverland. Mas, já longe do furor da mídia, o ídolo foi enterrado discretamente no cemitério Forest Lawn Memorial Park, em Glendale (Califórnia), em 3 de setembro. Numa reviravolta intrigante, o filme This is it exibiu imagens de um cantor e dançarino em plena forma, pronto para derrubar as certezas de quem dava seu reinado de quatro décadas por encerrado. Apesar disso, grupos de fãs protestaram contra a suposta exclusão de cenas que mostrariam as fragilidades físicas do artista. Milagre do cinema? Truque de marketing? Tal como a arte de Michael, são mistérios que ainda resistem a tudo.

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