Diversão e Arte

O que eles pensam, com Dudu Nobre

postado em 28/02/2010 10:30 / atualizado em 22/09/2020 17:17

Sambista de primeira, bem-humorado e ácido nas críticas. É assim Dudu Nobre. Nesta entrevista por telefone ela reclama da falta de criatividade dos sambas-enredos de hoje em dia, elogia o carnaval de Recife e diz que sambista bom não precisa morar em favela para fazer sucesso. Gosta de falar da classe de Zeca Pagodinho diante de um copo de cerveja: "Ele bebe de golinho em golinho, só na manha". Sem preconceito musical, estava ouvido O Rappa enquanto conversava com o Correio. Também gostou do sucesso de Beth Carvalho e Martinho da Vila no carnaval 2010. Com vocês, a alegria de Dudu: Como Noel Rosa, você não veio do morro, não conviveu com as mazelas enfrentadas pelos jovens daquela região do Rio. Como você se adaptou? Na verdade, eu cresci dentro do samba. A minha mãe tinha casas de samba, e aí fui crescendo vendo o pessoal do Fundo de Quintal cantando nos sambas da minha mãe, Zeca, Almir Guineto, Beth Carvalho. E aí fui me envolvendo, com 4 pra 5 anos, comecei a tocar cavaquinho. Depois, com 10 anos, comecei a escrever sambas-enredos para as escolas mirins do Rio de Janeiro. E comecei a atuar como intérprete desses sambas. Sempre estive nesse meio e quando vi, meu envolvimento era total. Com 13 anos, viajei a primeira vez para a Europa pra fazer show, com 16, já entrei na banda do Almir Guineto, depois fui tocar com o Dicró. Aos 19 entrei na banda do Zeca Pagodinho, aos 20 comecei a ser gravado como compositor de samba. Depois com 26, eu lancei o primeiro CD e estamos aí nessa trajetória até hoje. O pessoal fala muito dessa coisa do samba e do morro. Mas eu não vejo muito dessa forma, não. Porque hoje você conta nos dedos quem veio eventualmente trajetória. Você acha que ainda existe entre os jovens aquele preconceito de que samba é música da velha guarda? Ou, muito pelo contrário, os jovens estão descobrindo o samba? Já há muito tempo isso acontece. Com aquele boom do pagode na década de 1990, o público de samba se renovou. A garotada começou a se interessar, a curtir o chamado "pagode romântico". Depois que a garotada começou a curtir isso, ficou aquela coisa da crítica de bater bastante, criticar o pagode romântico. Então, a garotada começou a se interessar pelo chamado "samba de qualidade". E na época, eu lembro que eu tocava com o Zeca Pagodinho, era impressionante. Tinha muita molecada nos shows. Aí foi renovando o público do Fundo de Quintal, da Beth Carvalho. O samba resiste ou ele já foi engolido pela indústria cultural e virou o samba-maurício? Não vejo dessa forma, não. Cada um vai expressando as suas referências por meio do samba. Tem um pessoal que é mais ligado ao pessoal da velha guarda, é o pessoal que está fechado mais ou menos ali na Lapa. É a mesma coisa do pessoal de São Mateus, em São Paulo. Tem uma galera mais ligada ao rock, MPB, mas também toca samba. Eu acho que tem espaço pra todo mundo e dentro do próprio samba. E que tipo de música você gosta de ouvir, além, obviamente, de samba? Olha, eu escuto de tudo. Agora mesmo estou no carro ouvindo O Rappa. Escuto de tudo. Tem que ser assim. O sambista tem o estereótipo de ser alienado das questões políticas do país. Você faz parte desse time? Eu procuro sempre me posicionar. A gente tem exemplos de grandes sambistas envolvidos com política. Você vê a Beth Carvalho e o Martinho da Vila, que têm uma participação. Eu também tenho o interesse, logicamente. Até vejo aí uma galera que quer se candidatar. Mas eu não tenho essa intenção Confira vídeo da música Que mundo é esse Os blocos vieram com tudo neste carnaval do Rio. É a festa indo para a rua. Os desfiles das escolas de samba vão ficar só para os turistas? Este ano, eu não participei muito do carnaval do Rio. Cada carnaval é um tipo. O da Bahia, por exemplo, é um carnaval que é uma coisa supostamente democrática. Ah, o pessoal fala: é carnaval de rua. Mas não é bem assim. É o seguinte: não dá pra você ir na pipoca. Você fica ali do lado de fora, ali no Campo Grande ou mesmo no Barra-Ondina, é porrada o tempo todo. Já o carnaval do Rio, fica centralizado na Marquês de Sapucaí, porém tem os bailes, os blocos, os negócios por fora. E, sinceramente, não tem a penetração que tem em Salvador, mas está crescendo muito. E este ano, eu fiquei impressionado com o carnaval de Recife. Foi a primeira vez que fui e realmente fiquei admirado. Recife, o carnaval é um absurdo. Porque eles dão espaço para a cultura de uma maneira geral. Seja você cantor de samba, forró, toca tudo. Tudo mesmo. Achei fantástico! Você que é muito ligado às escolas de samba, o que achou dos sambas-enredos deste ano? Alguns foram muito elogiados, como o da Vila Isabel, feito pelo Martinho da Vila, e o da Imperatriz também. Todo ano sempre tem algum samba que é um bom samba. Mas samba-enredo marcante não tem mais não. Acontece o seguinte. O enredo é uma parte importantíssima das escolas de samba. E os enredos ultimamente têm apresentado patrocínios. E essas coisas atrapalham muito. Você tem que fazer um samba que se encaixa com aquele enredo. Samba-enredo virou uma indústria, um negócio. Aí você tem que fazer um refrãozão, uma segundinha e uma primeira e acabou. Aí é muito complicado. Muitas vezes, o samba que ganha não é o melhor. Porque para você participar de uma disputa de samba-enredo em uma escola top, você gasta pelo menos entre R$ 90 mil a R$ 120 mil. Por isso, você vê cinco autores fazendo um mesmo samba-enredo. Um banca o ônibus, o outro banca a entrada, o outro banca a cerveja da bateria. Então, geralmente quando você vê um samba com cinco, dois fazem e o resto fica bancando o dinheiro. E o chamado samba de escritório? O escritório foi um grupo de autores em um ano que praticamente monopolizou o grupo especial. Eles ganharam em nove escolas. Aí botaram o nome do grupinho deles de escritório. Eles meio que venderam a participação deles. Pegaram a participação de 50% e os outros 50% foram rateados entre os que entraram no samba. Quer dizer: tem tudo isso no carnaval hoje em dia, e que não ajuda a fazer o samba-enredo como era antigamente. Eu sinceramente acho o seguinte: foi muito bacana ver o Martinho ter ganhado na Vila Isabel, o samba dele é fantástico. O samba da Imperatriz é fantástico também. Mas além desses dois, não tem mais nada que a gente possa falar que é bacana desses sambas-enredos de 2010. Se você perguntar pra alguém qual o refrão do samba-enredo do Salgueiro deste ano, ninguém se lembra. Eu mesmo fui ao desfile das campeãs, e não me lembro de nada. O que você achou da vitória da Unidos da Tijuca, que muita gente considera que estava merecendo um título há muito tempo? Realmente foi fantástico o desfile. Já há muito tempo estava merecendo mesmo. Achei muito bacana. É a mudança plástica do desfile. Bem interessante. Porque para quem não acompanha o carnaval, a pessoa não consegue ver as mudanças que acontecem. Cada carnavalesco tem um estilo. O lance é que o estilo do Paulo Barros é um estilo que você já olha, até quem não entende do assunto, e fala: olha, esse negócio é diferente. Ouça trecho da entrevista com Dudu NobreO Zeca Pagodinho disse certa vez que você é o Zeca que deu certo porque não bebe. O que você acha disso? (Risos) Eu não bebia na época em que ele declarou isso, mas agora já chapo um pouquinho. Olha, vou te contar uma coisa: isso do Zeca ser um bebedor não é bem assim não (risos). O Zeca é o tipo do cara que bebe bem. Mas ele tem uma maneira meio peculiar de beber cerveja, ele meio que engana os outros (risos) Ele vai, bebe um golinho e deixa o copo ali. O copo esquentou, ele joga a cerveja fora e bota mais um tanto. Agora, o cara que vai acompanhar ele sai carregado. O cara vai naquela de querer beber, bebe o copo inteiro. E o Zeca só ali, na manha. Na hora de ir embora, quem disse que o carinha consegue levantar? Eu presenciei isso diversas vezes. Quem bebia legal mesmo era o Almir Guineto. Todo o sambista tem que ser assim mesmo, boêmio? Ou isso é mais um estereótipo? Vou te falar uma coisa de coração. Os tempos mudam, sabe. As pessoas têm muito essa visão de que o sambista é boêmio, é da favela. E hoje em dia, essa coisa está meio que indo por água abaixo. Eu lembro bem, no começo da minha carreira, como fui criticado. Porque acaba que eu tenho uma formação diferente. Meu pai e minha mãe moraram na Europa. Foram morar lá não porque era bonito, mas porque perderam tudo no Brasil e foram morar em outro lugar. Tiveram essa necessidade. Eu acabei morando um tempo na Europa. E isso, querendo ou não, influencia no nosso comportamento. E então comecei a ganhar o meu dinheiro. E u sempre gostei de ter um bom carro. Vim morar na Barra (Barra da Tijuca, um dos bairros mais nobres do Rio de Janeiro), e todo mundo me criticou por isso. Uma vez ,um repórter me perguntou: 'Você acha que a favela fez falta pra você?' Eu respondi: 'Pra mim, sinceramente, não'. Tem um monte de sambistas por aí, como o Diogo Nogueira, que está despontando, e ele não veio da favela.

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