Diversão e Arte

Os anos 1980 em Brasília foram marcados por bares de onde surgiram grandes nomes da música

Irlam Rocha Lima
postado em 03/04/2010 10:52
Cássia Eller tinha vergonha de encarar o público, vestia-se como um garoto e relutou muito antes de aceitar o convite para cumprir longa temporada de dois anos no Bom Demais. Mas foi no bar existente na 706 Norte que, ao exibir um timbre incomum e impressionante performance cênica, a cantora seria descoberta pelo brasiliense e decolaria para a fama e o sucesso. A O Bom Demais, que funcionou entre 1984 e 1990, ao servir de plataforma de lançamento da futura estrela do pop rock nacional, entrou para a história como um mítico ponto de encontro de artistas, intelectuais e de apreciadores da boa música na cidade. "As pessoas iam ao Bom Demais para curtir, em silêncio, o show dos músicos, cantores e bandas que se apresentavam ali", lembra-se, nostálgica, Cristina Roberto, dona do espaço e hoje proprietária de requisitado bufê e de bistrô, com o mesmo nome, no Centro Cultural Banco do Brasil. Ex-produtora artística, Cristina fala com orgulho do palco pelo qual passaram os nomes mais importantes da música em Brasília, naquele período. "Posso passar por saudosista, mas nos anos 1980 vivíamos uma efervescência artístico-cultural impressionante em Brasília, e os bares tinham importância fundamental no processo, ao abrir espaço para músicos de diferentes estilos. De Renato Mattos ao grupo Instrumental e Tal, liderado por Toninho Horta; do forrozeiro Beirão aos roqueiros do Little Quail, muita gente tocou no Bom Demais. Mas foi Cássia quem fez o bar entrar para a história." Isso mesmo: bares como Bom Demais têm importante papel na construção da história da música na capital. Como esquecer o Só Kana, no Centro Comercial Gilberto Salomão, um dos lugares preferidos pelo pessoal do punk rock - entre eles o Aborto Elétrico - para plugar seus instrumentos e fazer toscas apresentações de no máximo 15 minutos, na primeira metade da década de 1980. Ou do Chorão (302 Norte), reduto da MPB, mais ou menos na mesma época, assim como o Cavaquinho (405 Sul) e o Camisa Listrada (Galeria Nova Ouvidor, no Setor Comercial Sul). Palquinho No Gilbertinho, como se tornou conhecido o conglomerado de bares da praça que havia na QI, destacava-se o Barzinho, por oferecer música ao vivo. Foi lá que surgiu uma certa Zélia Cristina, que hoje ocupa posição de destaque na moderna música popular brasileira como Zélia Duncan (o sobrenome artístico vem da família). "Quando eu cantava no Barzinho, acompanhada pelo grande Nelson Faria, via passar em frente ao palquinho da casa garotos com cabelo tipo moicano e headfones tapando os ouvidos. Ficava espantada com aquela atitude provocadora, agora facilmente compreensível, vinda de quem tinha o punk rock como religião e abominava a MPB", recorda-se. Rosa Passos não conviveu com situações como essa. Muito pelo contrário. As pessoas que iam ao Amigos (105 Norte, onde hoje funciona A Tribo, restaurante de comida natural) ouvi-la admiravam seu jeito bossanovista de ser, mesmo interpretando samba ou bolero. "Cantar no Amigos foi uma experiência muito boa para mim. Lá, num ambiente intimista, o contato direto com o público me deu cancha. Eu tinha liberdade para escolher o repertório e era acompanhado por músicos talentosos como Lula Galvão, Jorge Helder, Miranda e Gamela", conta Rosa, com vitoriosa carreira internacional, aplaudida como diva do jazz.

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