Diversão e Arte

Reportagem, ensaio, crônica, história e literatura se encontram em livro que reúne 14 olhares sobre a capital cinquentenária

Nahima Maciel
postado em 12/04/2010 08:46
As respostas objetivas não interessam aos autores de Brasília aos 50 anos - Que cidade é essa?. A coletânea de textos organizados pelas jornalistas Beth Cataldo e Graça Ramos propõe a pergunta a 14 autores, a maioria jornalistas, um economista, outro cientista político e ainda um antropólogo. A mistura foi mesmo para diversificar os olhares e tentar desconstruir com palavras uma cidade-enigma. As respostas apontam para outras perguntas e, sobretudo, para um futuro não muito distante que já bate à porta da capital. Literatura, análise e crônica pontuam os textos sobre a cidade, ilustrados por Ricardo LabastierOs ensaios partem nas mais variadas direções. Nascem de afetos despertos, memórias pueris, esperanças juvenis e indignações bastante atuais. Brasília aos 50 anos começou a tomar forma na cabeça de Beth Cataldo ainda nos anos 1990. Mineira, estranhou um bocado a cidade quando desembarcou no asfalto plano em 1977. As montanhas de Minas desenhavam outro tipo de paisagem na cabeça de Beth. Aqui, tudo era reto. E diferente. "Fiz a maior parte da minha carreira aqui. A cidade sempre me marcou muito, é uma cidade que impressiona, que tem uma dinâmica diferente." Beth passou 11 anos fora de Brasília antes de retornar e decidir tocar a ideia do livro. "Vim com uma ideia formada de não falar apenas da cidade enquanto sede de poder. Evidentemente que é o aspecto que mais ressalta a todos, mas minha intenção era abordar aspectos da vida da cidade, com várias facetas, a cultural, a econômica e a política. Procurei a Graça para discutir e ela tocou o projeto junto comigo desde o início. Tentamos um olhar diferente sobre a cidade." Para criar o projeto gráfico, Beth convidou o artista Chico Amaral. No livro, as imagens de Ricardo Labastier pontuam os ensaios. A orelha é assinada por Ligia Cademartori. Cada autor recebeu uma pauta, discutida e, algumas vezes, reformulada pelas organizadoras do livro. No entanto, todos tiveram total liberdade estilística. O resultado é um conjunto que não se prende a uma linguagem única. "É uma coletânea que não é acadêmica, eu particularmente gostei muito de participar dela por isso, porque você fica mais livre para colocar questões que muitas vezes não tem sentido em trabalhos acadêmicos. Meu texto é muito mais uma espécie de ensaio literário do que um texto acadêmico no sentido estrito", avisa o antropólogo Gustavo Lins Ribeiro. Há um pouco de jornalismo e reportagem, mas também uma boa quantidade de literatura, análise e crônica. Se o miolo margeado por uma simbólica faixa negra ficou reservado para os recentes escândalos políticos, as extremidades guardam narrativas delicadas e saborosas. José Rezende Jr. pinça personagens de uma Rodoviária cinquentona e oferece uma coleção de boas histórias, Conceição Freitas une fios distantes no espaço e coloca no mesmo plano figuras como Wim Wenders, Rui Faquini e Mercedes Urquiza, unidos por acreditar na utopia da cidade nova. No texto de Sérgio de Sá, a identidade brasiliense ganha 50 verbetes de lembranças, bons motivos para acreditar que a tal existe mesmo, e nas duas narrativa de Ruy Fabiano pode-se encontrar história e atualidade. Primeiro, o jornalista dedica-se a desfazer o mito de que a corrupção é típica de Brasília para depois, no texto seguinte, demonstrar como o descaso para com a política local gerou monstros que escondem dinheiro nas meias. "Vejo Brasília como uma cidade multifacetada e ainda um desafio para os que tentam decifrá-la", repara Fabiano. "Ainda é o enigma que desafia os brasileiros, que não se encaixa nessas expressões fáceis, tipo ilha da fantasia." Impressões urbanas ; "Uma cidade que ignora celebridades e que convive com o poder como se ele não existisse - eis aí Brasília. Ou pelo menos uma de suas facetas. O que a torna singular, diferente de outras capitais - contemporâneas e do passado - é o fato de, aqui, o Estado ter precedido a sociedade." Ruy Fabiano, i>Viver com o poder ; "Como incorporar a linguagem própria da cidade inventada? Carai, véi: quanto tempo nos sobra na rotina da cidade administrativa? Quando haverá independência que não seja a do besteirol? Até quando será necessário ir embora à procura de reconhecimento?" Sérgio de Sá, 50 modos de armar uma identidade ; "Dois adolescentes, um alemão e o outro goiano, experimentaram uma espécie de epifania provocada pelas imagens e notícias de que bem longe do primeiro e bem perto do segundo uma multidão de operários erguia uma cidade em dias sem noite, onde o tempo não se contava pelo relógio, mas pela sirene da obra e pelas placas que anunciavam a data em que ela deveria ser concluída." Conceição Freitas, A construção do sonhar ; "Trinta anos depois, Lucio Costa visitou a Rodoviária, nascida no cruzamento dos dois eixos que desenhara no vazio do papel em branco. Emocionou-se com tantas vidas em movimento, matéria-prima escassa em boa parte desta cidade inventada. Assim falou o inventor, urbanista com coração de poeta: `Eu sempre repeti que essa plataforma rodoviária era o traço de união da metrópole, da capital, com as cidades-satélites improvisadas da periferia. Então eu senti esse movimento, essa vida intensa dos verdadeiros brasilienses, essa massa que vive fora e converge para a Rodoviária." José Rezende Jr., Um lugar no mundo ; "Neste divórcio entre o ideal de uma postura digna e a realidade perversa da descompostura das atitudes, nos apegamos àquilo que tecnicamente se quantifica como elevado índice de qualidade de vida, com a cidade apresentando um dos mais altos do país. Crescer e morar no Plano Piloto ainda constitui experiência única se comparada com o caos urbano enfrentado por outras metrópoles brasileiras. A questão é que essa especificidade foi transtornada para o individual e o elitista, cristalizando barreiras sociais que enfraquecem redes de mobilização e esvaziam os espaços públicos de um uso mais afetivo e político." Graça Ramos, A poesia passou por aqui

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação