Diversão e Arte

Ideologia, eu quero uma pra viver

Fruto de uma geração que estampava ícones do rock e da contracultura, nova moda urbana exibe modelos repletos de referências culturais, do pop ao underground

postado em 16/05/2010 07:00
O baixista Wallyson Torrone, 22 anos, gosta de rock. A ponto de assumir como identidade o nome da banda rockabilly que começou com os amigos, a Los Torrones. No armário, as estampas passam por Elvis, Stray Cats e The Cramps. Um dia, a passeio, ele encontrou uma blusa do Che Guevara à venda e comprou, ;não por ideais políticos ou contestação, mas por gostar da história do cara;. Está certo que as camisetas do revolucionário argentino nunca saíram de moda, mas o modelo ; com um certo ar de desleixo afinado a ideologias ; voltou a dominar as ruas.

Fruto de uma geração que estampava ícones do rock e da contracultura, nova moda urbana exibe modelos repletos de referências culturais, do pop ao undergroundMais de 40 anos depois da morte de Che, as camisetas que levam seu rosto ainda imperam nas araras e nos armários de gente de todas as idades, mas divide espaço com Sex Pistols, Audrey Hepburn e Homer Simpson. A diversidade, que é para Wallyson uma forma de expressão, marca os filhos da geração 1980, que cresceram com o costume de exibir no peito os mais diversos gostos musicais, religiosos, políticos e até piadas. Quem nunca teve, por exemplo, uma camisa da Legião Urbana ou de outra banda, quando jovem?

O hábito, que em Brasília começou a aparecer com os roqueiros, remonta ao movimento de contracultura surgido em 1960, como uma forma de apropriação dos produtos da indústria cultural. Nos anos 1980, foi copiado pelos jammers, artistas que parodiavam peças publicitárias em intervenções de logomarcas, numa mistura de arte moderna e a filosofia punk do ;faça você mesmo;.

Em sintonia com a vertente urbana da moda, estampas e serigrafias se tornaram mais que um arsenal político. ;As camisetas de banda, por exemplo, têm um sentimento de amar algo que toca muito, uma identificação estética que pode até ter algo de inclusão num grupo. Costumo brincar que eu torço por bandas em vez de times. E ainda tem a vantagem que o estádio inteiro torce pelas mesmas pessoas;, define o autônomo André Gomes.

Além das bandas, o armário dele demonstra a paixão pelos mais diversos temas em cerca de 40 blusas estampadas. A mais antiga, uma imagem da personagem Morte, da HQ Sandman, de Neil Gaiman, tem oito anos de aquisição e divide espaço com paródias publicitárias, bandas e até uma imagem dele mesmo, presenteada por um amigo. ;Não imaginava que HQs poderiam ser mais que histórias de heróis para adolescentes, mas encontrei citações literárias, mitologia e coisas da cultura pop;, recorda.

Referência quando se fala em serigrafia, Natinho Cavalcante trabalha com o comércio especializado na área há 20 anos. Nesse tempo, viu as camisetas saírem do status ideológico e virarem moda. ;As pessoas participam de workshops de serigrafia e querem tomar posse do processo;, conta.

A estudante de design Palloma Rodrigues, 21, se aventurou pelo mundo das estampas e vendeu os modelos sob o nome Aocubo. Com a experiência, participou de um concurso de estampas e ganhou uma viagem a Buenos Aires, no ano passado. ;Trouxe uma camisa de lá como recordação;, conclui, como um ciclo.

Forma de expressão
Mais que passar mensagem, uma nova geração de artistas utiliza as roupas como plataforma para seus trabalhos. O coletivo Samba, criado em 2008 como projeto de HQs e ilustrações, encontrou na serigrafia uma forma de agradar ao público e divulgar o trabalho.

Nas camisetas, a única relação direta com o coletivo é a palavra ;samba;, mas a temática dos desenhos é livre. ;A revista em quadrinhos, que a pessoa lê e guarda, não está presente no dia a dia. A camiseta é diferente, o dono usa, alguém vê e comenta. A tiragem é pequena, então é quase exclusivo;, afirma o quadrinista Lucas Gehre.

Os artistas plásticos Pedro Ivo e Júlio Lapagesse apostaram na serigrafia como produto. O projeto recente, batizado de Nem Um Nem Outro, começou com a venda de camisetas e deve sair em quadrinhos em breve. ;A gente não leva as estampas tão a sério. A gente teve vontade de botar o desenho na camiseta e, para não fazer uma só, vende entre amigos. Fizemos 30 e acabou rápido;, explica Pedro Ivo, que já participou de um projeto anterior de camisetas, o Isquaronai. ;Éramos um grupo de amigos que tinha acabado de entrar na faculdade e gostava de desenhar. Fizemos 25 estampas, que ainda podem ser encontradas em lojas especializadas. Hoje, cada um seguiu um rumo;, detalha.

Viciado em cultura:

Kingdon Comics, no Conic
(61) 3225-0579


Negro Blue, no Conic
(61) 3226-9067


Tertúlia, na Torre de TV e 406 Norte
(61) 3039-7979


Bem-humorado

Brechot 84
(61) 3345-0366


K;traca, no Conic
(61) 3224-1095

Politizado

Verdurão, no Conic
(61) 3225-6662


Moderninhos

Samba


Nem um nem outro


Vintage



DEPOIMENTOS

  • Hayhra da Silva, estudante. "Essa blusa eu peguei de uma amiga porque gosto muito da ideia de contestação."

  • Palloma Rodrigues, designer. "Essa blusa tem uma história especial. Ganhei um concurso de design e fui para Buenos Aires. Trouxe de volta como lembrança e adoro usar."

  • Wallyson Torrone, estudante. "Tenho várias camisas, em geral de rock. É uma forma de mostrar a personalidade."

  • Paulo Antônio de Souza Jr, autônomo. "Para mim, usar estampa com algum significado pode ser para chocar, para mostrar um pouco do que sou e me posicionar socialmente."

  • Watson Soares, estudante. "Legião urbana pra mim é tudo, tenho 10 camisetas da banda."

  • Michelle Demétrio, autônoma. "Eu mesma fiz essa jaqueta, com tachas e uma imagem da banda."

  • Neno Sobrinho,designer. "Eu vou passar seis meses viajando e minha namorada me deu a camiseta. Pra mim, usá-la é como tornar um sentimento parte do meu corpo."

  • Rodrigo de Alcântara, cozinheiro. "Eu tenho todos os discos do Motorhead, umas 15 camisetas de banda, gosto muito."

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