Diversão e Arte

Ponto a ponto - Alex Atala

Convidado especial do 6º Festival Gastronômico de Pirenópolis, chef fala sobre sua paixão pelos ingredientes nacionais

postado em 26/06/2010 14:43
Ele diz que não quer ser revolucionário, mas sua forma de cozinhar mudou os rumos da gastronomia brasileira. Foi um dos primeiros chefs a usar ingredientes tipicamente brasileiros, como a mandioca, o tacacá, a priprioca, o cajá e o pequi, em pratos sofisticados. Alex Atala gosta de se definir como cozinheiro, simples assim. Muito além dos pratos que saem todos os dias dos dois restaurantes que mantém em São Paulo ; Dalva e Dito e D.O.M ;, das propagandas que faz para a tevê, dos livros publicados e do 18; lugar na lista dos melhores restaurantes do mundo, ele é um defensor do Brasil.

Atala aproveitou a participação na sexta edição do Festival Gastronômico de Pirenópolis para colocar mais um projeto em prática: investir nos frutos do cerrado, em especial na baunilha plantada na região. De chinelos, bermuda, camiseta, braços cheios de tatuagem e sorriso no rosto, ele recebeu o Correio na cidade do interior de Goiás ontem, depois da partida entre Brasil e Portugal. Atento ao filho tomás, que brincava com uma arara, ele contou sobre sua vida, planos para o futuro e desmentiu o boato de que pretende abrir em breve um restaurante em Brasília.

Defensor do Brasil

Convidado especial do 6º Festival Gastronômico de Pirenópolis, chef fala sobre sua paixão pelos ingredientes nacionaisO começo
;Eu fui DJ e punk, de verdade. Até que resolvi fazer uma viagem para a Europa. Queria continuar lá e precisava fazer dinheiro, por isso resolvi pintar parede. Para ficar em situação regular na Bélgica, precisava fazer um curso. Um dos meninos que trabalha comigo estudava culinária. Achava cozinhar uma coisa divertida, bacana, mas nunca pensei em viver disso. A visão do profissional naquela época, no Brasil, era de subemprego. O índice de desistência também era muito alto, afinal o ritmo é pesado. Durante anos eu me iludi de que não ia viver disso, mas, depois, já estava imerso nesse mundo e não tinha como voltar. Há 16 anos, voltei para o Brasil e a mãe do meu filho Pedro estava grávida. Eu tinha que trabalhar e decidi ser cozinheiro. A coisa tinha tomado conta de mim.;

Convidado especial do 6º Festival Gastronômico de Pirenópolis, chef fala sobre sua paixão pelos ingredientes nacionaisEm busca das raízes
;Quando voltei para cá, pensei: ;Não vou fazer comida italiana ou francesa;. Aquilo não estava em mim. Minha família sempre viajou, gostava de comida simples, aquela coisa de casa de caboclo. Na Europa, cozinhava trufas, caviar e salmão defumado, que na época estava na moda. E não achava tão bom. Aprendi a apreciar e entendi os sabores da minha infância, que eram mais palativos.;

Convidado especial do 6º Festival Gastronômico de Pirenópolis, chef fala sobre sua paixão pelos ingredientes nacionaisProfissão: cozinheiro
;Mais do que tudo, é essencial ser cozinheiro. Essa é a principal condição de um profissional de cozinha. Você sai da faculdade e vira um repórter, depois editor. Tem muita gente que sai da escola e já quer ser chef. É no exercício que se lapida a técnica. Cozinhar é uma coisa complicada, mas é a dificuldade da simplicidade, que exige perícia e precisão. Nós, como profissionais, devemos fazer críticas e dar apoio. A realidade de um garoto que se forma é diferente. Não posso torcer contra ele. O segmento melhorou muito.;

Convidado especial do 6º Festival Gastronômico de Pirenópolis, chef fala sobre sua paixão pelos ingredientes nacionaisIngredientes brasileiros
;A bandeira do ingrediente brasileiro está fincada. Acho um crime, no melhor sentido da palavra, os recursos da flora brasileira estarem mais nas mãos dos pesquisadores do que na nossa, dos cozinheiros. Acho que estamos superatrasados com isso. Temos que ter um papel de cidadão, buscar alternativas que favoreçam e conservem a região. Meu discurso não é revolucionário, e sim pacificador. As pessoas falam do trigo do gran duro com tanta pompa, mas e a farinha de mandioca? É tudo a mesma coisa. Por que a mandioca não tem pompa gourmet? Quem mais joga para baixo a cultura brasileira é o próprio brasileiro.;

Legado
;O trabalho que eu estou fazendo hoje, essa coisa de levar o ingrediente brasileiro, só vai ser visto depois. Tudo é uma escala evolutiva. Não existiria o Alex se não existisse o Claude (Troisgros) ou o Laurent (Suaudeau). É preciso dispersar a mensagem para o grande público. Neste momento, estou na fase da mutação, (e o processo vai continuar) na mão de outros chefs. Não é justo ninguém reivindicar o posto de precursor. Nem eu, nem quem me antecedeu, nem quem vier depois.;

Além da cozinha
;Na Itália, eles fazem projetos onde produzem vinho, carne, queijos e embutidos. Era isso que eu queria fazer aqui. Existe uma comunidade em São Paulo, no Vale do Paraíba, que faz um arroz diferenciado, negro e vermelho. Não é em larga escala, mas tem qualidade. É uma questão de benefício social. A gente apoia e depois eles conseguem caminhar com as próprias pernas. Eu faço um projeto desses com tucupi e pripioca no Pará. Está andando, mas ainda precisa de mais uns cinco ou 10 anos. Famílias que trabalhavam como extratores se converteram em conservadores. A cozinha pode abrir uma nova faceta. Você pode cozinhar, administrar, escrever livros, mas também pode melhorar nossa cultura, o nosso entorno.;

Brasília
;Tenho uma ligação muito forte com a cidade, fui casado com uma brasiliense. Surgiu um boato de que eu abriria um restaurante em Brasília, mas agora não posso. Eu só abriria se o pessoal do Piantella fosse meu parceiro. Neste momento, estou mais focado no Rio de Janeiro, vou abrir um restaurante lá. Brasília é um sonho distante. É o futuro do futuro.;

Trabalho
;Eu cozinho no D.O.M. e dou as direções do Dalva e Dito. Assim como no teatro, no restaurante existe uma movimentação antes de a peça acontecer. E faz parte o público ir ao D.O.M. porque o Alex está lá cozinhando. No Dalva e Dito, faço o cardápio e supervisiono. Tenho uma equipe muito madura que trabalha comigo há 14 anos, de muita confiança.;

Celebridade
;Incomoda um pouco, mas não me importo de conversar, tirar foto. Mas não precisa fermentar isso. Não tenho mais vontade de fazer televisão. Não gostei (de virar) personagem. As pessoas me perguntavam: ;Você tem mesmo um restaurante? Cozinha de verdade?; Na televisão, você vira ator. Tenho pouca paixão pela televisão e muita pelo restaurante.;

Futuro

;Quero parar daqui a uns 10 ou 15 anos e ter deixado alguma coisa. Ter feito vários projetos na área rural que conseguiram mobilizar comunidades. Não me vejo sem trabalhar e não posso perder meus objetivos, tenho planos de médio e longo prazos. Quero aproveitar mais e talvez ser um pai melhor, menos ausente.;

Em casa

;Seis dias por semana passo muito tempo dentro da cozinha. Na minha casa, não cozinho. Mas uma coisa é trabalhar, outra coisa é meus filhos pedirem para eu fazer um churrasquinho, uma pizza, um ovo mexido. Esse lado afetivo, familiar, é o que conta. É diferente daquela cozinha profissional, onde a margem de erro é nenhuma.;

A cara do Brasil
;A farinha de mandioca é o único produto que está de norte a sul e é consumido por todas as camadas sociais. Faz parte da mesa do brasileiro. Todo mundo gosta de arroz e feijão, mas na Amazônia não se come. Para mim, é uma comida afetiva, nada melhor do que arroz e feijão. Mas acho que só ele não dá, tem que ter alguma coisa a mais.;

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