Diversão e Arte

O universo dentro da caverna

Premiado documentário de Cao Guimarães "estreia" no Cine Brasília

postado em 15/07/2010 07:00
O diretor mineiro Cao Guimarães nunca pensou em ser artista plástico ou documentarista. Mas, como gostava de estabelecer investigações relacionadas com a imagem, acabou enveredando pelos dois campos. ;Eu queria ser cineasta e fazer um trabalho de cinema artístico, plástico;, relembra Guimarães. O realizador acabou ficando conhecido pelo belo trabalho estético estabelecido em documentários como Acidente e Andarilho.

A vida de Dominguinhos da Pedra é narrada num poético ensaioMas, seu longa-metragem de estreia A alma do osso foi pouco visto no país. ;É o tal negócio. Em qualquer outro país, um filme que tenha ganhado dois prêmios no É tudo verdade! (principal festival de documentários da América Latina) teria sido exibido nos cinemas. No Brasil, não entrou em cartaz. Ele é objeto de curiosidade acadêmica;, lamenta Guimarães. ;Esse é um filme barato. Nós não tínhamos verba. Não é um filme fácil. É radical, com investigações de linguagem;, admite o realizador.

Pela primeira vez o filme finalizado em 2004, alcança agora o circuito comercial de cinema em Brasília. A Secretaria de Cultura do Distrito Federal confirmou ontem que o filme começará a ser exibido a partir de hoje, no Cine Brasília, em sessões às 21h.

Registro das atividades diárias de Dominguinhos da Pedra, homem que abandonou a civilização e foi viver em uma caverna perdida no interior de Minas Gerais há 41 anos é um belo ensaio silencioso sobre a condição humana. Mas, que exige paciência para contemplação. A primeira fala do filme só acontece depois dos 40 minutos de duração. ;Não tenho paciência com essa coisa da entrevista. Não sou jornalista. Meus filmes se expressam mais pelo não dito do que pelo dito. Também não me interesso por essa diferenciação entre ficcional e documental. Meus filmes têm um tempo fílmico parecido com os do Tarkoviski e o Antonioni;, define o diretor.

Frequentemente associado ao trabalho dos cineastas mineiros do coletivo Teia, Guimarães faz questão de esclarecer as diferenças. ;Não tem movimento nenhum aqui em Minas. Existem grupos de pessoas que estão fazendo filmes diferentes. Quando falam do cinema do Rio de Janeiro e São Paulo chamam de cinema nacional. Quando é de Minas Gerais, Rio grande do Sul ou outro estado fora do eixo Rio-São Paulo, aí é um grupo de cineastas que fazem cinema igual;, defende-se.

A alma do osso
(Brasil, 2004, documentário, 74min, não recomendado para menores de 10 anos), de Cao Guimarães. Exibição diária, às 21h, no Cine Brasília (EQS 106/107 Sul; 3244 1660). Ingressos: R$ 6 e R$ 3 (meia).

Crítica - A alma do osso *****

O crítico de cinema Jean-Claude Bernardet alertava no artigo ;A entrevista;, em 2001, na segunda edição de seu Cineastas e imagens do povo, sobre uma certa verborragia nos documentários brasileiros. Uma resposta silenciosa começava a se desenhar em Minas Gerais. Experimental, poético, A alma do osso nos obriga a desacelerar a tensão de espectadores contemporâneos e redobrar a atenção a todo e qualquer detalhe do pouco que se desenrola na tela. A passagem do tempo é percebida sem a consciência fatal de que ele nos aniquila. A paralisia só termina quando sobem os créditos. É estupefação diante de uma narrativa silenciosa e vagarosa, onde os limites entre loucura e sanidade são questionadas com sutileza. Se é que eles existem. (YG)

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