Diversão e Arte

O infinito da Asa Norte

postado em 27/07/2010 07:00
Foi a descoberta da vida de bairro que fez a artista Fátima Bueno imaginar Brasília em livro. Em 2007, ela decidiu vender a casa na qual morava em uma quadra ímpar do Lago Norte para construir outra no lado par. Entre a venda e a construção, mudou-se para um apartamento na 407 Norte. Ali, descobriu um cotidiano de bairro que não imaginava existir. ;Nunca pensei que ia morar em um apartamento na Asa Norte. Sempre morei em casa. Se passei 15 anos da minha vida em apartamento foi muito. Morando na 407 comecei a olhar com mais carinho a redondeza. É tudo tão diferente;, conta a artista. Escrever sobre a mudança foi também uma maneira de prestar atenção nos pequenos detalhes da vida em uma superquadra. O livro estou na quadra, assim mesmo em minúscula, tomou corpo entre caminhadas em direção ao Parque Olhos d;Água, feiras de fim de semana nas entrequadras, passeios com o cachorro Toy entre os pilotis dos prédios da Asa Norte e o acompanhamento da casa que aos poucos saía do chão no Lago Norte.

O olhar afetuoso de Fátima faz da obra um relato delicado e particularmente brasiliense. Com lançamento marcado para hoje no Senhoritas Café, estou na quadra é uma sucessão de descobertas, uma espécie de compilação de pequeninas situações que o brasiliense experimenta diariamente e talvez nem note, mas que na escrita de Fátima ganha destaque e confere às superquadras o status de bairro com vida própria. ;Na 407 descobri uma vida de bairro normal, com suas feirinhas e sua rotina, coisa que quem é de fora nem acredita que tem.; A autora sempre preencheu diários e compilou suas impressões em cadernos. Eram escritos muito pessoais e não passava pela cabeça da artista publicá-los. No entanto, os diários tomaram rumo diferente quando se mudou para o apartamento.

Primeiro, Fátima descobriu que o prédio no qual morava fora projetado pelo arquiteto Milton Ramos, colaborador de Oscar Niemeyer durante a construção da cidade. Depois, passou a observar que cada conjunto habitacional possuía rotina tocada por rostos que aos poucos se tornaram familiares. A placa do eletricista que marca o ponto com o aviso estou na quadra virou título do livro e Fátima pôde comprovar a justificativa de Lucio Costa para prédios de poucos andares: as mães chamam os filhos pela janela. ;Aí os assuntos se diversificaram e veio a vontade de me aprofundar naquele pedaço da cidade. Fui descobrindo características específicas da Asa Norte, com seu comércio, suas plantas, seus bichos, as pessoas. E vi que aquilo podia ser compartilhado;, diz. À medida que Fátima se familiariza com o bairro, conta também a história da cidade.

A protagonista
Nascida em Minas Gerais e moradora de Brasília desde os 9 anos, a artista tem a capital como tema há muito tempo. Em 2007, ela fundou o grupo Brasília Faz Bem em parceria com as também artistas Carla de Assis e Fátima de Medeiros. O trio se apropriou da iconografia brasiliense para criar objetos de design. As formas arquitetônicas e a vegetação do cerrado serviram de molde para a criação de joias, painéis e estampas. ;Depois do grupo, olho com maior profundidade para as coisas da cidade;, revela. Em estou na quadra, a superquadra é protagonista, mas não é o único tema. Escrito em primeira pessoa e assumidamente particular, o livro é também uma história de como mudanças drásticas podem gerar novas perspectivas.

Fátima deixou uma casa projetada pelo arquiteto Zanine Caldas simplesmente porque queria caminhar por novas trilhas. ;Acho importante mudar. Passei a valorizar a mudança, me desacomodei. Eu recomendo;, brinca. Aposentada da Câmara dos Deputados e inteiramente dedicada à produção de objetos de design, a artista de 58 anos decidiu ampliar o ateliê e somente uma nova casa poderia abrigar o espaço imaginado. Na mudança temporária para a Asa Norte, precisou reestruturar a rotina.

O cão Toy não convivia com a gata Nuvem. A dupla só poderia entrar no mesmo apartamento se este contivesse espaços isolados para cada um. Toy e Nuvem são personagens que dão ritmo ao livro. A difícil adaptação da gata e os passeios obrigatórios com o cão representam o próprio processo de reconhecimento da nova vida experimentado por Fátima. Até se sentir totalmente à vontade no apartamento, Nuvem se recusou a comer enquanto Toy ajudava a artista a descobrir paisagens e gentes durante as caminhadas. ;Fico na dúvida se o livro é a história do cachorro, da casa, do design;, brinca Fátima, que também precisou de um tempo até conseguir conciliar ateliê e rotina doméstica no apartamento. (NM)

ESTOU NA QUADRA
De Fátima Bueno. Thesaurus, 206 páginas. R$ 30. Lançamento hoje, às 19h, no Senhoritas Café (SCLN 408).

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