Diversão e Arte

Paisagem construída

Nahima Maciel
postado em 17/08/2010 07:00 / atualizado em 19/10/2020 13:10

Poucas coisas estão mais disponíveis ao olhar do homem que a paisagem. Urbana ou não, nela o olho esbarra invariavelmente, milhares de vezes ao dia. Nem sempre, porém, a paisagem assume contornos contemplativos. É mais frequente passar despercebida. Nesse espaço entre ver e olhar, situa-se a pesquisa da artista plástica Karina Dias. Desde 1997, ela investiga como se dá a construção do olhar diante da paisagem e, especialmente, em que momento o homem enxerga o cenário pelo qual passa diariamente de maneira a encontrar ali alguma poesia. Em Entre visão e invisão: paisagem (Por uma experiência da paisagem no cotidiano), livro editado com apoio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) e da Universidade de Brasília (UnB), Karina propõe visitar os limites entre a poesia e o banal quando os olhares se dirigem para os cenários terrestres.

ENTRE VISÃO E INVISÃO De Karina Dias. FAC e UnB, 300 páginas. R$ 40. Lançamento hoje, às 18h30, no Museu Nacional Honestino GuimarãesO livro, cujo lançamento acontece hoje no Museu Nacional Honestino Guimarães, nasceu como tese de doutorado. Além do texto, vem acompanhado de extratos de videoinstalações e registros de intervenções urbanas realizadas em Paris e Brasília. ;Queria entender em que momento os caminhos de todos os dias, cujas finalidades são mais práticas que contemplativas, transformam-se em paisagens, como se o olho as estivesse vendo pela primeira vez;, explica a artista. Para se orientar e conduzir o leitor, ela formula três perguntas às quais se dispõe a responder.

Karina Dias entende que paisagem é a construção de um ponto de vistaPrimeiro, Karina lança a dúvida sobre o que é capaz de ver para em seguida destrinchar como o faz e o que vê quando não está olhando. ;Fui buscar respostas na história da arte, na geografia, na filosofia e na poesia. Na definição clássica, paisagem é aquela porção do que pode ser abarcado pelo olhar. É um recorte. No livro, desenvolvo uma noção minha de paisagem: ela é ponto de vista e contato, porque é uma relação com a intimidade. É o momento em que a gente consegue ver a poesia na forma da cidade.; Karina se interessa também pelas imagens armazenadas na memória após serem contempladas e aquelas que se encaixam fora do enquadramento delineado pelo olhar.

Essas paisagens são lembranças ou imagens veladas, não muito definidas, guardadas na categoria ;visto;. ;Ter visto é o armazenamento, é a memória, é a organização interna do que estamos vendo, é o que chamo de ;invisão;, um mosaico de imagens que formam paisagens íntimas de cada observador.;

As imagens que acompanham o texto foram extraídas dos 20 vídeos realizados pela artista em Paris como parte do processo de pesquisa. ;O livro é uma reflexão teórico-prática e parte dos meus trabalhos de videoinstalação;, avisa a artista. As obras foram apresentadas em galerias na França, Alemanha e China, mas não chegaram a ser mostradas no Brasil. A publicação traz ainda os registros de intervenções urbanas realizadas com espelhos na Esplanada do Ministérios, um truque para se multiplicar a paisagem e provocar novos pontos de vista.

Trechos de Entre visão e invisão: paisagem

"Proponho pensar o espaço da rotina, que acreditamos conhecer tão bem, a partir de um movimento do olhar que se configura como um atravessamento do mundo, nos revelando novas percepções espaciais. Nessas ocasiões, a paisagem se encontraria, a todo o momento, no limiar da visão, entre a possibilidade de ser ou não percebida, de passar do estado de não-visão para a visão. Ela estaria lá, sempre na iminência de aparecer, à espera de que o observador ultrapasse os limites que a camuflam.

Constataremos que a paisagem é mais do que um simples ponto de vista ótico. Ela é ponto de vista e ponto de contato, pois nos aproxima distintamente do espaço, porque cria um elo singular, nos entrelaçando aos lugares que nos interpelam. Certamente, a paisagem deriva de um enquadramento do olhar, alia o lado objetivo e concreto do mundo à subjetividade do observador que a contempla. A paisagem é uma experiência sensível do espaço.

Para compreender a experiência da paisagem no cotidiano, vale lembrar que estamos imersos em um espaço onde tudo ressoa e chama a ser visto, onde o excesso do que há para ser visto, ouvido e percebido entorpece os nossos sentidos. Somados a isso, estão a rapidez e a urgência de nossos deslocamentos, sempre tributários de inúmeras finalidades práticas. Diante disso, o olhar contemporâneo aponta para algumas questões: como manter, na adversidade, o olhar atento, desperto, para perceber a paisagem? O que ainda poderia nos interpelar para olharmos o que nos circunda como paisagem? Que detalhe(s) seria(m) capaz(es) de armazenar o horizonte, de condensar o mundo, de sustentar a sua arquitetura?"

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