Diversão e Arte

Transformar a casa em local de trabalho é uma estratégia adotada por chefs

postado em 09/09/2010 07:00
Para degustar um menu completo e exclusivo, toque a campainha. Nada de salão pomposo ou barulhento, mas uma sala aconchegante com vista para a cozinha. O cheiro dos ingredientes enquanto são preparados invadem o lugar e convidam para o jantar. A música leve sugere um bom vinho tinto para acompanhar. E em alguns minutos é hora de provar o banquete. A cena não é vista em qualquer restaurante, mas na casa do próprio chef. Além da boa comida, os cozinheiros apostam na experiência única de receber bem e transformar o cliente em um convidado ilustre.

Um charmoso apartamento na Rua Saint Charles, bem perto da Torre Eiffel, guarda um tesouro da alta gastronomia. É ali que o casal de chefs brasileiros Celia Miranda Mattos e Gustavo Mattos recebe grupos pequenos para um jantar gourmet exclusivo. ;Sempre gostamos de receber pessoas na nossa casa, então resolvemos trabalhar nela mesmo. E adoramos pensar que não recebemos clientes, e sim convidados;, conta Celia.

Em 2005, os dois largaram tudo no Brasil para se aventurar no maravilhoso mundo gastronômico. ;Eu era professora de inglês e ele, publicitário. De repente, deu vontade de mudar tudo. Como éramos apaixonados por cozinhar, resolvemos vir para a França e investir em uma graduação;, conta a chef. O casal se inscreveu (1) na famosa escola Le Cordon Bleu e fez curso de cozinha e pastisserie durante um ano e meio. Ela terminou o curso com um estágio de dois meses no restaurante Apicius (condecorado com duas estrelas Michelin) e ele passou um ano trabalhando no restaurante La Maison Blanche, dos renomados irmãos Pourcel.

Simon montou um restaurante na própria casa, em frente ao Lago Paranoá: Depois dos ensinamentos culinários, veio a cozinha. Eles compraram um apartamento grande, com 56m; de área social. Vendo que sobrava espaço, tiveram a ideia de transformá-lo em um pequeno restaurante. Surgiu então o Chez nous chez vous, que em bom português quer dizer nossa casa, sua casa. ;Queremos que a pessoa se sinta à vontade aqui. Ela pode fumar, colocar a música que quiser ouvir, conversar alto, temos um telefone para o convidado ligar para qualquer parte do mundo. E toda a comida é feita na frente deles. A gente cozinha, troca histórias, dá dicas de vinhos, ajuda a escolher lugares para visitar em Paris;, conta.

Quem resolve ter o papel de ;convidado; na casa da Celia e do Gustavo pode esperar por uma experiência única. O menu não é fixo, sendo modificado a partir dos gostos pessoais daqueles que são esperados para jantar. Depois de fazer uma reserva, é preciso responder a uma espécie de questionário gastronômico, para que o casal comece a montar o cardápio. ;Imagina se a pessoa não gosta de escargot e a gente serve no jantar, que saia justa! Se ela tem vontade de comer foie gras porque está na França, fazemos um prato com ele. É tudo estudado;, comenta Celia.

Salão do Chez nous chez vous, em Paris: menu ao gosto dos clientesO casal faz apenas dois jantares por semana. ;Precisamos de uns três dias para comprar os ingredientes e fazer o cardápio. É tudo muito artesanal e feito apenas a quatro mãos;, diz a cozinheira, que dá preferência aos produtos sazonais comprados na feira e no açougue perto de casa. Para a chef, a grande vantagem de ter um restaurante em casa, além de poder fazer os próprios horários de trabalho, é o contato com os clientes. ;É maravilhoso poder ter um contato direto; dividimos experiências, conhecemos gente nova. E nunca recebi uma pessoa chata, é sempre todo mundo muito educado. E com isso, fiz grandes amigos;, afirma Celia.

Personalizado
Em Brasília também é possível jantar na casa de um grande chef. No Setor de Mansões do Lago Norte, uma casa de arquitetura moderna, com vista privilegiada para o Lago Paranoá, é, na verdade, como avisa a placa pendurada no muro alto, o restaurante Aquavit. Basta tocar o interfone, informar a reserva, entrar e aproveitar o jantar.

O chef dinamarquês Simon Lau Cederholm recebe os clientes na porta e depois explica com todos os detalhes o menu elaborado para o mês. Normalmente, são servidos pratos cheios de ingredientes frescos, muitos deles brasileiros e exóticos, feitos com as melhores técnicas francesas. E, para acompanhar, um cardápio especial de vinhos.

As mesas são espalhadas na varanda e na espaçosa sala com pé direito alto. A cozinha é aberta e fica no centro da casa. Toda a decoração de flores é escolhida pelo anfitrião, todos os dias. ;Acho que, para o cliente, é muito bom ser acolhido de uma forma mais personalizada. As pessoas acabam se comportando de uma forma diferente, apesar de ser um restaurante de alta gastronomia. A formalidade fica de lado. Ter um restaurante em casa torna a relação com a pessoa que você vai servir uma experiência única;, comenta o chef.

Simon também é arquiteto e fez todo o desenho do imóvel. Quando veio para o Brasil, em 1996, e resolveu fincar raízes em Brasília, ele ainda não pensava na possibilidade de ter um restaurante, muito menos dentro de casa. ;Depois que a construção terminou é que comecei a amadurecer essa ideia. Ainda demorei um ano para colocá-la em prática. Fazia jantares particulares nas casas das pessoas, então pensei que seria possível fazer aqui também;, lembra.

Mesmo com a possibilidade de montar a própria agenda, quando se tem um restaurante em casa, o trabalho pode atrapalhar o momento de lazer. Mas segundo Simon, vale a pena. ;Cuido de todos os detalhes, da decoração às compras. É uma coisa que toma tempo, mas é muito bom. Em seis anos, eu nunca tive um problema com um cliente e é ótimo pooder receber bem as pessoas, ter um espaço bonito, uma cozinha aberta. É um privilégio;, conclui o cozinheiro.

1 - Mestres da França
Criada em 1895 na capital da França, a Le Cordon Bleu é uma das mais tradicionais escolas de gastronomia do mundo. A ideia é ensinar e preservar os quase 500 anos de história das técnicas de culinária francesa. Os professores são chefs premiados e ensinam disciplina, excelência e exatidão na cozinha. Os cursos mais procurados são os de cozinha básica e confeitaria. Hoje, existem filiais da escola em países como Austrália, Canadá, Estados Unidos, Japão e Peru.

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