Diversão e Arte

Pesquisadora baiana investiga a história as monjas beneditinas no Brasil

postado em 23/10/2010 08:00
Com sensibilidade para captar o universo feminino e experiência nos estudos de gênero, Vanilda Salignac Mazzoni aceitou um desafio: entrar no claustro das monjas beneditinas e investigar a vida dessas mulheres que optaram pela completa devoção religiosa. O resultado é o livro Arquivo 37: a história das monjas beneditinas no Brasil. ;A gente tem em mente que elas vivem em clausura, como na Idade Média. Mas cada mosteiro hoje tem sua autonomia;, conta a autora, que teve a ideia da pesquisa quando foi apresentada à Biblioteca Dourada do Convento de São Francisco da Bahia.

Nesse espaço, Vanilda teve contato com o curioso Livro das monjas, publicado pelo monge irlandês Gabriel Tallbot, em 1744. A obra é uma versão feminina da Regra dos mosteiros, de 1586, também chamada de Regra de São Bento. Em 2006, ela escreveu a pesquisa De vita mulierum: estudo das regras das monjas beneditinas (1744). Mas sentiu que faltava algo mais. ;Solicitei à Universidade Federal de Minas Gerais para fazer pós-doutorado na área de gênero com o estudo das monjas. Minha orientadora de lá pediu que eu ampliasse o tema. Pensei em estudar a vida das monjas, e me perguntei: o mosteiro masculino chegou ao Brasil em 1582, e o feminino, em 1911; por que demorou tanto tempo?;, explica.

Conversando com Madre Vera Lúcia, abadessa do Mosteiro do Salvador (Bahia), a pesquisadora descobriu um arquivo com documentos sobre a Ordem Feminina no Brasil, guardado no Mosteiro de Stanbrook, Inglaterra. O número da caixa: 37, inspiração para o título do livro. Constatou que, durante o século 20, as monjas participaram da vida social brasileira oferecendo solidariedade e ajuda nas áreas médica e pedagógica. No entanto, as entrevistas realizadas com irmãs e superiores revelaram a Vanilda um fato incomum: as conquistas das mulheres também tiveram repercussão nos mosteiros. ;Elas acompanham essa contemporaneidade. Diminuíram o tamanho do véu, com o direito de mudar o tecido. Algumas delas têm funcionários homens nos mosteiros. Antes, não tinham voz na congregação. Hoje elas participam, e podem escolher a abadessa;, comenta. Ela peregrinou pelos mosteiros do Salvador, de Nossa Senhora das Graças (Belo Horizonte) e Nossa Senhora do Monte (Olinda, Pernambuco).

Vanilda verificou que a vida no mosteiro está longe de ser um sacrifício, como podem pensar algumas pessoas. É um estilo de vida, impulsionado por vontade própria e vocação. ;Por incrível que pareça, praticamente 90% delas tinham vida no mundo laico, namorados, eram noivas. Elas sempre falam de um chamado. Na ordem interna, a abadessa diz como dirigir o mosteiro. E é uma norma da ordem beneditina ter uma parte social. Ela consome tempo das monjas, são muitos serviços sociais. É uma escolha. Como outras escolhem ser alpinistas, surfistas. É uma vida em que tem que se pensar sempre no outro;, observa.

Violeta grapiúna
Quando a pesquisadora baiana Vanilda Salignac Mazzoni dava aulas no ensino médio, função que exerceu por uma década, era frequentemente interpelada com a seguinte questão: ;professora, cadê as mulheres na literatura brasileira?; A própria educadora só conseguia responder citando os nomes de Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles e algumas outras criadoras. Ela levou a pergunta dos alunos para o mestrado, cursado na Universidade Federal da Bahia, onde dedicou-se a um programa de pesquisa especializado no resgate de vida e obra de escritoras baianas das décadas de 1930 a 1960.

O que começou como um incômodo científico resultou na biografia A violeta grapiúna: vida e obra de Elvira Foeppel, dissertação de mestrado vertida em livro, e depois na coletânea de textos Da sombra à luz: seleção de contos de Elvira Foeppel (com Alícia Duhá Lose). O interesse sobre a obscura autora, nascida em Ilhéus, que fez carreira literária no Rio de Janeiro e morreu no anonimato, em 1998, surgiu em 1999, apenas um ano após a morte de Foeppel.

ESTANTE
Livros femininos de Vanilda Mazzoni

Arquivo 37 A história das monjas beneditinas no Brasil
Editora da Uesc (Universidade Estadual de Santa Cruz, Bahia), 114 páginas. Preço médio: R$ 30.

A violeta grapiúna
Vida e obra de Elvira Foeppel
Editora da Uesc, 160 páginas. Preço médio: R$ 20.

Da sombra à luz
Seleção de contos de Elvira Foeppel Editora da
Uesc, 110 páginas. Preço médio: R$ 20.

Pedidos pelo e-mail memoriaearte@ig.com.br.

Trecho// Arquivo 37, a história das monjas beneditinas

"A vida religiosa feminina tem uma importância ímpar na história do Brasil, pois as Irmandades e Ordens estiveram presentes prestando auxílio na área médica, social e pedagógica. Ainda que sua presença fosse tardia em relação aos religiosos masculinos (justificada pelos interesses da Colônia), houve uma contribuição efetiva na construção do pensamento feminino no país. Pronto. Estava definido o tema de estuda. Necessitava, então decidir o viés da pesquisa sobre a mulher, e o escolhido era a Ordem Beneditina feminina.

Após as primeiras leituras do Livro das monjas, algumas inquietações sobre a compreensão da vida das mulheres neste ambiente religioso foram surgindo: A regra dos mosteiros é conhecida por seu rigor na dedicação das orações e do claustro para o conhecimento interior, tal rigor seria o mesmo quando se trata das monjas? Qual a diferença da vida entre o mosteiro masculino e feminino? Sabe-se que os mosteiros foram centros difusores de cultura e monopólio de ensino pedagógico, haja vista seus acervos bibliográficos, mobiliário; por que os mosteiros femininos se dedicaram à função feminina de assistência social? Seria verdade que, ao contrário de outras congregações religiosas, os mosteiros beneditinos só aceitavam mulheres em sua congregação que apresentassem vocação religiosa? O que as levou a entrar na Ordem? E hoje, como elas vivem? O que pensam das conquistas femininas na contemporaneidade? Como o mundo laico é visto por ela? Tais dúvidas deram origem a uma nova pesquisa, que resultou neste trabalho, onde procuro responder aos questionamentos suscitados anteriormente"

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