Diversão e Arte

Diretores dos longas concorrentes no FBCB apontam caminhos para o cinema

postado em 29/11/2010 10:08

Ricardo Daehn
Tiago Faria
Yale Gontijo

O Festival de Brasília de Cinema Brasileiro fez uma aposta na ousadia: no elenco da 43; edição, que termina amanhã, todos os longas-metragens que disputam troféus Candango são assinados por cineastas que nunca competiram na seleção principal da mostra. A atmosfera de renovação diz menos respeito à faixa etária dos realizadores ; o mais velho, João Jardim, tem 46 anos ; e mais ao espírito arriscado dos filmes em exibição, que rejeitam as fórmulas cinematográficas à procura de estilos híbridos, ;impuros;, sem a necessidade de firmar posição a respeito de temas sociais ou definir limites entre documentário e ficção. No hotel Kubitschek Plaza, o Correio reuniu os sete diretores para um debate sobre temas e polêmicas que marcaram a passagem dos ;estreantes; no festival mais longevo do país.

Como vocês veem o fato de a competição de longas ter um predomínio de cineastas estreantes na competição?


Felipe Bragança (de A alegria): O Festival de Brasília resolveu marcar posição em função de sua relevância histórica e estética dentro do panorama do cinema brasileiro. Encontrou nos filmes dos realizadores mais novos, ou menos destacados, os longas que interessavam. Naturalmente, os filmes dos jovens são os que trazem novidade de investigação e de pesquisa. O Fernando Adolfo (curador) deve ter pensado que Brasília deveria voltar a marcar o seu lugar. Já tem um tempo que os festivais menos tradicionais têm dado destaque para primeiros longas e faltava um festival do porte de Brasília fazer esse tipo de recorte.

Tiago Mata Machado
(de Os residentes): Se for uma coisa de ocasião, não vai valer de nada. Mas essa cena ainda é muito frágil: fazia muito tempo que Brasília não tinha tanta coisa nova. Não vai adiantar de nada se não for abraçada uma linha como aposta para que o festival recupere essa relevância que sempre teve. De certa forma, este festival tá testando a cultura em torno do cinema brasileiro. Veremos até que ponto estão preparados para a diferença. Ou se vão continuar querendo mais do mesmo e nessa mentalidade de indústria cultural com filmes de atores globais .

Marina Meliande
(codiretora de A alegria): A gente escolheu o Festival de Brasília porque era onde queríamos estrear.

Mata Machado: Houve um movimento da geração em direção à Brasília, e foi algo de mão dupla.

João Jardim (de Amor?): É meio surpreendente ver meu filme no meio de vocês. Nunca imaginei fazer alguma coisa alternativa, mas fiz algo que a história do filme ia me levando. Ele começou como um documentário e virou uma ficção. Tem atores globais, mas não é filme mainstream. Tem depoimentos: as pessoas falam, falam, falam. Então não dá para dizer que seja um filme comercial. Mirei Brasília como data, sem jamais imaginar que ia encontrar um terreno tão interessante.

Eryk Rocha (de Transeunte): Nessa sincronia histórica, talvez, o que me interessou foi a pequena quantidade de filmes (em competição). Intensifica o debate e o conjunto de autores. Abre uma reflexão para os caminhos possíveis do cinema. Os que assisti até agora têm uma marca pessoal. Apostam num caminho de linguagem e de relação com o mundo. Interessante, porque no Festival do Rio, na Mostra de São Paulo tudo fica diluído. Você não tem espaço para focar aspectos da discussão, num ambiente que seja mais deflacionado. A gente vive no mundo da inflação da quantidade, do bombardeio de muita coisa, da correria e no final não tem espaço de encontro e de celebração. Festivais viraram um fórum de competição, de excessivas premieres e de espetáculo midiático.

Mata Machado: Há uma preguiça também da cobertura da mídia.

Sérgio Borges (de O céu sobre os ombros): Alguma coisa tem no ar, mesmo que os filmes não sejam tão parecidos, mesmo que todos não estejam dentro daquele modelo preestabelecido. Talvez isso no cinema mundial aconteça com maior maturidade ou consistência. A gente, de certa maneira, vê que existem coisas acontecendo nas Filipinas, em Portugal, na Romênia, na Coreia, na Tailândia.

Mata Machado: Aqui, a gente está no começo de uma cena muito frágil, que deve ser devidamente reconhecida: tem que haver uma crítica à altura. Todo mundo aqui é cinéfilo, tem aporte na crítica. Todo mundo é antenado no cinema internacional contemporâneo que produz coisas muito mais interessantes do que no Brasil. Queremos produzir filmes minimamente mais relevantes e estamos neste caminho.

Bragança: É função da crítica se esforçar, não fazendo apenas aquela cobertura de premiere.
Jardim: Existem nesses filmes provocações. Meu filme, por exemplo, introduz no título uma pergunta. Na unidade, acho que são filmes que provocam.

Rocha: Há novos ventos e o que tem em comum na curadoria, para além do elemento geracional, que não acho tão relevante, a questão da produção independente, de baixo orçamento, feita em cooperativas, grupos. É um cinema que não está interessado em ser catalogado, rotulado ou definido como ficção ou documentário. São poéticas que estão em movimento, ainda sem pureza. Somos cineastas em formação e que estamos descobrindo o cinema. Digital ou película são questões que não cabem mais na pauta.

E a questão do ineditismo como critério de seleção para a mostra competitiva?

Rocha: Não defendo o ineditismo como um dogma.

Bragança: Para A alegria o ineditismo foi um valor, sim. A gente passou o filme em Cannes, vai passar pela primeira vez no Brasil, então vamos escolher um festival que valorize o ineditismo. Mas brechas nisso podem ser consideradas.

Jardim: Acho importante o ineditismo, porque se Brasília abrir mão dele, ele perderá a amplitude nacional. Não vai ter sentido a mídia vir para cá para acompanhar filmes que já foram vistos. Estrategicamente, o festival precisa manter o ineditismo.

Rocha: A competição só com longas exibidos em 35mm deveria ser uma questão revista. Não tá muito sintonizada com o movimento do cinema e do que está acontecendo. Isso está ultrapassado.

Marcelo Lordello (de Vigias): A finalização de Vigias é mais cara do que o próprio filme, e isso pelo processo mais barato possível. Apartheid digital-35mm é retrógrado, atrasado, impede outras experiências muito mais arriscadas.

Borges: Tem filmes que poderiam ser considerados tão ousados quanto os que entraram na seleção, mas que foram feitos em digital. Eles não terem entrado fica uma história que resvala numa hierarquia industrial que é totalmente ilusória. O cinema contemporâneo aponta para um outro caminho.

Mata Machado:
Uma solução é ter cada vez mais editais para finalização dos filmes. Aí você pode fazer um filme superbarato e conseguir finalizar com ele já pronto, passando por um crivo de qualidade mínimo.

Depois do festival, como fica a exibição dos filmes?


Rocha: Talvez o mais grave problema do cinema mundial hoje seja o problema de distribuição e exibição dos filmes. E a gente tem que encarar como cineasta e repensar esse espaço social do cinema. Não me interessa lançar um filme e estar só em duas salas num shopping center. É bonito, tem um ritual de estar lá, mas tem que repensar a questão de um circuito de exibição popular digital. Levar o cinema para o interior do Brasil. O modelo de exibição que existe hoje está contaminado. Não adianta querer brigar dentro desse modelo.

Mata Machado: Essa é sua veia glauberiana. Isso é totalmente utópico. De todos os filmes que são lançados no mundo, menos de 5% chegam aos cinemas hoje. Esse mercado já não é viável. Isso não vai resolver.

Rocha: Eu não acho utópico, não.

Meliande: Essa rede ainda pode ser criada.

Rocha: Há 10 anos se fala num modelo de exibição digital no Brasil, mas não andou. O que se viu foi muito pouco. O que temos é que desenhar um novo paradigma. É plausível. Falta imaginação para fazer um filme escoar. Os meus documentários fazem 5, 10 mil espectadores no cinema, e o triplo no circuito paralelo: cineclubes, comunidades, centros culturais.

Borges: A base da cultura audiovisual brasileira é a tevê. Quando esses filmes vão para a tevê, existe um certo confronto com as pessoas que estão acostumadas ao veículo. Os filmes da Marília Rocha, Acácio e A falta que me faz, entraram no circuito, estão sendo lançados em DVD e entraram em circuito de cineclubes no interior do Brasil. A distribuição apostou uma grana para a distribuição assim. Mas a Ancine não olha para esse público (do circuito alternativo). Eles são ignorados. A política pública tem que entender que um filme que dá 5 mil na sala comercial pode ter um circuito de 50, 100 mil pessoas que não é reconhecido. Por que só é reconhecido quando está numa sala de cinema?

Mata Machado: Eu acho que não dá para trabalhar o público dessa forma antiga. Mas sou um cineasta que não acredita em público. Para mim é um mais um mais um. Não é uma massa. Você tem que assumir que é minoritário, que não vai ser majoritário.

É saudável ter um fenômeno como Tropa de Elite 2, que concentra tantos espectadores?


Mata Machado: É saudável sim, mas eu entrei numa linha de discussão estética desse filme. Quando o Padilha fala que faz cinema político, lembro de cineastas como Costa-Gavras, que eram pretensamente políticos nos temas, mas reacionários na forma. E é o que acontece no Brasil hoje. Parece que a maior ambição do cara, hoje, é ser contratado por uma produtora estrangeira.

Rocha: Mas Tiago, acho que tem alguns filmes hoje que estão apontando;

Mata Machado: Estou falando de um modelo hegemônico.

Rocha: O modelo hegemônico vai existir sempre. Quanto mais ele existir, mais me deixará livre para fazer outra coisa.

Mata Machado: Não te deixa tão livre assim, não. Você vai ser cobrado em todo festival. Existe uma patrulha.

Bragança:
Só que isso não acontece só no Brasil. No mundo inteiro está rolando uma concentração de muito dinheiro em menos filmes. Qualquer cineasta mais autoral, mais arriscado, de outros países, conta a mesma coisa. É uma crise no mundo. Eles querem fazer menos filmes, todos blockbusters. Sala de cinema, hoje em dia, é um espaço de glamour e mídia para você ganhar dinheiro depois. A gente viveu uma possibilidade de abertura no fim dos anos 1990, investimos em filmes menores. Agora esse mercadinho de cinema de arte, autoral, está muito fragilizado.

Mata Machado: É um mercado do capitalismo industrial tardio, caduco.

Rocha: Está saturado. Mas a hegemonia do mercado vai existir sempre. O problema não é o cinema comercial saturado, pobre. O problema é a ausência de outros espaços.

Mata Machado:
Da minoria, claro. O problema é que, quando surge uma diferença, ela é totalmente anulada. A crítica oficial nem quer saber. Ela vai escrever no blog, mas vai escrever no jornal outra. É uma indiferença em relação a isso.

Rocha: Sou um pouco mais otimista. Existem sinais no cinema hoje do Brasil bem interessantes. A Mostra de Tiradentes, que está indo em outra direção, com outro espaço para pensar o cinema. A Semana de Realizadores, no Rio, está esvaziando o Festival do Rio.

Bragança: Este ano, por mais que tentem disfarçar, o Festival do Rio foi um fracasso absoluto. Perguntaram se eu gostaria de exibir A alegria no festival e eu disse um feliz "não".

Rocha: Convidaram Transeunte também. Eu disse não.

Mata Machado: Exibi o meu primeiro filme em Tiradentes. É o começo de uma cena, nisso concordamos.

Bragança: Mas ainda não tem uma consistência de pensamento e processo histórico. Se isso agora começa a ser deixado de lado, atrapalha que aconteça (a cena). Está acontecendo, mas é só o comecinho.

Mata Machado: Está faltando pensamento.

Borges: Mas isso acontece porque estamos forçando para que aconteça. Nós que forçamos para que Tiradentes aconteça e para que o Festival de Brasília seja assim este ano.

Rocha: E a gente é que tem que fazer. Não é quem está no bem-bom.

Meliande: Mas temos que ter interlocutores à altura.

Rocha: A (revista on-line) Cinética, por exemplo, é um dos espaços mais interessantes de crítica hoje.

Mata Machado: Pois é, a jovem crítica(risos). Quando a (revista on-line) Contracampo se insurgiu contra a curadoria de Tiradentes, ficou uma coisa autofágica. Não existe uma polêmica interessante ali. Não existe pensamento onde deveria existir.

Bragança: Mas é uma polêmica só deles, que nem interessa muito. Cinética e Contracampo estão anos atrás do que estamos fazendo. Já escrevi para as duas revistas. A Cinética participou de um processo histórico e agora ela já foi jogada para trás. Acho que a gente está 10 anos à frente deles. A jovem crítica apareceu num momento em que essa nova realidade ainda não estava acontecendo. Eu acho que eles precisam começar a entender que, além daquela crise inicial do começo dos anos 2000, em que o cinema brasileiro não se articulava com o cinema contemporâneo, estamos em outro momento. Esses caras têm que acordar. Se eles continuarem com a ideia de que, no cinema brasileiro, os realizadores não trocam, os realizadores não falam; É uma mentira.

Essa euforia da produção cinematográfica brasileira com Tropa de Elite 2 afeta vocês?


Jardim: Eu acho ótimo. Pela primeira vez, haverá um milionário no cinema nacional. Ele (José Padilha) fez dinheiro com o dinheiro dele e ganhou milhões. Acho maravilhoso. É um projeto de mercado.

Rocha: Se esse boom do Tropa de elite trouxer algum benefício para o cinema brasileiro daqui para frente, seria maravilhoso. Mas não acredito que vá atrair uma consolidação do cinema brasileiro como indústria. É um caso isolado. Existem dois polos hoje no Brasil: filme de R$ 5 milhões ou os de baixíssimo orçamento. Não existem filmes intermediários. Criaram uma falsa dicotomia entre cinema e indústria. O cinema nasceu como cinema e indústria. É uma discussão que a imprensa alimenta equivocadamente. O cinema de arte ou o cinema para as massas. Esse falso antagonismo só vai ser desmistificado quando a gente pensar radicalmente em políticas de exibição de cinema.

O cinema que vocês fazem deixa um pouco para trás a necessidade de lidar com temas sociais, regionais?

Borges: Essa ênfase sociológica é de um tempo histórico do Brasil. É natural que não aconteça, que a gente não trate desse assunto.

Lordello: Existe um momento no cinema tailandês, romeno, esses focos de cinema que existem no mundo. São filmes que têm muita semelhança. Nós fazemos um cinema muito diverso por causa das questões regionais. Mas essas questões se quebram porque as relações se criam. Trocamos ideias, referências, amigos trabalham nos filmes uns dos outros, a internet;

Meliande: E os coletivos. Hoje é muito comum a autoria coletiva. Existe cada vez mais gente fazendo cinema em cooperativas, temos trupes, grupos, trabalhamos em conjunto. Existe essa vontade de parceria.

Rocha: Acho que esse é um ponto de contato forte dessa geração. É isso. Não existe um deslumbramento com a técnica, com o orçamento. Ninguém aqui está sintonizado com isso. A gente está pensando na criação do filme, no processo, em como o filme é vivido.

Borges: Mas o que vemos aqui no Festival são filmes menores em termos de orçamento, mas maiores em ambição. No Brasil, talvez fosse mais sadio e produtivo investir nos pequenos filmes. Principalmente num país que ainda tem muita desigualdade social.

Bragança: Estamos vivendo um projeto yuppie de país. É um progressismo muito yuppie.

Mata Machado:
É extremamente provinciano e subdesenvolvido. O país fica parado nessa campanha do Oscar do melhor filme estrangeiro. É a coisa mais cafona que eu já vi. Será que finalmente ganharemos o Oscar de melhor filme estrangeiro? É muito subdesenvolvimento.

Rocha: Mas isso vai acontecer sempre.

Meliande: A gente tem na mão a capacidade de criação de imaginários. É aqui que a gente está discutindo o país, o imaginário que está sendo feito. Não é no cinema comercial. Isso tem refletido nos filmes brasileiros que tem saído para os festivais internacionais. A gente tem cada vez menos filmes selecionados em festivais internacionais. A ausência de filmes interessantes de alguma forma diminiuiu a participação brasileira no exterior. Tem de romper essas expectativas do que os grandes festivais querem ver. Foi interessante ter apresentado A alegria em Cannes. Ele foi chamado de ovni, entre aspas. Era um elogio porque era diferente do que se esperava do cinema brasileiro que costumam chegar lá.

Mata Machado: Tem a expectativa americana e a expectativa europeia. Eles estão sempre esperando o novo realismo brasileiro. Esse cânone é pior ainda.

Bragança: Existe o combate ao cinemão, mas tem também um falso filme de arte que faz uma gracinha, mas não faz nada. Não traz nada de novo, nenhum processo diferente. O Olivier P;re chama de world cinema. Sempre dá um nervoso quando um francês implica bem com a gente. Mas, ele manda bem quando diz que tem uma espécie de filme de arte Latino-Americano que não é muito específico e ele compara com a world music. Estamos percebendo que está acontecendo alguma coisa diferente no Brasil que não é só o cinemão e não é esse cinema genérico. Tem coisas arriscadas para acontecer. Não que a gente vai ficar avalisando a gente pela escolha do Oscar ou pelo o que o curador disse da gente. Mas, são sinais. Eles falam que há 10 anos atrás isso era impossível. Eles só conheciam o Walter Sales e o Fernando Meireles.


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