Diversão e Arte

HQ francesa ganha edição nacional

postado em 13/02/2011 08:00
Patrice Killoffer não tem a consciência tranquila. Quando deixou Paris para viver em Montreal, a pia de seu apartamento ficou lotada de louça para lavar. ;Em minha desculpa, posso dizer que se tratava de uma quantidade abissal, louça de um jeito que pede imersão total, trabalho de especialista, totalmente longe do meu alcance; eu não passo de um ocioso de baixo nível;, justifica. A sujeira era tanta que criou vida e o atacou. O resultado foi assombroso. Tal qual monstrinhos gremlins, o francês ; autor e protagonista de sua história em quadrinhos ; se multiplicou. Ao longo das páginas, o leitor entenderá o porquê do título 676 aparições de Killoffer.

Envolvido diretamente com o novo quadrinho francês, Killoffer era um autor pouco conhecido no Brasil quando foi convidado para participar da primeira edição da Rio Comicom (encontro internacional realizado em novembro com fãs e profissionais da área). Em seu país, o quadrinhista foi um dos fundadores da L;Association, editora responsável por títulos como Persépolis, de Marjane Satrapi, e Epilético, de David B., trabalhos bem-sucedidos e que injetaram novo ânimo no quadrinho francês. O convite para o evento brasileiro rendeu a publicação nacional de duas de suas obras: Quando tem que ser, pela editora Marca de Fantasia, e 676 aparições, pela Leya.

Persépolis e Epilético são obras biográficas na qual os autores contam dramas da infância e da adolescência. 676 aparições (publicada originalmente em 2002) pode ou não ser considerada uma obra biográfica. Isso fica para o leitor decidir. Se por um lado, o protagonista é o próprio Killoffer e parte do que é narrado realmente aconteceu com ele (o desenhista recebeu uma bolsa para viver um tempo em Montreal e escrever um livro sobre a experiência), por outro, não fica muito claro o que são episódios da vida do francês e o que são delírios. Os acontecimentos se confundem.

Mente febril
E no fim das contas, tanto faz o que é inspirado na realidade e o que é fruto da imaginação de Killoffer. O autor oferece ao leitor uma viagem às entranhas de uma mente febril, inquieta, incomodada. Quando o personagem adentra o apartamento, ele entra em sua cabeça, seu inconsciente. A sujeira na pia funciona como uma analogia para o que ele deixou para trás quando embarcou para o Canadá: o cotidiano, as paranoias e os problemas.

Com detalhados e personalíssimos desenhos em preto e branco, o artista explora o formato das páginas (de 25cm de largura por 37cm de comprimento) criando painéis inteiros, no qual o olhar serpenteia pelas imagens. Quebrando a convenção de narrar em quadros, ele apresenta imagens simultâneas e passeios por diferentes ângulos ao mesmo tempo.

Essa construção permite múltiplas interpretações: seriam acontecimentos passados em momentos diferentes, mas no mesmo cenário? Seria a personalidade fragmentada de Killoffer a causadora de conflitos entre o id, o ego e o superego?

Uma coisa é certa: 676 aparições de Killoffer é uma HQ impressionante, de fôlego, visual e psicologicamente instigante. De longe, um dos melhores quadrinhos disponíveis nas livrarias.


Outros lançamentos

Fawcett
De André Diniz e Flavio Colin. 48 páginas. R$ 13,50.
Toda a publicação de um trabalho de Flavio Colin (1930-2002) deve ser comemorada. O desenhista carioca é um dos maiores artistas de histórias em quadrinhos que o Brasil já teve. Dono de um traço inconfundível, Colin ilustra nesta HQ as aventuras do coronel britânico Percy Fawcett em selvas brasileiras em 1925, na busca por uma cidade de ouro perdida. O roteiro é do talentoso André Diniz. Fawcett foi publicado originalmente em 2000 e é baseada em uma história real, na qual a dupla Diniz e Colin insere ação e mistério.

Peixe peludo
De Rafael Moralez e Rodrigo Bueno. 96 páginas. R$ 24,90.
Peixe peludo é um trabalho peculiar. O que temos aqui não é uma história tradicional com começo, meio e fim. Mas as andanças de um personagem (o peixe peludo do título) por São Paulo e suas observações sobre a cidade, as relações humanas, as decepções cotidianas e tantas outras divagações existenciais. Os desenhos e Rafael Bueno têm todo um jeitão fanzinesco, enquanto o texto de Rafael Moralez bebe golaços de Bukowski. Um quadrinho que fede a lençóis suados, bitucas de cigarro e urina no asfalto.

The Spirit ; As novas aventuras
Vários autores. 128 páginas. Devir Livraria. R$ 53 (capa dura) e R$ 41 (capa cartonada). Publicada nos Estados Unidos em 1998, The Spirit ; As novas aventuras é editada pela primeira vez no Brasil em coletânea com todos os números da minissérie. No prefácio, o editor original Denis Kitchen comenta a dificuldade de convencer Will Eisner (1917-2005), pai do personagem, a autorizar outros autores a fazer histórias do herói. Os envolvidos (Alan Moore, Dave Gibbons e Neil Gaiman, entre outros) até tentam, mas o resultado é irregular tanto na arte quanto no texto.


676 APARIÇÕES DE KILLOFFER
De Patrice Killoffer. 48 páginas. Editora Leya. R$ 39,90.

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