Diversão e Arte

Produções de João Gilberto influenciaram gerações de artistas brasileiros

Músicos e pesquisadores não escondem admiração pelo cantor que veio da Bahia

postado em 02/06/2011 09:08

Túlio Borges: Rosa Passos carrega uma alcunha da qual se orgulha: ela é chamada por fãs e críticos de ;João Gilberto de saias;. Na adolescência, anos antes de receber o apelido, estudava piano. Resolveu trocar as teclas pelas cordas assim que ouviu O nosso amor e A felicidade, num compacto com canções do filme Orfeu negro (1959). ;Minha irmã mais velha comprou e botou para tocar. Mexeu comigo profundamente. Tinha 11 anos e descobri que meu instrumento era o violão, e o caminho era João. Com ele, aprendi a dinâmica do canto, do violão, o casamento entre os dois, respiração, sutileza. E ainda aprendo;, conta a cantora baiana. Ela é uma das muitas herdeiras de um sujeito de voz macia e de mãos que afagam o instrumento com um charme atemporal.

A intérprete viu pessoalmente o ídolo no início dos anos 1980, durante um festival em São Paulo. Nos anos seguintes, encontrou-o três vezes. ;Tocamos violão no apartamento dele a noite toda, conversando. Emprestei meu violão para ele. Era um Yamaha com bojo bem largo, acústico e elétrico. Deixei com ele e ele gostou. Até terminou comprando um parecido com o meu;, compartilha. Passando em revista a própria discografia, ela observa que apenas Azul (2002) não resgata composições de João. A dama se curva à obra do mestre. ;Ele tem a capacidade de colocar as coisas em definitivo, e ele tem essa capacidade infinita de estar sempre proporcionando surpresas. Um jovem que hoje começa a escutar vai se surpreender como alguém que o escutou quando ele começou;, acredita.

Zuza Homem de Mello é o que se pode chamar de especialista em João Gilberto. Afinal, o musicólogo escreveu um livro sobre o músico baiano ; João Gilberto (Publifolha). Para o especialista, as batidas do compositor são o que há de mais importante na MPB. ;Ele fez uma revolução, pois possibilitou que as canções brasileiras fossem conhecidas no mundo inteiro. Com a batida bossa nova, o João transformou o samba, que era sempre tocado de maneira ;rumbada;, em uma coisa mais universal;, explica.

[SAIBAMAIS]É a partir de João Gilberto, então, que a MPB começa a ganhar o mundo. Esse é um dos principais legados do músico. Prova disso é a influência desse ritmo em outros tão populares como o jazz. Segundo Zuza, a bossa nova possibilitou uma leveza ao samba, tornando-o um ritmo mais palatável e reproduzível. ;O João sistematizou a música brasileira e a tornou mias fácil de reproduzir. Por isso tornou-se um ritmo padrão. Não é à toa que ele é estudado e analisado no mundo inteiro.;

A nova geração

O também musicólogo Ricardo Cravo Albin entende que a bossa nova nasceu centralizada nas batidas de João. E que o músico baiano causou uma verdadeira revolução na MPB, não só na melodia, mas também no canto. ;Com ele, passamos a cantar a bossa do coração, leve. As cordas vocais unidas aos dedos ;carinhosos; no violão. Por isso a história o consagrou;, explica.

Essa leveza que João Gilberto adicionou à música brasileira é reconhecida por artistas contemporâneos, cerca de 60 anos depois da criação da bossa nova. Um exemplo, é a sambista Teresa Cristina. Ela afirma que ele é um dos gigantes da MPB que influenciou músicos de todas as geração e a mudou completamente. ;A suavidade com que ele trata os versos que canta é de uma genialidade absurda.;

O cantor brasiliense Túlio Borges lançou seu primeiro disco, Eu venho vagando no ar, ano passado. As músicas quase que sussurradas pelo estreante têm como referência a sonoridade terna de João. ;Uma coisa que me inspira nele é a aparente falta de esforço ao cantar. Porque, apesar de ter feito parte de um grupo vocal, ele aparentemente não se esforça para cantar. É extremamente perfeccionista, mas um talento bem contido. Se não tivesse ele, a música brasileira seria 30% mais pobre;, constata.

Trecho do Livro João Gilberto de Zuza Homem de Mello:

"João tem uma declarada preocupação em projetar a voz de maneira clara e delicada, com uma dicção impecável e sem um pronunciado sotaque de baiano. Seus ;esses; finais não têm som de ;xis;, são sibilantes, fazendo jus à condição de fricativas surdas (como em ;sussuro;) ou zunindo quando fricativas sonoras (como em ;Brasil;). Em seu perfeccionismo, emite cada palavra com o peso inteiro de seu significado e de sua sonoridade. Com isso, quando canta pela primeira vez uma música já familiar, consegue obter o efeito semelhante ao de um cenário desconhecido que é revelado quando se abrem as cortinas do palco. A força dos versos parece brotar como se eles lá estivessem escondidos à espera de alguém que os mostrasse - algo parecido com o blow-up, o momento em que as imagens de um filme fotográfico vão surgindo intensamente no papel".

Veja o vídeo de Candeeiro, da cantora Teresa Cristina

Veja o vídeo de Fantasia, de Túlio Borges e Daniela Firme

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