Diversão e Arte

Grupo francês cria trilhas sonoras para filmes em show interativo no CCBB

Nahima Maciel
postado em 28/06/2011 11:22

O grupo francês Arfi trabalha com a imaginação. Na maioria das vezes, ela está num universo musical abastecido por referências jazzísticas, mas há um mundo imagético que inspira o grupo há três décadas. A composição de trilhas sonoras para filmes mudos faz parte do repertório de espetáculos do Arfi desde o fim dos anos 1980 e segue uma regra básica: é fundamental não deixar a música minar o filme. ;Porque um som pode estragar uma imagem;, ensina Christian Rollet, baterista e um dos fundadores do grupo. Mas, se bem conduzida, a composição pode valorizar o filme a ponto de deixá-lo mais expressivo.
Próximos à telona, os músicos do grupo Arfi apresentam seus repertórios criados a partir das cenas apresentadas
O grupo descobriu isso quando criou uma trilha sonora para O encouraçado Potemkin, de Serguei Einsenstein, há duas décadas incluído no repertório. ;A gente tinha ideia de fazer uma música para esse lindo filme e começou como um pequeno projeto. Acabou fazendo um enorme sucesso e já faz 20 anos que o fazemos;, conta Rollet. As trilhas de autoria do coletivo, sempre executadas ao vivo durante a exibição do filme, passaram a fazer parte do repertório do Arfi, que criou as sessões Cine-Concertos para apresentar os trabalhos. O repertório inclui 10 filmes, todos das primeiras décadas do século 20, mas apenas cinco serão apresentados a partir de hoje no gramado do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).

Na época do cinema mudo, era comum os filmes serem apresentados com música ao vivo, geralmente um improviso realizado em um piano embaixo da tela, mas criar uma trilha que dialogue com uma ou duas horas de imagens mudas é algo mais elaborado e delicado. ;Trabalhamos num sentido muito afirmativo que corresponde a uma ação estética muito clara em relação às imagens com as quais estamos lidando;, esclarece Roullet.

Ao contrário do que acontecia no começo do século, quando a orquestra ou o instrumentista solo ficava escondido longe dos olhares da plateia, os franceses se apresentam em palco localizado diante da tela de projeção. ;Essa prática desapareceu assim que a banda sonora foi incorporada ao cinema. A presença dos músicos executando as trilhas ao vivo no palco dão a ideia de um espetáculo completo. Neste caso, som e imagem não rivalizam. Na verdade se complementam;, acredita o francês Jean Bourdin, um dos curadores da mostra, ao lado do cineasta brasiliense Sérgio Moriconi.

;A seleção primou pelo humor. Preferimos trazer filmes de grandes comediantes. Os desenhos do palhaço Koko são pioneiros como técnica de animação. Os irmãos Fleischer já misturavam linguagens naquela época;, detalha Bourdin. Também foram selecionados títulos importantes em outros gêneros. É o caso de Nanook, o esquimó, produzido pelo cinegrafista e documentarista norte-americano Robert Flaherty, em 1922. Enquanto Chang, sobre um elefante da floresta da Tailândia, é possivelmente um dos primeiros documentários de vida selvagem de todos os tempos.

A frieza dos metais
Os músicos evitam ouvir eventuais trilhas feitas para os filmes antes de se debruçarem sobre a criação. ;Nunca tentamos partir de algo que já tenha sido feito;, avisa o baterista. Nanook, por exemplo, exigiu mais que uma pesquisa sonora. O universo glacial e sem som dos esquimós levou os músicos do Arfi a idealizar sonoridades inexistentes no ambiente dos personagens do filme, mas capazes de passar para o público ocidental uma ideia de isolamento e frieza. ;Os esquimós vivem numa região que não tem vegetação, não tem animais. São pessoas que sobrevivem e eles não têm instrumentos, não há nada que poderia evocar uma música, apenas alguns tambores xamânicos, às vezes eles cantam mas é só.; Os músicos trabalharam então em temas que pudessem evocar a ideia de frio, com sons de metais arranhados e instrumentos de bambu.

Três perguntas// Christian Rollet

Como os filmes são escolhidos para o projeto?

Pode ser várias de várias maneiras: um encontro com alguém que nos fala de um filme, ou um músico que descobre um filme um pouco esquecido ou desconhecido. Depois assistimos e, se nos inspirar, refazemos uma leitura cinematográfica e uma leitura dramatúrgica. Tentamos encontrar os timbres e a instrumentação de maneira que o filme seja servido pela música e não esmagado nem contradito por ela.

Só funciona para filmes mudos sem trilha sonora?

Sim , porque a partir do momento que tem som em um filme, tudo se torna importante: um barulho de panela, passos, tudo é estudado por quem fez o filme e é uma obra na qual não se pode mais tocar. E, claro, tem o problema dos direitos autorais. Nós assinamos acordos com o distribuidores para que a integridade do filme seja conservada, assim eles nos autorizam a colocar nossa música. Mas já fizemos obras iconoclastas, nas quais remontamos o filme e mudamos diálogos, um pouco como os anarquistas fizeram nos anos 1970 com filmes B transformados em manifestos políticos. Não fizemos exatamente isso, mas essa atitude nos inspirou. Fizemos isso com um filme de Tarzan, que era muito ruim. Refilmamos sequências na selva com um cineasta de verdade, mudamos os cartazes com diálogos, colocamos imagens que faltavam para a coerência do novo roteiro. Isso foi o extremo e foi muito arriscado, porque era um Tarzan e os americanos poderiam reclamar. Mas acabou e não fizemos mais nada assim.

Existe uma preocupação em ser narrativo ao compor a trilha?

Narrativo sim, mas se for só para ilustrar não serve para muita coisa. Se o filme não é forte o suficiente a ilustração pode ajudar a afirmar algumas coisas e aí é preciso ter muito cuidado porque a nuance ou o fato de tocar forte ou leve pode estragar a imagem. Um som pode estragar uma imagem. Ou então é preciso encontrar um comentário, o que é musicalmente muito mais difícil em relação a uma imagem. Também é possível uma opção que seria quase de imobilidade musical em relação a uma imagem que mexe muito. Se conseguimos encontrar uma distância entre os o filme e o som, nessa distância vibra uma imagem e um som, aí se cria algo sensitivo e os dois se tornam um.

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