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O Correio visitou vinícolas no Chile para decifrar os segredos dos vinhos

Enviada Especial
postado em 20/10/2011 10:22

Barris para descanso do vinho na vinícola Garces Silva: aromas de baunilha, tostados ou defumados

Santiago ; O que esperar de uma região formada por vales, cordilheiras nevadas, rios e costa marítima, além de belas paisagens? Vinho, oras! No Chile, a combinação de terreno aluvial e rico em minerais com brisa salina e fria do Oceano Pacífico e temperatura baixa ajustada pela Cordilheira dos Andes forma um ambiente perfeito para o cultivo de uvas. Essa soma de fatores e os diversos tipos de solo produzem uma bebida de personalidade distinta e fazem com que, em um mesmo lugar, diferentes sabores sejam obtidos de uma só casta de uvas. O Correio fez um tour por algumas regiões vinícolas chilenas para tentar entender por que essa bebida milenar assume um estilo tão ímpar no país sul-americano.

A vigem começa a 473km da capital chilena, em Coquimbo e Ovalle. Nesse local, estão situados os vales Elqui e Limarí, o primeiro ao norte e o segundo ao sul do deserto do Atacama. Caracterizados pelo clima frio e pelo vento fresco do Pacífico ; condição favorável para o cultivo de uvas syrah, sauvignon blanc, carmén;re, cabernet sauvignon, chardonay e pinot noir ;, os locais abrigam nove vinhas. O primeiro tem ainda a seu favor a proximidade do Rio Elqui, que refresca ainda mais a região.

A primeira parada é na vinícola Falernia, comandada por dois italianos. Aldo Olivier Gramola foi o primeiro a chegar e iniciou o cultivo de uvas para a produção de pisco. Mais tarde, o enólogo Giorgio Flessati, primo de Aldo, chegou ao local e sugeriu a produção de vinhos. Buscando produzir bebidas diferenciadas, Flessati utiliza pouco as madeiras para descansar o vinho. ;Ao provar os tintos, você percebe que não somos muito amigos das barricas. Em muitos casos, uso apenas 5%;, explica, mostrando que tenta ir contra a característica amadeirada dos vinhos chilenos.

Mais abaixo, aproximadamente 64km ao sul, está o Vale Limarí, berço de mais sete vinhas, incluindo a Tabalí. Situada em local com solo rico em nutrientes e minérios, a propriedade produz rótulos que imprimem uma marca própria. ;O tinto tem sabor mais mineral, por conta da sílica. Lembra até o grafite. Já os brancos são mais frutados. Isso ocorre devido à formação do solo em camadas, composta por terra úmida, pedras e argila;, explica o viticultor Héctor Rojas Barahona. Ele conta que o clima auxilia para que as uvas amadureçam lentamente, garantindo bons níveis de açúcar e taninos mais suaves.
Rótulos da vinha Undurraga, localizada a 12km da costa: uvas de diversas regiões
Ecológicos
A 105km de Santiago, está o Vale San Antonio, que abriga, entre outras casas, a Matetic e Garces Silva (vinhos Amayna). A primeira se destaca por cultivar vinhos orgânicos pela técnica biodinâmica. Esse procedimento é uma espécie de tratamento homeopático do solo com pó de quartzo, crânio de animais e muitas outras substâncias misturadas ao adubo. ;Tentamos equilibrar tudo com a natureza. Nossos pesticidas não agridem o meio ambiente e trabalhamos da forma mais sustentável possível;, diz a enóloga Paula Cárdenas. O resultado são vinhos frescos, cítricos e com pouca complexidade.

Mais ao norte está a Garces Silva, a primeira da região. Pioneira, a propriedade produz bons vinhos voltados para as refeições. Foram eles que iniciaram a irrigação da região pelo Rio Maipo, facilitando o cultivo das castas. De acordo com o enólogo Francisco Ponce, pelo fato de a plantação estar próxima da costa e ter um solo formado por calcário, os vinhos possuem sabores mais minerais. Com produção quase artesanal, o rótulo das garrafas é grudado manualmente por mulheres da região. Enquanto os líquidos descansam nas barricas, Ponce cheira uma por uma para medir os aromas dos vinhos, que podem ser de baunilha, tostados ou defumados.

Perto da costa marítima, a 12km, está a vinícola Undurraga, que se autointitula produtora de ;vinhos terroir;. O termo se refere ao conjunto de características que uma localização geográfica imprime no vinho. Esses elementos são mensurados pelo clima, solo, geologia e práticas de produção. Segundo o enólogo Rafael Urrejola, as bebidas dessa vinha são mais aromáticas, têm mais acidez e sabores frescos. ;O líquido tem mais mineral, mais substância, pois a raiz que chega às rochas, nesse solo de granito, absorve mais os carbonatos de cálcio que interferem no sabor;, justifica. Como os vinhos são feitos com uvas de diversas regiões, é possível notar diferentes personalidades de cada lugar. Um exemplo é o sauvignon blanc com castas do Vale Casablanca, que tem aroma clássico dos vinhos dessa região ; o de maracujá.

Tradicionais
Situada no Vale do Maipo, praticamente ao pé das cordilheiras (a 112km de Santiago), a vinícola El Principal tem sua plantação a 950m acima do mar. Três vinhos são produzidos ali: Memórias, Calicanto e o que leva o nome da empresa, todos tintos, com proposta bordeaux tradicional e envelhecidos em carvalho francês. Para manter a qualidade, a vinha só comercializa suas bebidas depois de pelo menos dois anos de descanso, com exceção do Calicanto. Também no Maipo, a vinha De Martino se destaca pelos experimentos como o de descansar o líquido em barricas de barro e concreto. Dessa forma, cada bebida tem características diferentes. ;Nossos vinhos têm muita personalidade. Você pode até não se identificar com algum, mas com certeza vai encontrar um ao seu gosto;, garante o enólogo Eduardo Jordan.

Já no Vale de Colchagua (178km de Santiago), está a vinícola mais antiga da região, a Casa Silva, com 100 anos. De acordo com o representante Thomas Wilkins, a filosofia é produzir vinhos leves e gostosos, para serem bebidos e apreciados. Os exemplares passeiam pelos amadeirados, com toques picantes e aromas diversos. ;Produzimos vinhos para serem bebidos, a garrafa toda, e não apenas uma taça para degustação;, observa. A vinha Montes é toda sustentável e nos moldes do feng shui, em que as barricas descansam ao som de canto gregoriano. O enólogo Bernardo Troncoso explica que antes mesmo de plantar as videiras, um estudo de quase três anos foi realizado para detectar em qual parte do terreno ficaria melhor cada casta.

Praticamente ao lado está a Lapostolle, de propriedade da família Marnier, responsável também pelo famoso licor Grand Manier. Nessa casa, os vinhos têm caráter mais afrancesado. A paisagem e o hotel localizado na propriedade são deslumbrantes. De acordo com o representante da marca, Diego Urra Gosselin, 80% das bebidas são orgânicas e são feitas para beber sem grandes surpresas. Um bom exemplo é o merlot Curvée Alexandre 2008, com aromas suaves de ameixa e madeira. ;Esse é o cavaleiro de batalha da Lapostolle, pois foi com ele que ficamos conhecidos;, diz. E na vinha Maquis, ainda em Colchagua, os vinhos pouco passam por barricas, logo, têm pouca madeira no sabor. De acordo com o enólogo Alejandro Jofre, a maior parte dos vinhos é feita equilibradamente, mesclando apenas 25% das madeiras. ;Buscamos vinhos com expressão, frescos e elegantes. Queremos que as bebidas sejam boas para beber ou harmonizar;, afirma.

A repórter viajou a convite da organização Wines of Chile.

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