Diversão e Arte

Maratona reúne chefs que buscam novos caminhos para a gastronomia da Itália

Liana Sabo
postado em 03/11/2011 09:04

Eleito o melhor do planeta pela International Academy of Gastronomy, Bottura deu sua receita para um grande cozinheiro:

A imagem sonhadora e gulosa de que a Itália é uma delícia com suas pizzas, seu espaguete com molho de tomate e manjericão e o seu calórico ossobuco deu lugar a novas formas e cores que se fazem presentes nos pratos da moderna gastronomia. Para apresentá-los, estiveram, na semana passada, em São Paulo, 14 chefs italianos ; todos premiados com pelo menos uma estrela no Guia Michelin. A maioria deles com duas e alguns com três. Vieram a convite do Senac e da revista Prazeres da Mesa, que promovem juntos o congresso Mesa Tendências, há cinco anos. A quinta edição do evento buscou inspiração no Movimento Itália-Brasil (MIB).

Não que os estrelados cozinheiros tenham esquecido a cozinha tradicional, aprendida com a mama, mas as suas preparações envolvem arte, design, tecnologia e muita sofisticação. Isso ficou muito claro quando um vídeo mostrou a foto de um risoto nero com um único grão de arroz branco. Seu autor, Gualtiero Marchesi, é considerado o pai da moderna gastronomia italiana e mestre-inspirador da atual geração de chefs. Hoje, com mais de 80 anos, Marchesi não viaja mais, por isso enviou o vídeo no qual dá sua receita de risoto de açafrão com folha de ouro, um clássico de seu trabalho.

Discípulo do Il Maestro, como é chamado Marchesi, o chef Massimo Bottura voltou a São Paulo para brilhar mais uma vez. Seu restaurante Osteria Francescana, localizado em Modena, obteve o quarto lugar na lista dos 50 melhores do mundo, e ele próprio foi nomeado este ano como o melhor chef do planeta pela International Academy of Gastronomy, em Paris. Três ingredientes são fundamentais para quem começa na profissão: ;humildade, paixão e sonho;, ensinou Bottura, antes de surpreender com preparações como ;paisagem estranha em 3D;, na qual usou trufas pretas reidratadas com água de ostras, larvas de girino, algas e ervas, deixando o prato com aparência de um lago com vitória régia.

Tendo como tema Brasil-Itália, a caminho de uma cozinha consciente, o evento reuniu também os grandes nomes da gastronomia brasileira, como Alex Atala, Claude Troisgros, Rodrigo Oliveira, Carla Pernambuco, Dânio Braga, Giancarlo Bola e o cearense Faustino Paiva, que contou a história da cajuína. Quem mais entusiasmou o público foi o açougueiro italiano Dario Cecchini, quinta geração de proprietários do Antica Macelleria Cecchini, localizada em Florença. Ele subiu ao palco carregando, com a ajuda de duas pessoas, uma coxa bovina traseira imensa. Ele passou a cortar a peça, ao vivo, provando que não descarta nada, nem os ossos. Para ele, não existe carne de segunda. Músculos e outros pedaços que costumam ser desprezados podem sim virar alta gastronomia. O italiano, em cujo restaurante, ao lado do açougue, são servidas suculentas bistecas alla fiorentina, foi aplaudido de pé.
O açougueiro italiano Dario Cecchini provou que qualquer parte do boi pode ser transformada em alta gastronomia
Sopa de pedra
A situação de pobreza que a Itália viveu no passado foi lembrada por quase todos os chefs. ;Na Toscana, as pessoas comiam macarrão com migalhas simplesmente porque não havia mais nada em casa;, disse Valeria Piccini, chef do Caino, misto de restaurante e hotel de charme localizado na vila toscana de Montemerano. Ao traçar um paralelo entre tempos modernos e técnicas antigas, a chef mostrou como usar cinzas de alecrim em água fervente para amolecer a pele do grão-de-bico.

Considerado um dos chefs mais criativos em seu país, Moreno Cedroni foi o protagonista de um prato surpreendente: a lula de todas as cores. Nele, a cor roxa, por exemplo, é dada pelo repolho roxo, em cujo caldo a lula fica em infusão por 30 horas. Sua especialidade são pescados. ;Nasci e cresci à beira-mar, minha mãe colocava na minha mamadeira molho de vôngole;, contou o dono do Madonnina del Pescatore, em Senigallia, província de Ancona, que possui duas estrelas no Guia Michelin.

Professor de food design na Universidade de Turim, o chef do restaurante Combal.Zero, Davide Scabin, se destaca pela simplicidade e pelo primor técnico. Afirmando que não trazia receitas, mas sugestões para inspirar a fantasia e a criatividade, ele preparou espaguete negro, colorido com tinta de lula, sob uma infusão de ovos, cebola e pancetta, com gotas de vodca e caviar numa releitura do clássico carbonara. Acompanhado do sommelier Luca Gardini, de seu restaurante Torre del Saracino, em Nápoles, o chef Gennaro Esposito desenvolveu uma instigante sopa de pedra que começa com a infusão de seixos marítimos em água mineral natural com 20% de água do mar e acaba numa atraente minestra (ver receita).

Como acontece todos os anos, Alex Atala, cujo restaurante D.O.M. ocupa o sétimo lugar do mundo na lista dos 50 melhores da revista Restaurant, editada em Londres, encerrou o encontro com uma aula na qual não faltou emoção. Disse que tem mudado o foco de sua cozinha, pois a quer agora mais simples, e executou receitas nessa linha, como o doce de mamão verde com flocos gelados de bacuri, caldo de cabeça de garoupa e mandioca assada com manteiga de garrafa e queijo da Canastra, inspirada no colega Claude Troisgros. Para fechar o evento, um desabafo: Atala disse que sente vergonha de estar sozinho lá fora em congressos semelhantes como aconteceu na Austrália, onde dividiu o palco com Gastón Acurio. Lá, contou Atala, metade do público era de peruanos, mas havia apenas um brasileiro. O chef então conclamou o país para a tarefa de valorizar a culinária brasileira. Antes, porém, foi aprovado o envio ao Senado Federal de um documento em defesa das florestas brasileiras no âmbito da gastronomia sustentável.

Em outra ala do Centro Universitário Senac São Paulo, realizou-se o evento Mesa ao Vivo, no qual o único chef brasiliense a dar aula foi William Chen Yen, que, depois de ter vendido o restaurante Babel (215 Sul), faz estágios na Europa. Chen Yen desenvolveu uma receita com peixe, abobrinha, aspargos e alecrim, além de frutas como pera, que viraram molhos, espumas e enfeites de seu prato.

; A repórter viajou a convite do evento Semana Mesa SP.

Receita

Minestra de massa mista, crustáceos e peixe de arrecife

; 4 porções

Ingredientes

; 1,5kg de pequenos peixes de arrecife misto, limpos e sem escamas
; 320g de massa mista
; 140g de azeite extravirgem
; 10g de salsinha triturada
; 2 dentes de alho
; 1 pimenta calabresa fresca
; 1 lula de tamanho médio
; 1 lula (argentina) média
; 4 filés de trilha
; 4 camarões brancos sem casca
; 4 lagostins sem casca
; 4 camarões-rosas sem casca
; 200g de caldo de peixe ligeiro
; 120g de tomate fresco cortado em cubos
; 1 ramo de salsinha
; Sal e pimenta

Preparo
; Em uma panela média, salteie 1 dente de alho com metade da pimenta e 60g de azeite. Retire o alho e a pimenta quando estiverem dourados e acrescente o tomate em cubos. Ajuste o sal, acrescente a salsinha e deixe cozinhar por 2 minutos.

; Acrescente o caldo e todos os peixes inteiros. Deixe cozinhar por 20 minutos em banho-maria. Passe o peixe no passador de verduras e depois no chinois, pressionando fortemente para obter um fundo. Reserve.

; Tire a casca dos camarões e dos lagostins; com a cabeça deles, prepare outro caldo. Esquente em uma panela 10g de azeite e 1 dente de alho, salteie as cabeças por 2 minutos em fogo alto. Ajuste o sal e deixe desidratar no forno por 25 minutos a 90;C. Recoloque a panela no fogo, acrescente 1 concha de água e 100ml de caldo de peixe, deixando cozinhar por 4 minutos em fogo baixo. Com a ajuda de um pilão passe no chinois.

; Enfim, em uma panela grande, coloque 80g de azeite, 1 dente de alho, o restante da pimenta. Faça-os dourar e retire. Corte em brunoise as lulas e doure-as por 5 minutos. Acrescente a salsinha triturada, o restante do caldo e os 2 fundos preparados anteriormente. Quando alcançar a ebulição, abaixe a massa mista. Quando estiver bem al dente, retire do fogo e ajuste o sal; deixe-a repousar por 1 minuto. Sirva em prato fundo, decorando com os crustáceos e os filés e trilha salteados.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação