Diversão e Arte

Quatro costumes culinários do Brasil são patrimônios culturais imateriais

postado em 10/12/2011 09:00

Como fazer para que as tradições, o conhecimento e as informações que ancoram as diferentes culturas brasileiras não se percam? A proposta é adicioná-las ao Livro dos registros de patrimônios de bens culturais de natureza imaterial, mantido pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Há quatro categorias listadas: formas de expressão, celebrações, lugares e saberes. Esta última inclui práticas intimamente ligadas ao universo da culinária. O Iphan já reconhece quatro delas: ofício das baianas do acarajé, ofício das paneleiras de Goiabeiras (bairro de Vitória), sistema agrícola do Rio Negro e modo artesanal de fazer queijo de minas das regiões do Serro e das serras do Salitre e da Canastra. A inclusão dessas tradições mostra como a gastronomia está intimamente ligada à formação de algumas comunidades.

Há 250 anos, os queijos das regiões do Serro, da Serra da Canastra e do Salitre, no Alto Paranaíba, não eram tão valorizados como são atualmente. Após terem seu modo artesanal de preparo registrado como patrimônio imaterial, muitos aspectos nas fazendas produtoras mudaram. Johne Santos Castro, veterinário e agente de Projetos da ONG francesa Cert, conta que hoje é possível investir de forma segura nesse mercado, pois há garantia de que o produto será bem comercializado. ;Durante muito tempo, achamos que esse queijo fosse acabar, pois as pessoas não o valorizavam. Contudo, depois do registro, há um interesse em conhecer e consumir esse produto;, afirma.

Os especialista recorda que havia um receio entre os produtores devido ao medo de que os queijos pudessem ser industrializados. O modo artesanal, como citado pelo Iphan (incluindo a manipulação do leite, do coalho e da massa, a prensagem e a cura), promove queijos com aparência e sabor distinto. Outros fatores também interferem no resultado, como o uso do leite cru e do fermento láctico natural, e as características do solo, do clima e da vegetação de cada local. ;Tanto o preparo quanto o sabor são pontos que merecem ser ressaltados. Em cada região, os resultados são diferentes e isso é o que faz desse produto algo tão específico e importante;, acredita. Os produtores buscam agora conseguir o selo de indicador geográfico (IG), que assegura que determinado produto só leve o nome de registro se for produzido na região preestabelecida.

O Iphan reconhece como patrimônio nacional todas as tradições que cercam o ofício das baianas, inclusive a forma de organizar o tabuleiro

No tabuleiro;
O ofício das baianas de acarajé também é considerado um patrimônio imaterial. Segundo o antropólogo Raul Lody, responsável pelo registro da tradição no Iphan, o modo de se vestir e preparar os pratos, os locais onde se instalam e a preparação do tabuleiro constituem um conjunto de ricos fatores que resultam no acarajé. ;Por isso, registramos o saber da baiana e não o prato, pois ele só ocorre por meio dessa junção de fatores;, explica. No tabuleiro da baiana, tem acarajé, caruru, vatapá, camarão seco, abará, passarinha, mingaus, bolinho de estudante e pé de moleque.

De acordo com Lody, todo esse processo de registro é bem trabalhoso. Ele explica que, no caso das baianas, foi realizado um estudo profundo de fatos relacionados com o assunto, uma espécie de dossiê. Com essa documentação, é preparado um plano de salvaguarda, para só então entrar com o pedido de registro. ;Esse plano prevê medidas que preservem o bem que foi registrado;, diz.

Segundo o antropólogo, há quatro tipos de registros imateriais, porém, os que de fato têm credibilidade são o nacional (emitido pelo Iphan) e o mundial (concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura ; Unesco). ;Não basta apenas fazer um decreto dizendo que aquele item é um patrimônio imaterial. É necessário ter uma política de salvaguarda que indique formas para preservar aquele bem;, opina. Os outros registros são o municipal e o estadual.

Herança indígena
;A bisavó, vovó, mamãe e eu, todos fazemos panelas;, diz Evandro Rosa Rodrigues, tesoureiro e artesão da Associação das Paneleiras de Goiabeiras. A técnica de modelagem do barro ; antes realizada só por mulheres, daí o nome no feminino, ;paneleiras; ; é uma herança dos indígenas até hoje executada da mesma forma. Com o auxílio de ferramentas rústicas, as panelas são secas ao sol, polidas, queimadas e impermeabilizadas com tintura de tanino. Todo esse procedimento foi registrado na categoria de saberes do Iphan. De acordo com o documento disponível no site do órgão, todo o processo é um ;legado cultural Tupi-Guarani e Una, com maior número de elementos identificados com os da tradição Una;.

Segundo Rodrigues, o registro fez com que todo esse conhecimento fosse valorizado mundialmente. ;Não deixamos que a tecnologia, que invadiu todos os espaços da sociedade, interferisse no nosso ofício. Seguimos o mesmo modo de feitura de antigamente;, salienta. Ele destaca que a qualidade das panelas é assegurada pelo caráter artesanal. ;Elas duram tanto que são passadas de geração em geração;, conta. A matéria-prima, a argila, é colhida no Vale do Mulembá, na Ilha de Vitória. Já a tinta é extraída da casca do mangue-vermelho (Rhysophora mangle). ;Acabamos de receber o selo IG, o que é mais uma vitória para nós, pois afirma a qualidade dos nossos produtos;, comemora.

A diversidade do sistema agrícola do Rio Negro também chama a atenção por ter como base tradições indígenas, mas nesse caso para o cultivo da mandioca brava. A agricultura da região, segundo uma das responsáveis pelo processo de registro da tradição, Esther Katz, é muito complexa. Executado pelos mais de 22 povos indígenas Tukano Oriental, Aruaque e Maku, inclui a troca de informações sobre plantas, mudas, alimentos e técnicas. ;Os casamentos ocorrem com pessoas de etnias diferentes. As mulheres levam seus conhecimentos e plantas para as aldeias de seus maridos. Com isso, o saber é disseminado por toda a região;, explica.

Segundo a especialista, todo esse processo resulta em relações sociais complexas e em uma alta diversidade cultural que fomenta as trocas tradicionais. ;Eles fazem cestas com peixes para trocar por carnes, ou de frutas para receber legumes. Tudo isso é muito interessante e dá muito certo;, observa. Esther conta que os pratos exprimem bem a variedade de sabores. ;São caldos de peixe bem apimentados, o biju, o tucupi e misturas de pimentas em pó com sal;, ilustra.

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