Diversão e Arte

O septuagenário Gilberto Gil comenta algumas de suas músicas fundamentais

postado em 24/06/2012 06:00
Para Gil, fundir o som dos pifes nordestinos às guitarras de Jimi Hendrix nunca foi um tabu. Embuído do espírito tropicalista que ele mesmo ajudou a erigir, mergulhou em águas diversas para buscar matéria-prima para seu som. Uma das viagens mais conhecidas é a pelo reggae jamaicano de Bob Marley e sua turma, o que fez com que o baiano fosse uma espécie de voz do movimento em terras brasileiras. Após o exílio, ouviu uma versão de Jimmy Cliff para No woman, no cry, de Bob, em uma praia de São Luís e tratou de fazer a sua própria: Não chore mais, um de seus maiores sucessos.

;Eu pensava na transposição de uma cena jamaicana para uma cena brasileira a mais similar possível nos aspectos físico, urbano e cultural. No woman, no cry retratava o convívio diário em Trenchtown, e a perseguição policial, provavelmente ligada à questão da droga, que eles sofriam. Essa situação eu quis transportar para o parque do Aterro, no Rio de Janeiro;, relatou Gil sobre a canção.


- Louvação
, 1967
"Recebi o impacto da notícia do pouso do Lunik 9 na Lua com orgulho e ponderação: estávamos conquistando o espaço. É uma canção pretensiosa para o grau de informação que eu tinha a respeito, mas bacana também por isso: por traduzir, em linguagem simples, um tema em princípio complexo".


- Cérebro eletrônico
Gilberto Gil
, 1969
"Eu estava preso havia umas três semanas, quando o sargento Juarez me perguntou se eu não queria um violão. Eu disse: ;Quero;. E ele me trouxe um. Aí, eu, que até então não tinha tido estímulo para compor, fiz Cérebro eletrônico, Vitrines e Futurível ; além de uma outra, também sob esse enfoque, ou delírio, científico-esotérico".


- Copo vazio
Gilberto Gil ao vivo
, 1974
"A letra faz uma viagem ao mundo das coisas sutis, transcendentes, mas suas primeiras frases são muito significativas em termos do que estava acontecendo: regime de exceção, censura, o Chico (Buarque, para quem foi feita a canção) privado de sua liberdade artística plena".


- Retiros espirituais
Refazenda
, 1975
"Lança um olhar singelo, simplório, sobre a questão filosófica do ser e não ser; sobre o paradoxo do princípio da incerteza, do que é e não é. É uma das minhas músicas sobre o wu wei, a ação-não-ação, a idéia de superação e alcance do ser, onde tudo é; sobre o fato de que o pensamento consciente, sob a égide da volição, ainda é o que se chamaria o estágio zen, o satori, o samadhi, o sat ananda indiano, onde arqueiro, arco e alvo se confundem e sujeito, ato e objeto são uma só coisa".


- Refavela
Refavela
, 1977
"A dificuldade com que a história tem se defrontado para proporcionar o verdadeiro resgate da cultura e da natureza dos negros, exatamente pela manutenção reiterada da sua condição paupérrima; a coisa da ;miséria roupa de cetim;, da ;Belíngia; (Bélgica/Índia), esse binômio de disparidades ; Refavela é sobre isso. A informação forte da música está nas duas primeiras estrofes; perto delas, o resto é ornamento."


- Sandra

Refavela
, 1977
"Todas as meninas mencionadas em Sandra foram personagens daqueles dias que eu vivi entre Curitiba e Florianópolis. Maria Aparecida, Maria Sebastiana e Maria de Lourdes me atenderam no hospício durante o internamento imposto pela justiça enquanto eu aguardava o julgamento (pelo porte de uma pequena quantidade de maconha)".


- Flora
A gente precisa ver o luar
, 1981
"Flora foi portanto uma cantada literal. Cantei Flora na canção e com a canção. É minha única canção-cantada; que bom que tenha ficado suficiente em beleza e elegância. A alma exigia capricho: o sentimento era intenso, e o desejo, de uma relação durável. O que eu cantava não era só uma pessoa, mas toda uma vida com ela. Na letra eu já a imagino ;idosa;, ;bela senhora;, ;futura;."


- Andar com fé

Um Banda Um
, 1982
"O uso do ;faiá; é assumido com a intenção de legitimar uma forma chula contra a hegemonia do bem-falar das elites. É uma homenagem ao linguajar caipira, ao modo popular mineiro, paulista, baiano ; brasileiro, enfim ; de falar ;falhar; no interior".


- Esotérico

Um Banda Um
, 1982
"Uma tentativa de transpor a idéia do mistério divino, místico-religioso, para o campo do amor terreno; de desmistificar e humanizar a categorização do esotérico como algo inatingível, colocando-o como inerente à nossa natureza, à complexidade de nosso afeto".


- Parabolicamará
Parabolicamará
, 1992
"Pus o tempo existencial, psíquico, em contraposição ao tempo cronológico ; a eternidade, a encarnação e a saudade à jangada e ao saveiro ; e estes dois ao avião -, para insinuar o encurtamento do tempo-espaço provocado pelo aumento da rapidez dos meios de comunicação física e mental do mundo-tempo moderno e das velocidades transformadoras em que vivemos".

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