Diversão e Arte

Conheça três grandes obras do cineasta Eduardo Coutinho, morto pelo filho

Num retrospecto da partida, fica o legado de sucessivas obras-primas que sacramentam o peso de seu nome ao qual teima a ser acoplado o adjetivo meste

Ricardo Daehn
postado em 08/02/2014 06:00
Coutinho sempre foi pautado pela honestidade e por ilibada ética
[SAIBAMAIS]Mais do que uma voz, calada na confusão de um parricídio, o Brasil perdeu, há seis dias, um insubstituível multiplicador de vozes. Singular na simplicidade e vitalidade, o octogenário documentarista, sempre pautado pela honestidade e por ilibada ética, partiu de forma abrupta. Num retrospecto, fica o legado de sucessivas obras-primas que sacramentam o peso de seu nome ao qual teima a ser acoplado o adjetivo meste. Primor, confidências e emoção genuína constituem as bases de um cinema tão inimitável quanto inspirador. Veja abaixo as preciosidades assinadas por Eduardo Coutinho.



Santo Forte (1999)

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"Posso falar? Posso falar? Escuta bem;" ; nesse prólogo de entrevista para Santo Forte (1999), uma vovó de morro confirma o nível de informalidade (e de ampla quebra de barreiras) que o cinema de Eduardo Coutinho contemplava. Entre barracos de tábua e ventiladores de parede, os discursos são diretos e livres. Contrastes de propósitos nas linhas espirituais defendidas por fieis religiosos, fusão de conceitos numa única crença, traços de fanatismo, "surras" atribuídas a santos e relatos de vidas passadas ganham uma naturalidade de fluxo que parece de outro mundo. Sem alarde de manchete, o diretor (chamado de "filho" por uma entrevistada) expõe a inesquecível história de André, cuja falecida mãe interveio, quando, perdido, ele chegou "a colocar arma no ouvido". O espectador, de quebra, não tem como duvidar.

Edifício Master (2002)

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Na conta, objetivamente, são 37 pessoas escaladas para se desnudarem, apresentadas em termos de vivências, desejos e opiniões. Não interessam sobrenomes, e é assim mesmo que o cinema de Coutinho engata: os anônimos moradores de um enorme prédio de Copacabana tomam de assalto a atenção dos espectadores. Impressiona a capacidade de conexão da equipe de filmagens, fluente até mesmo com uma sociopata. Ente casais em relações monolíticas, um síndico cercado de peculiaridades no convívio com o grupo e lampejos de inesperado humor, brota o ápice emocional da fita, quando um viúvo entoa, com fartas identificações melódicas e de trajetória pessoal, a triunfal My way (com Frank Sinatra).

Jogo de cena (2007)

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São camadas e mais camadas de dramas e lições de vida. Avolumado, no relato de atrizes e de personagens da vida real, o intrigante tabuleiro está armado: aonde começa o verdadeiro dia a dia e as provações de mulheres comuns e em que ponto reside a encenação de atrizes? Fernanda Torres está lá (e não encena), íntegra e repartindo uma intimidade que toca a mãe, Fernanda Montenegro; há a pretensa "paquita" da Xuxa que exibe orgulhosa pele negra e exposição de fraturas maternas em tramas que reclamam máxima atenção. Para coroar a modesta genialidade no cinema de Coutinho, é impressionante como desponta, em cada personagem da vida real, o elemento surpresa. Num momento devastador, por exemplo, a mãe de um filho morto extrai, pela fala, poesia de dentro de uma geladeira sem uso. Ao abri-la, retomando a vida, deparou com um jardim de flores saídos de hortaliças e frutas.

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