Diversão e Arte

Ditadura é o tema das discussões na programação desta quinta, na Bienal

Antonio Torres, Thiago de Mello e Maurice Politi relembram como se lançaram na resistência armados da escrita e de ideias

Nahima Maciel
postado em 17/04/2014 06:00
Foi a primeira vez na vida política brasileira que os artistas, escritores e intelectuais tomaram a frente da defesa da democracia
Antonio Torres nunca chegou a ser censurado pela ditadura, mas levou o ativismo político muito a sério na época da ditadura. Foi no palco do Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro, durante um debate que contou com Antônio Houaiss e Ignácio de Loyola Brandão, que Torres viu a literatura virar alvo de preocupação dos militares. ;Depois daquele encontro, eles proibiram mais de 200 livros;, lembra o escritor, que divide com o poeta Thiago de Mello a mesa do seminário O golpe, a ditadura e o Brasil: 50 anos, nesta quinta-feira (17/4) na 2; Bienal Brasil do Livro e da Leitura.

Torres estreou em 1972, com Um cão ruivando para a lua. No romance, o personagem está internado em um manicômio. Em delírio durante um tratamento com choques elétricos, ele faz uma reflexão sob o momento político do Brasil. A censura deixou passar e o livro foi publicado. ;Ele não era diretamente político, mas refletia o clima de opressão;, avalia. ;Todo o clima da minha geração era de engajamento e havia uma polarização muito grande: ou você estava com os militares, ou estava contra.; A época era dura, mas era também de muita produção e circulação de ideias entre os escritores.

Baiano, Torres morava no Rio e costumava viajar por todo o país para participar de reuniões políticas. Coletava a produção dos locais que visitava e dava um jeito de fazer os livros circularem. Do Amazonas, ele trouxe uma edição independente de Galvez, imperador do Acre, de Márcio de Souza, que acabou publicada no Rio de Janeiro. ;Na época, líamos uns aos outros. Tinha isso de nos conectarmos uns aos outros;, explica.

Leia entrevista com Maurice Politi e confira a programação
Pode contar um pouco o que pretende falar durante a palestra em Brasília?

Pretendo contar o processo que me levou a escrever o diário da greve de fome (transcrita no meu livro Resistência atrás das grades) feita por 32 presos políticos em três presídios de São Paulo no ano de 1972, para resistir às ordens de separação do conjunto de presos em pequenos grupos. Esta greve de fome, que em suas duas fases durou 39 dias, foi a mais extensa realizada durante a época da ditadura e representou um desafio ao regime e uma demonstração de que era possível resistir às arbitrariedades, mesmo presos. Também pretendo abordar a existência de diferentes visões ideológicas, dentro da prisão política, como um dos reflexos da propaganda ideológica levada a cabo pela repressão política, assim como a politica carcerária implementada pela ditadura contra os que a ela resistiram e que foi baseada na severa Lei de Segurança Nacional pela qual fomos julgados.

O que o senhor acha dessas vozes que têm se manifestado para apoiar a ditadura ou até mesmo questionar sua existência?

Na realidade, temos que relativizar estas vozes e entendê-las dentro do contexto democrático que estamos vivendo. Há 40 anos, quem discordava do regime era preso, torturado, morto ou "desaparecido" . Hoje eles/elas podem se manifestar livremente justamente porque houve a luta para que valores democráticos e de tolerância fossem implementados na Sociedade Brasileira. O que temos visto é que nos eventos programados para lembrar os 50 anos do Golpe Civil-Militar , mais de 380 atos em todo o país foram organizados ; até agora ; por pessoas, associações e entidades que o fizeram para manifestar seu repúdio ao golpe, enquanto somente uma dezena de atos tentaram "reviver" o clima das "marchas com Deus pela família" de 1964, pregando a volta dos militares. Em geral, os que participaram destes atos são ou pessoas de mais idade que conviveram com o período arbitrário de terror e, em sua maioria , ignoravam o que estava realmente acontecendo devido à censura, ou por pessoas mais jovens, com menos de 30 anos, que, por não terem recebido exatas informações a respeito do Golpe (e deve-se procurar os motivos pelos quais houve no Brasil um "esquecimento" de mais de 30 anos deste período) ignoram a real dimensão que teve a ditadura, suas politica de terrorismo de Estado, seus altos níveis de corrupção e as sequelas que ela deixou para a sociedade brasileira.

O senhor acha que a Lei da Anistia devia ser revista para que os culpados de torturas e assassinatos possam ser punidos?

Na minha opinião, a lei de Anistia não necessariamente precisa ser revista, mas sim reinterpretada em um único artigo ; aquele que se refere a que os "crimes" anistiados são também os "conexos" aos crimes políticos , querendo sustentar assim que crimes contra a dignidade humana e a vida tais como espancamentos, tortura, estupros e mortes são conexos aos assim chamados de "crimes políticos". Esta palavra ; conexo ; claramente está fora de seu contexto e precisa ser reavaliada para que os perpetradores destas atrocidades não fiquem impunes.Por outro lado, como é sabido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso da Guerrilha do Araguaia, já se pronunciou a respeito de sua frontal oposição às leis de "auto- anistia" como foi a nossa, patrocinada pelo governo Figueiredo e promulgada somente por um maioria de cinco votos no Congresso.

A Comissão da Verdade pode ser efetiva? Como? O que ela representa?

A Comissao da Verdade, na minha opinião, representa um grande avanço na questão do conhecimento real de nossa história e na preservação da memória em nosso país. Sua implementação representa um avanço qualitativo de importância sem par na luta dos sobreviventes e uma ferramenta fundamental para que períodos trágicos de nossa historia sejam amplamente conhecidos para que não se repitam no futuro. Ela será efetiva na medida em que se possa extrair informações importantes que permitam a conscientização de tal período .

Pode contar um pouco como funciona a ONG Núcleo de Preservação da Memória?

O Núcleo de Preservação da Memória Política (mais conhecido como Núcleo Memória) é uma organização da sociedade civil sem fins de lucro que foi fundada em 2009, na cidade de São Paulo, justamente para trabalhar no resgate deste período da história. O núcleo promove, com ações educativas e culturais, o conhecimento e o debate dos anos da ditadura civil-militar para melhor entendermos o nosso presente e assim podermos construir um futuro melhor para o país. Trabalhamos com parcerias com o Memorial da Resistência de São Paulo, a OAB, a Comissao de Anistia do Ministério da Justiça e várias outras entidades que possuem os mesmos objetivos que os nossos na promoção de valores e princípios democráticos e para impulsionar políticas públicas de respeito à defesa dos Direitos Humanos .

Nesta quinta-feira:

17h ; debate A produção poética, o leitor e o mercado editorial, com Nicholas Behr, Ademir Assunção, José Carlos Vieira e Wilson Pereira, no Auditório Nelson Rodrigues

16h ; lançamento do livro Palíndromos Rimados e Musicados , de Renato Matos dos Santos, no Café Literário Jorge Ferreira

19h ; seminário O golpe , a ditadura e o Brasil : 50 anos , com Thiago de Mello e Antônio Torres, no Auditório Jorge Amado

20h30 ; seminário Krisis, com Cristovam Buarque, Samuel Pinheiro Guimarães e James Holston, no Auditório Nelson Rodrigues

21h ; seminário O golpe, a ditadura e o brasil: 50 anos, com Pedro Tierra, Maurice Politi e mediação de Tereza Cruvinel, no Auditório Jorge Amado

22h ; Shows da Resistência com Plebe Rude e Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, na Praça do Museu Nacional da República


II Bienal Brasil do Livro e da Leitura

Visitação até 21 de abril, das 10h às 22h, na Esplanada dos Ministérios.

Entrada franca
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