Diversão e Arte

CJ, remanescente dos Ramones, se apresenta amanhã no Porão do Rock

Lendas vivas do movimento nova iorquino, Marky e CJ contam como foi tocar em um dos mais influentes grupos de punk rock do mundo

postado em 30/08/2014 07:00

Nova York, meados dos anos 1970. Uma onda de profundo tédio tomava conta da juventude suburbana que não sentia identidade com o som tocado nas rádios de Forest Hills. Elas estavam contaminadas pelo soft rock meloso, quando não pelo rock de arena, com tediosos solos de teclado e de bateria tendendo ao infinito.

Neste cenário tomado pelo fastio, três rapazes do Queens sedentos por diversão resolveram montar uma banda, uma espécie de antídoto à caretice daqueles tempos. Surgia os Ramones, um dos mais influentes grupos de punk rock, fornecendo as bases do que viria ser o movimento mais expressivo da década de 1970, que tomou conta de Nova York, Londres e se espalhou de forma definitiva pelo mundo.

Dee Dee, Johnny, Joey e Marky

Da formação clássica, que há exatos 40 anos se reunia pela primeira vez em um show no clube CBGB, todos estão mortos. Joey nos deixou em 2001, devido a um câncer linfático. Em 2002 , foi a vez de Dee Dee ser vencido por uma overdose. Johnny também foi vítima de um câncer em 2004 e, em julho deste ano, Tommy foi ao encontro de seus parceiros de banda.

Vivos e musicalmente ativos em carreiras solo, os outros dois integrantes do Ramones, o ex-baterista Marky e o ex-baixista CJ, que toca neste fim de semana no Porão do Rock, revelaram ao Correio como foi fazer parte da maior banda punk de todos os tempos. ;O punk rock tem mais a ver com ser você mesmo, sem se preocupar com o que qualquer pessoa pensa a seu respeito;, diz CJ. ;Tommy (o primeiro baterista do grupo) foi o idealizador dos Ramones;, revela Marky. ;Ele chegou com a canção Blitzkrieg bop sem nunca ter tocado bateria na vida e ainda assim fez três lindos discos. Fomos grandes amigos até sua morte".

Confira as entrevistas:

>> CJ RAMONE >>

CJ, baixista que assumiu as 4 cordas dos Ramones em 1989

O que é ser punk?

Punk rock significa coisas diferentes ao redor do mundo. Na Europa, é algo muito político e muito fashion; Tem a ver com moda, une moda e política. Aqui em Nova York, onde cresci, punk rock tem mais a ver com ser você mesmo. É ser você sem se preocupar com o que qualquer pessoa pensa a seu respeito. É mais individual. É você ser um indivíduo, mas pertencendo a uma multidão de pessoas e todo mundo podendo ser o que bem quiser, sem se preocupar com o que os outros vão dizer. É falar sobre as coisas que te fortalecem e viver a vida do jeito que você quer. Isto é ser punk rock. As pessoas dizem que não vivo uma vida punk porque sou casado, tenho filhos, uma casa legal, um carro legal e crio galinhas no meu quintal; Eles dizem que isso não é ser um punk. Mas, para mim, o que me faz verdadeiramente punk é que não me importo com essas opiniões. Vivo a minha vida do modo que quero, ninguém me diz o que é legal ou não. Sei o que é legal, não preciso que ninguém me diga.

Que legado o Ramones deixou para as gerações seguintes
?
Os Ramones criaram, ou recriaram, a imagem do rock n;roll clássico. A música deles deu oportunidade para que se criassem muitas outras formas de música. Inclusive, o Metallica costuma afirmar que foram influenciados pelos Ramones. Muitas bandas pop também. O legado dos Ramones foi fazer um rock;n roll puro. Everyone rocks!

Como era seu relacionamento com Joey e Johnny Ramone, considerando todos os conflitos que os dois tinham?
Fiquei surpreso quando percebi a quantidade de tretas que existia entre Joey e Johnny. Joey era um grande camarada. Íamos a shows, escrevíamos músicas juntos, costumávamos nos reunir para escutar música. Eu era definitivamente mais próximo a ele. Já o Johnny era como um professor, um mentor. Minha relação com ambos foi muito próxima, mas muito diferente.

E com Tommy, que se foi há pouco tempo?
Encontrei Tommy muitas vezes, sempre tivemos uma boa relação... Ele era um cara muito legal, um sujeito de conversa muito tranquila e inteligente. Penso que muitos fãs de Ramones não sabem que foi ele quem criou a imagem da banda, aquele visual das jaquetas de couro, com os sneakers, os cortes de cabelo; Ele também foi o cara que surgiu com a ideia de fazer aquele tipo de som que os Ramones faziam. Tommy foi na verdade o cara que criou os Ramones.

E o Marky?

Não falo com Marky há muitos anos. Nada pessoal. Por muito tempo ele tem feito suas próprias coisas e eu as minhas. Cheguei a ligar para ele para a gente fazer alguns shows juntos, duas vezes, mas ele sempre disse não; Isso não é problema algum para mim, não me importo; Pensei em fazer isso porque imaginei que os fãs fossem gostar, mas ele não quis.

Você sente algum tipo de pressão do público em manter o estilo dos Ramones na sua carreira solo?

Não me sinto pressionado. Vem de uma forma muito natural. Fui um menino influenciado pelos Ramones. Quando adulto, entrei para a banda. Foi uma imensa influência na minha vida! É parte de mim e aflora em todas as coisas que faço, inevitavelmente. Não estou tentando vender o conceito dos Ramones, não estou tentando me parecer com o Ramones. O que estou fazendo é tentando andar e tocar de um lugar muito honesto. É isso que se pode ouvir nas minhas gravações.

Reconquista
, seu último disco, foi muito bem aclamado pela crítica e pelo público. Por que essa palavra como nome do álbum?

Li muitos livros de história e vi a palavra Reconquista há muito tempo. Estava tentando achar um título para esse disco e essa palavra saltou na minha cabeça. Percebi que essa palavra representava tudo o que eu estava tentando fazer com aquele disco, que era reconquistar o meu nome, CJ Ramone, reconquistar a minha carreira e a minha vida. Ela realmente se encaixava com o que eu planejava para o meu disco.

Você diz que Reconquista é um tributo aos Ramones...
Muitas das músicas tinham muito a ver com os Ramones. Na canção Three Angels eu falo sobre Joey, Johnny e Dee Dee e sobre a minha relação com eles. É uma saudação a eles; Há outra música chamada Low on ammo que é a descrição de coisas que aconteceram desde que a banda morreu, as batalhas que travei; O álbum inteiro é um tributo a eles, na sonoridade e nas letras.

Antes deste disco, como estava sua vida musical?

Em 2007, lancei um disco com o nome de Bad Chopper. A banda era eu e um amigo. Nós fizemos algumas turnês; Mas meu amigo sofria de muitos distúrbios mentais e acabou cometendo suicídio. Apenas deixei a banda ir, não pensei em dar continuidade à Bad Chopper com outras pessoas. Foi então que resolvi voltar a ser CJ Ramone. Por um longo tempo, apenas fiquei em casa cuidando da minha família. Tenho três filhos, estou no meu segundo casamento... Minha vida ficou um pouco complicada por um longo tempo e não me permitia fazer muita música. Agora as coisas se acalmaram, estão um pouco mais na linha e consegui voltar a fazer o que gosto: música.

Como ter um filho autista influenciou a sua carreira?

Isso é parte dos motivos que me fizeram ficar fora por um bom tempo. De fato. Em um certo momento, o Metallica me convidou para entrar na banda e não pude aceitar porque estava em casa cuidando do meu filho. Duas vezes eles me convidaram e eu disse não. Meu compromisso com meus filhos vem antes da música, do punk rock, da política, do dinheiro e de qualquer outra coisa. Certamente influenciou a minha carreira. Mas eles são meus filhos, dependem de mim e sou responsável por eles. Só fiz o que deveria ter sido feito.

O que podemos esperar de seu repertório no Porão do Rock? Um setlist de puro Ramones ou mais focado em sua carreira solo?

Será uma combinação de todas as gravações que fiz solo, Bad Chopper, Reconquista e o meu último álbum Last Chance to Dance, que provavelmente saírá em novembro. Havia decidido lançar por mim mesmo durante a turnê no Brasil, este disco seria o dinamizador da turnê. Mas a gente assinou com um selo chamado Pickup Records e por isso o lançamento foi atrasado.

Você ainda trabalha com Daniel Rey (Daniel Rey foi produtor e compositor dos Ramones, desde 1987 até o último disco Adiós Amigos em 1995, produziu a carreira solo de Joey, trabalhou com Misfits e outras bandas além do CJ )? Ele está aqui com você?

Não. Daniel trabalhou comigo e me ajudou quando eu estava voltando à estrada e aos palcos. Ele fez um par de turnês comigo, então pude começar de novo, mas sabia que ele não era um membro definitivo. Desde que ele se foi, estou trabalhando com Steve Soto e Dan Root.

Este é o terceiro ano consecutivo que você toca no Brasil e já esteve aqui inúmeras outras vezes. Por que essa predileção pelos sul americanos?
A relação dos Ramones e também a minha com a América do Sul é muito intensa. Fui convidado para vir tocar na América do Sul e voltar ao Brasil três vezes. Três anos consecutivos. Não contactei promotores e disse ;ei, eu quero voltar!”. Eles me contactaram e disseram: ;ei, os fãs querem que você volte;. Não escolho onde vou tocar. Somos chamados para os lugares. No Brasil, os fãs são ótimos, me fazem sentir em casa pela forma tão gentil com a qual somos tratados. É um lugar único. A América do Sul para o punk rock, para o Ramones e para mim é diferente de qualquer outro lugar no mundo. Não se compara a nada.

Que bandas influenciaram a sua vida?
Gosto de muitos estilos diferentes de música, é muito tempo escutando música; Difícil dizer; Música country, como Johnny Cash, Hank Williams; Black Sabbath, Iron Maiden, Ramones, AC/DC. Gosto de tanta coisa diferente e tudo me influenciou de um modo ou outro. Sou realmente um fã de música, mais do que fã de apenas um gênero.

O que você escuta atualmente?

A música que ouço hoje é basicamente a música que escutava quando jovem, adolescente, porque todas essas bandas tiveram um grande impacto sobre mim, na minha vida, então ainda gosto de escutá-las. Existe pouca música feita hoje em dia que realmente gosto de sentar e ouvir, mas acho a Black Lips muito boa; Quando ouvia meu pai dizer que não gostava de nenhuma música feita quando eu era garoto, eu não entendia. Acho que estou ficando velho, porque estou ficando igual ao meu pai. É cada vez mais difícil se relacionar com música feita por pessoas mais jovens que você, pois as experiências de vida são diferentes, o que dificulta a relação com as letras e a música que escrevem.

Alguma banda brasileira?
Ainda ouço Raimundos e Sepultura, duas bandas que encontrei quando toquei no Brasil em 1994 com os Ramones. Gosto deles. A última vez que estive no Brasil, fui a um show dos Ratos do Porão. Foi muito bom.

>> MARKY RAMONE >>


Convidado por Tommy e Dee Dee, Marky assumiu a bateria dos Ramones em 1978

O punk nasceu na Inglaterra ou nos Estados Unidos?

Os ingleses costumam dizer que eles começaram o punk rock, mas não. Nós fizemos isso em Nova York. A Inglaterra estava um ano atrás da gente. Todos queriam soar como os Ramones. O (Malcolm) Mclaren chupou o visual do Richie Hell e usou no Sex Pistols. Você sabe, qualquer um que tente argumentar contra história será um idiota, porque o argumento é o fato de que o CBGB foi começo de tudo.

Como foi a sua relação com Tommy, seu precursor na bateria dos Ramones, que nos deixou recentemente;

Ele foi o idealizador dos Ramones. Chegou com a canção Blitzkrieg Bop sem nunca ter tocado bateria na vida e ainda assim fez três lindos discos. Tommy me queria no grupo, assim como Dee Dee e Johnny e Joey; Ele sugeriu que eu encontrasse o grupo para tocar três músicas. Então me deu seu kit de bateria, me deu tudo e produziu o primeiro álbum que fiz com Johnny, Joey e Dee Dee, o Road to Ruin, que é um grande disco. Fomos grandes amigos até sua morte.

Como foi o início de sua carreira musical? Poucos sabem, mas você já havia lançado discos com a banda Dust.

Foi no colégio, eu tinha essa banda chamada Dust; Fomos a primeira banda de heavy metal da América. Éramos realmente muito jovens para viajar, fazer turnê, essas coisas; Apenas garotos de colégio, conhecíamos uns aos outros, tínhamos 16, 17 anos de idade e o propósito de gravar um disco; Gravamos dois. O guitarrista produziu os dois primeiros álbuns do Kiss, antes de decidirmos acabar. Depois, o baixista, Kenny Aaronson, se tornou baixista de estúdio e eu comecei a frequentar o CBGB, o Max;s e entrei para a Lane Jane Country, para o Richie Hell e depois para o Ramones. Fiz também uma audição para o New York Dolls, quando o primeiro baterista deles morreu em Londres. Já tinha feito cinco discos antes de entrar para a banda, sabia das coisas de estúdio e do que deveria ser gravado.

Ramones surgiu como um antídoto a que?

O rádio estava muito ruim nesta época; Tinha muito soft rock tocando... Era muito sacal. Tudo muito chato. Além do rock de arena tocando eternamente no rádio, com muitos solos de teclado e bateria. Era entediante. As músicas e as letras não traziam energia. Quando você ia escutar um disco, era um álbum de cinco músicas com 8 ou 9 minutos de duração. Eu até entendo isso; Mas os jovens não conseguiam mais se identificar com essa música que tocava no rádio e nós sabíamos disso. A cena punk de Nova York toda sabia disso. Tentamos trazer de volta a excitação e a diversão de uma música de dois minutos e meio, fazendo isso de forma rápida e enérgica.

Havia muita animosidade entre Joey e Johnny. Como você se posicionava neste fogo cruzado?

Bom, você sabe, o que acontece é que , como em qualquer família ou qualquer negócio, sempre haverá discussões, lados, políticas da empresa, todas essas coisas. O Johnny e o Joey não gostavam um do outro, infelizmente, e isso é de conhecimento púbico. Eu queria que eles tivessem se resolvido antes de morrerem. Teria sido melhor se eles se dessem bem, porque acho que todos nós, inclusive eles, teríamos sido muito mais felizes e positivos.

E a sua relação com CJ?

Não tenho nenhuma relação com CJ.

Mas uma vez você comentou que ele não era um Ramone; Por que isso?

Nós o contratamos como um coadjuvante. Havia um entendimento que, se o Dee Dee quisesse voltar, voltaria. Mas ele nunca o fez, então o CJ ficou e fez um bom trabalho. É isso, o que mais posso dizer?

Você consegue tocar bateria muito rápido e mantendo o groove. Esta é talvez uma das marcas mais revolucionárias dos Ramones. É daí que vem o hardcore?

Muitas bandas tentavam tocar igual aos Ramones. Mas, com tamanha rapidez no andamento das músicas, era difícil para os guitarristas fazerem as palhetadas para baixo, como deve ser feito no punk. Então, em vez de fazer as palhetadas todas para baixo, eles começaram a alternar para baixo e para cima, e desta forma conseguiam tocar mais rápido. Então o hardcore foi criado, basicamente, por esta razão.

Tocar tão rápido por tanto tempo. Qual o segredo para manter a perfomance?
Não fume cigarros, maneire com o álcool, não use drogas pesadas, se exercite e tente tocar sozinho três ou quatro vezes por semana, se não estiver fazendo nada. Isso é tudo que posso dizer, se cuide!

Jaquetas de couro, all star, camisetas, jeans; Os Ramones criaram um estilo que cruza as décadas?
Isso é o que eu sempre vesti. Quando eu cursava o ensino médio no Brooklin eu era assim, de jaqueta de couro e tênis. Na parte de trás da capa do meu primeiro álbum, Dust, cinco anos antes dos Ramones, estou de jaqueta de couro e calça jeans. Então isso é simplesmente o que gostamos de vestir.

O que é o punk rock?

Energético, divertido, direcionado a jovens que encontram uma forma de se expressar a respeito do que acontece no mundo, nas suas vidas e à sua volta. Isso é basicamente o que é o punk.

O punk se transformou numa mercadoria barata?

A partir do momento que você assina um contrato de gravação você vira uma commodity, uma empresa. Obviamente, não há nada que possamos fazer a respeito dos produtos dos Ramones. No momento que uma banda fica popular, alguém vai querer vestir algo, ter um skate ou um adesivo relacionado a ela. Funciona assim, é muito difícil não fazer desta forma porque é o que as pessoas querem. Você não vai querer negar esse direito a seus fãs, então você faz isso. Não vejo nada errado com merchandising, porque ele permite que seus fãs mostrem ao mundo as bandas que gostam.

Alguma pressão para manter a fórmula dos Ramones na sua carreira solo?
Não, na realidade curto muito toda essa nova base, um monte de novos fãs de Ramones que nunca viram a banda ao vivo. Você tem que entender que, enquanto o Tommy só ficou na banda por três anos e meio, eu fiquei 15. Então, depois que nos aposentamos, comecei a fazer turnês sozinho por todos os lugares, e continuo a fazer isso. Vejo os fãs mais jovens se divertindo muito cantando estas músicas. Estas canções são boas demais para não serem tocadas.

Você tem vindo muitas vezes à América do Sul? Qual o apelo daqui?

Os fãs, meus amigos, as pessoas que curtem o show. Fiz muitos amigos, tenho ido aí sozinho desde 1997, e antes, é claro, com os Ramones.

E seus planos para o futuro?

Meu livro será lançado 15 de janeiro, com toda minha história. Se chamará Punk Rock Blitzkrieg ; my life as a Ramone e será lançado em português, o que é ótimo. São 450 páginas com todo meu tempo na cena punk, desde o princípio, onde cresci... O pacote completo, tudinho. Também continuarei com meu programa de rádio nos EUA e continuarei fazendo turnês com minha banda, mantendo o legado vivo.

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