Diversão e Arte

Grafite de mulheres mostram a alma feminina em diversas nuances

Nina Pandolfo, Panmela Castro e Mag Magrela ganharam espaço em um meio em que predominam grafiteiros homens

postado em 01/09/2014 08:44
Nina Pandolfo usa cada milímetro do muro para modificar a paisagem
As trajetórias são diferentes. O talento sobressai ao traço. O tema e as cores conquistam quem passa em frente ao muro grafitado. Nina Pandolfo, Panmela Castro e Mag Magrela ganharam espaço em um meio em que predominam grafiteiros homens. O trabalho dessas mulheres é um reflexo das personalidades delas. A vertente autobiográfica é uma característica da arte que começaram a fazer no Brasil. Hoje, são reconhecidas internacionalmente por grafites que retratam a alma feminina em diversas nuances.

Nina Pandolfo decidiu viver de arte aos 24 anos. O trabalho realizado pela grafiteira abriu portas para os novos talentos entre as mulheres. ;Nunca pensei em ser inspiração ou referência para outras pessoas, eu me sinto honrada por isso. Fazer parte da história da arte brasileira, seja ela na rua, seja em galerias, é algo de grande valor para mim;,afirma. Nos últimos anos, o preço de sua obra passou de R$ 15 mil para US$ 60 mil.



A temática do feminino é um ponto em comum entre as três grafiteiras. Mag Magrela lembra que, quando começou a pintar, queria fugir do esteriótipo ;trabalho de menina;. ;Fazia personagens masculinos e infantis. Mas percebi o grande poder de pintar nas ruas e busquei mudar, desenhar mais, achar meu estilo. Hoje, o universo feminino existe no meu trabalho por ser meu reflexo, pela maturidade como ser humano, que tem dores, dúvidas, angústias. Tudo isso reverbera nas obras;, reflete Mag.

Todos os trabalhos que levam a assinatura de Panmela Castro buscam questionar a liberdade da mulher. ;Quando comecei, não tinha ciência da minha temática. Fazia autorretrato sempre ;boladona;, com a cara fechada. Não entendia essa característica. Com o tempo, meu trabalho mudou. A imagem já não era mais o autorretrato, eram mulheres de uma forma geral femininas, que transmitiam suas histórias. Tenho a necessidade de me expressar e entender o universo feminino;, avalia.

Leia na íntegra a entrevistas com as grafiteiras brasileiras.

Confira entrevista com Nina

Li em uma entrevista sua que decidiu viver de arte aos 24 anos. Mas quando começou a grafitar? O que a motivou a fazer arte através do grafite?

Bom, na verdade eu sempre pintei telas, desde muito nova eu dizia que seria "artista" mas não sabia direito o que realmente era ser. Amava pintar, desenhar, criar coisas tridimensionais, colar... enfim, fazer arte. Como amava tudo que se referia a pintura e buscava sempre novos suportes como casco de arvore, folhas secas, troncos, pedras e qualquer superfície que eu imaginava ser possível pintar, descobri o graffiti, Isto foi no inicio dos anos 90. Conforme fui crescendo, e as responsabilidades aparecendo, comecei a fazer trabalhos de arte paralelamente ao meu trabalho em escritório, cheguei a fazer exposição coletiva como "50 anos de bienal" e "Um minuto de silencio" durante esta época que trabalhava em escritório, e com 24 anos, tive o convite para expor fora do Brasil, foi então que decidi seguir a vida, única e exclusivamente na arte.

O universo feminino é tema recorrente no seu trabalho. É uma vertente que sempre existiu ou você sentiu necessidade de explorar essa temática?

Tenho 4 irmãs mais velhas, ou seja, nasci num lar praticamente feminino, toda esta influencia, com certeza atingiu tanto meu ser como meu trabalho. Desde pequena meus desenhos eram delicados, femininos e alegres, cheio de bichos e amor.

Já sofreu algum preconceito por ser uma mulher grafitando?

Já sim, mas acho que todas as mulheres sofrem em todas as áreas que alguns julgam ser para homens. Mas isto nunca me afetou. Quando se gosta do que faz, não existem palavras que me desmotivem.

É mais comum vermos mais homens grafitando do que mulheres. Você acredita que isso tem mudado?

Da época que comecei ate hoje já mudou muito. E acho que é natural isto mudar. Assim como hoje já vemos caminhoneiras, bombeiras, bandeirinhas....

O que o artista urbano precisa ter para sensibilizar quem passa em frente ao grafite?

Se ele é artista já o tem!

Seu trabalho é inspiração para muitas jovens. Qual foi o seu maior legado até agora? E o que pretende deixar para o grafite brasileiro?

Nunca pensei em ser inspiração ou referencia para outras pessoas, me sinto honrada por isto. Acho que fazer parte da historia da arte brasileira, seja ela na rua ou em galerias, é algo de grande valia pra mim. Fazer a diferença sempre.

Ultimamente, você tem se dedicado mais às telas e projetos culturais. É apenas uma fase ou amadurecimento do trabalho?

Talvez uma fase de amadurecimento. A vida nos surpreende, nunca consigo fazer planos para muito tempo. Vou vivendo conforme as coisas vão acontecendo, e por isto não posso dizer que viverei nesta fase pra sempre ou que daqui uns meses estarei me dedicando mais para os trabalhos na rua.

Quando você começou, imaginava que teria o reconhecimento que tem hoje?

Quando comecei, apenas pedi para Deus que me abençoasse na profissão que havia escolhido, e como não conhecemos os planos de Deus, nunca imaginei que seria assim.

Teve algum convite (parceria, local, país) que lhe surpreendeu ou marcou sua carreira?

Sim, o Castelo de Kerlbun foi um deles. Expor num museu na Suécia. Fazer um trabalho para a Fendi na Italia. Tenho alguns marcos.

Na sua opinião, o que precisa mudar para ter mais mulheres no grafite?

Não acho que as coisas precisam mudar, as mulheres estão caminhando corretamente e passando por muitos obstaculos. É só continuar assim.

Como você define seu estilo?

Meu trabalho é um reflexo de mim, sou um espelho do meu trabalho.

Leia entrevista com Mag Magrela

Mag Magrela quis fugir do estereótipo de trabalho de menina
Quantos anos você tem? Onde nasceu e foi criada?

Nasci em 1985, Vila Madalena São Paulo

Você começou a grafitar em 2007, mas que sempre gostou de desenhar. Mas por que escolheu arte urbana, e não um outro meio para se expressar? O que a motivou a fazer arte através do grafite?

Não foi algo em que eu pensei na época, simplesmente fui pintar na rua. Mas acredito que o fato de muitas pessoas olharem seu trabalho, o desafio de cada rolê, a curiosidade, conhecer minha cidade e conhecer pessoas fizeram com que eu me apaixonasse por esse suporte que é as ruas.

O universo feminino é tema recorrente no seu trabalho. É uma vertente que sempre existiu ou você sentiu necessidade de explorar essa temática?

Quando comecei a pintar eu queria fugir do esteriótipo "trabalho de menina", fazia personagens masculinos e infantis. Mas percebi o grande poder de se pintar nas ruas e busquei mudar, desenhar mais, achar meu estilo. Hoje o universo feminino existe no meu trabalho por ser meu reflexo, pela maturidade como ser humano, que tem dores, dúvidas, angustias. Tudo isso reverbera nas obras.

Já sofreu algum preconceito por ser uma mulher grafitando?

Como qualquer preconceito, ele só lhe atinge se você acredita nele. Sou um ser humano com muita vontade de pintar, de aprender. Não tenho esse olhar: homem ou mulher. Acho que por isso não me atinge.

É mais comum vermos mais homens grafitando do que mulheres. Você acredita que isso tem mudado?

Tem mudado sim. E mais legal porque as meninas estão indo pintar por si só. Com amigas ou sozinhas. Não começam porque são namoradas de fulaninho. Mas ainda é um mundo muito masculino.

Consegue apontar algum marco ou movimento que conseguiu quebrar paradigmas do mundo da arte urbana?

O fato de você levar seu trabalho das ruas pra dentro das galerias de todo o mundo, é uma quebra. A outra quebra é a base dos artistas não serem mais da escola do hip hop. Da mesma forma que as ruas tomaram as galerias, os artistas de galerias vieram pras ruas.

O que o artista urbano precisa ter para sensibilizar quem passa em frente ao grafite?

As pessoas se encantam pelo gigantismo da obra. Elas adoram.

Você mencionou na entrevista que me referi acima que seu estilo é brasileiro. O que o define?

Somos muito intuitivos, temos muita força de vontade, acreditamos no que fazemos, somos criativos e sensíveis. Nós fazemos questão de ser diferentes, de ter cada um sua linha.

Em alguns de seus trabalhos, há uma espécie de linha sai das mulheres. O que ela significa?

Depende da situação, pode ser: dor, vida, ligação entre um personagem e outro, sangue.

Hoje, você só trabalha com grafite?

Faço graffiti, murais e telas (canvas).

Quando você começou, imaginava que teria o reconhecimento que tem hoje?

Não imaginava. Sei que as pessoas gostam do que faço, mas não sei tenho essa consciência de fato.

Teve algum convite (parceria, local, país) que lhe surpreendeu ou marcou sua carreira?

Sempre me surpreendo com os projetos que me envolvo. Cada projeto tem sua beleza, seu aprendizado, sua conquista. Mas esses queridos me renderam bons momentos: em 2010 logo no começo da carreira pintei um prédio na marginal pinheiros em São Paulo; em 2013 saí no livro SP grafite; em 2012 convite do SESC para fazer um mural e esse ano participei de uma exposição coletiva na galeria Verve em São paulo, que eu era a única mulher entre 12 artistas e essa primeira semana de agosto estou participando de uma exposição coletiva no Brooklyn em Nova Iorque, até 6 de setembro, com outros 25 artistas e a única brasileira.

Entrevista com Panmela Castro

Obra de Panmela Castro: o feminino sempre representado
Quando começou a grafitar? O que a motivou a fazer arte através do grafite?

O grafite para mim foi uma maneira de me socializar. Sempre fui muito tímida e fechada. sempre tive dificuldades de fazer amizades. Com o grafite, fazia aquela arte na parede que tem toda uma cultura de rua, os encontros. Então foi uma forma de criar meus círculos de amizade. Comecei com pichação. Não era nem grafite. Comecei a desenhar com 24 anos.

O universo feminino é tema recorrente no seu trabalho. É uma vertente que sempre existiu ou você sentiu necessidade de explorar essa temática?

Desde que comecei a grafitar, mas de uma maneira diferente. Quando comecei não muito ciente da minha temática. Fazia auto-retrato sempre muito ;boladona;, com a cara fechada, parecia que estava brigando por alguma coisa. Não entendia porque meu traço tinha essa característica. Com o tempo, fui me visualizando como feminista, estudando e me reconhecendo como mulher o meu trabalho mudou. A imagem já não era mais o auto-retrato, eram mulheres de uma forma geral femininas, que transmitiam suas histórias. No final, seguem o mesmo fio. É sempre a necessidade de me expressar e entender o universo feminino.

Já sofreu algum preconceito por ser uma mulher grafitando?

Ele é muito sutil, como acontece em outras relações de convivência. Tinha uma desconfiança, principalmente no início, se você é capaz de estar ali e se apresentar diante do grupo de artistas naquele evento ou festival. Como não tínhamos muitas referências femininas, havia a dúvida se a mulher poderia estar ali. A própria dificuldade de estar em um ambiente público por ficarmos muitos desprotegidas. Sair de casa e andar pela sem estar acompanhada não é algo que se espera de uma mulher. Isso causa muita vezes estranhamento. O próprio tratamento dos artistas comigo mudava pelo fato de estar solteira ou casada.

É mais comum vermos mais homens grafitando do que mulheres. Você acredita que isso tem mudado?

A cada ano cresce mais o número de mulheres no grafite. Isso poque hoje a gente tem referência femininas que estimulam a outras meninas a adentrarem nessa área. Recebo muitas mensagens de carinho. Meninas me escrevem dizendo que gostam de meu trabalho.

Consegue apontar algum marco ou movimento que conseguiu quebrar paradigmas do mundo da arte urbana?

Primeiro, pelo próprio valorização da arte urbana. No Brasil e no mundo, o movimento do grafite está crescendo. Isso faz com que mais pessoas participem, consequentemente o número de mulheres. Também a forma de pensar dessa geração de mulheres mais novas mudou muito. Na minha época, se discutia se se casava virgem ou não.

O que o artista urbano precisa ter para sensibilizar quem passa em frente ao grafite?

Sinceridade. Quando você pinta para se expressar, compartilhar ou falar algo para o outro de forma verdadeira, a arte vai tocar o público. É diferente de uma estratégia comercial. Hoje, você vê muito artista que vão para o grafite não pelo interesse pela pesquisa na rua, mas por achar que ali é um caminho mais fácil para rescer artisticamente. O grafite é uma cultura, estilo de vida e não só uma imagem na parede.

A matéria completa está disponível , para assinantes. Para assinar, clique .

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação