Diversão e Arte

Müller: Obra de Manoel de Barros fura bloqueio da leitura acadêmica

Em entrevista ao Correio, o professor fala do contato pessoal com o poeta

Severino Francisco
postado em 16/11/2014 08:12

Professor de teoria da literatura na UFF-RJ, Adalberto Müller descreve no livro Manoel de Barros ; Encontros que a entrevista para o poeta era a arte do disfarce. E explica: ;O seu valor (das entrevistas) não era apenas informacional ou biográfico, era também artístico. (;) É certo que Manoel usa as entrevistas com o pretexto de fazer poesia;. E, de fato, a poesia estava presente em todos os momentos da vida de Manoel. Em entrevista ao Correio, Adalberto fala do contato pessoal com o poeta, da relação com Guimarães Rosa e descreve a alquimia que fazia parte do estilo de Manoel: conectar a natureza às palavras.


Como foi que se estabeleceu o seu contato pessoal com Manoel de Barros e como ele elaborou o livro Manoel de Barros ; Encontros? Por que ele resolveu reescrever todas as entrevistas que concedeu? Ele concebia a entrevista também como poema?
Manoel de Barros já havia publicado parte das suas entrevistas na primeira reunião de sua obra, em 1990, chamada Gramática expositiva do chão (poesia quase toda); como sempre gostei dessas entrevistas, e de outras que ele ia concedendo, resolvi propor que ele publicasse mais um livro só com as entrevistas. Ele topou, e passei anos juntando jornais e comparando com manuscritos originais. Uma coisa que percebi de cara é que ele não concedia entrevistas por telefone, ou gravadas: era sempre por escrito.



[SAIBAMAIS]Por quê?
Percebi que ele nem sempre ligava para o que estavam perguntando: as perguntas era apenas motivos para ele desenvolver suas ideias sobre temas propostos. Ou seja, eram antientrevistas, e, nesse sentido, se tornavam gestos poéticos dentro de uma mídia, o jornal, que é o oposto da poesia (e felizmente é assim, porque quem lê jornal quer informação, quer estar seguro de que não está lendo informações fictícias ; embora isso possa acontecer, não é verdade?). Então, primeiro, eu propus uma edição crítica, confrontando manuscritos e jornais, dando informações precisas sobre como e onde. Ele me disse: vamos tirar essas informações, poesia não é para informar, mas para encantar. Então, ele entendia aquilo como poesia. Daí é claro, tive que cortar muitas coisas dos textos (inclusive as perguntas e os nomes dos entrevistadores), tive que fazer uma espécie de montagem. Era para ter saído como um livro de prosa poética, pela Record, ia se chamar Eu sou o rascunho de um sonho, mas, por ironia do destino, foi parar numa coleção de entrevistas. Felizmente, o ;prefácio; do Egberto Gismonti salvou a irreverência e a contradição (e eu sabia que podia contar com isso do Egberto);.

Algumas vezes, parece que Manoel de Barros não fala sobre a natureza, mas se mistura com ela de tal maneira, que é a natureza quem fala. Como ele consegue esta alquimia do verbo?
Essa questão é muito importante. Através de uma série de procedimentos (muitos dos quais irracionais, ou seja, não necessariamente calculados), a poesia de Manoel de Barros opera uma inversão das posições de sujeito e objeto, quando não subverte essa relação. Por exemplo: ;A gente comunga é sapo / Nossa maçã é que come Eva;. Não se trata de antropomorfizar a natureza, de dar voz aos bichos, mas de inverter o olhar, a perspectiva. De criar novas relações entre as palavras e as coisas, entre as coisas e o homem. Por isso é difícil analisar sua poesia, pois a análise pressupõe a separação de sujeito e de objeto. Aqui é preciso ser o objeto, como ;Bernardo é quase-árvore;. Como diria o filósofo e sociólogo Bruno Latour, a poesia de Manoel de Barros nos obriga a pensar outros ;modos de existência;.



Como avalia a originalidade da poesia de Manoel de Barros no plano da poesia brasileira e internacional? Ele é importante também em uma perspectiva internacional? Como a obra dele é recebida fora do país?
No Brasil, a poesia de Manoel de Barros é interessante porque fura o bloqueio da leitura acadêmica. Em geral, a poesia só é lida por poetas e por professores de literatura. Esse não é o caso de Manoel de Barros nem de Adélia Prado. Eles, a rigor, até dispensam a crítica acadêmica, pois seus leitores são bastante heterodoxos. Mas, especialmente no caso de Manoel de Barros, eles exigem dos acadêmicos novas formas de ler ; até por isso encontram resistências. No exterior, Manoel vem sendo traduzido. Kurt Mayer-Clason o traduziu para o alemão (ele era o tradutor de Guimarães Rosa). Há uma bonita tradução americana, feita por Idra Novey, excelente poeta nova-iorquina. Também há traduções para o catalão, o espanhol e o francês. Sei de uma em italiano em preparação, e de outra em francês. Mas Manoel de Barros também foi adaptar para outras artes. Egberto Gismonti gravou um disco (Música de sobrevivência) a partir de poemas de Manoel de Barros. Os irmãos Guimarães, de Brasília, criaram uma peça muito boa, NADA, a partir de Manoel de Barros. Joel Pizzini e eu mesmo (no curta Wenceslau e a árvore do gramofone) o levamos ao cinema. E por aí vai.



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