Diversão e Arte

Fotógrafo Vicente de Mello lança livro com imagens de Brasília

Com fotos expostas no Maison Européenne de la Photographie, em Paris, Mello é considerado um dos mais importantes fotógrafos brasileiros da atualidade

Rebeca Oliveira
postado em 21/11/2014 08:00

O fotógrafo paulistano passou uma semana em Brasília, em 2011, onde registrou monumentos com uma câmera dos anos 1950

Seja com a lente obscura de uma câmera analógica dos anos 1950, seja com a instantaneidade de uma câmera digital de bolso para captar registros cotidianos, o objetivo do fotógrafo paulistano Vicente de Mello é sempre o mesmo: desconcertar o espectador. Faze-lo enxergar o objeto, a paisagem ou o personagem fotografado para além de suas estruturas convencionais e quebrar a barreira do facilmente identificável.
Seguindo este pensamento ele criou, durante sete anos, 14 séries fotográficas que somam quase 300 imagens. Algumas são feixes de luz, outras, se assemelham a borrões ou revelam apenas sombras de monumentos. Reunidas, estas séries tornaram-se o livro Parallaxis, que será lançado nesta sexta (21), às 19h30, na FNAC Brasília, em bate-papo com o autor e com o fotógrafo brasiliense Kazuo Okubo, da Casa da Luz Vermelha.




O livro foi criado a oito mãos ; é fruto de parceria entre Vicente de Mello, Charles Cosac (editor e fundador da Cosac Naify), Maria Carolina Sampaio e Miguel Del Castillo. "As páginas são feitas de um material poroso, e o leitor consegue sentir isso, interagindo com as imagens. É muito diferente de vê-las, por exemplo, em uma exposição", explica Mello.
Presente em Parallaxis, a série Brasília utopia lírica é uma ode às formas e ao conceito da capital. A cidade, para Vicente, tem um ar diferente de todas pelas quais já passou. Para ele, Brasília é um ;convite à reflexão;. ;Toda vez que viajo para fora do Brasil costumo ir a outras exposições, e não é muito difícil encontrar uma imagem de Brasília entre elas;, pontua Vicente.

SERVIÇO
Lançamento do livro Parallaxis
Bate-papo entre entre o artista e Kazuo Okubo.
Hoje, às 19h30, na FNAC Brasília (Park Shopping, Piso 01, Loja 149; telefone 2105-2000).

Entrevista com Vicente de Mello

[SAIBAMAIS]Como é sua relação com Brasília?
Para fazer a série Brasília utópica lírica, passei uma semana andando pela cidade procurando a melhor luz. Saí com uma Rolleiflex para dar um ar nostálgico, meio anos 1950 às imagens. Queria que fosse algo meu conceitual, que não fosse uma fotografia simples, um retrato, mas que desse à cidade o peso que ela merece. Quando vou a Brasília, a sensação é de estar em um grande monumento, e esta série é como uma homenagem a Oscar Niemeyer e a Lúcio Costa.

Ainda sobre a cidade, o que mais te encanta nela?
A ideia é quebrar a barreira do facilmente identificável. Queria que mesmo os brasilienses vissem as imagens e demorassem a captá-las, a entendê-las. Cada imagem tem um título e isso deixa as fotos mais poéticas, literárias. Todas as fotos do livro, aliás, têm essa composição poética e as pessoas, ao se deparar com elas, têm um estalo, uma fagulha e entendem que a foto é mais do que se vê; é também a sua interpretação dela. Dos anos 1960 para cá, poucas cidades foram construídas como Brasília, a partir do zero. Por isso, ela passou a ser fotografada por amadores e profissionais. Nos anos 1960, encantou fotógrafos alemães importantes como Andreas Gursky , Thomas Ruff e Thomas Florschuetz.

Na obra, você uma reúne uma série de fotos suas, algumas produzidas com anos de diferença. Qual o fio condutor entre elas?
São 14 séries e a ideia dos editores era criar uma linha que começasse com a Galáctica (que se assemelham a fotografias cósmicas) e terminasse com a Lapidus. É como uma linha do tempo da humanidade: começamos com a formação do universo, figuras humanas, relação do homem com a fotografia, a relação do homem com as cidades, e terminamos com fotos se mais se parecem borrões, como se fosse o fim de tudo. Este é o fio condutor do livro, mas existe uma outra linha na qual a mancha gráfica determina que cada linha faz um caderninho das séries, uma linha azul fininha define o fim e começo de cada serie. É um livro de fotografia mas com a estrutura de uma romance: tem um conceito, o leitor precisa entrar na história, que tem começo meio e fim, e a capa, em especial.

Por quê o nome Parallaxis?
É uma palavra em grego que significa alteração. É difícil traduzi-la, mas seria como dizer que todos estamos olhando para o céu e vendo a mesma lua, mas tendo visões diferentes sobre a mesma coisa. São pontos de vista diferentes que crio de determinados temas, mas que o leitor pode ver da sua maneira, e nenhuma das duas é errada.

Que equipamentos considera essenciais?
Uso uma Rolleiflex dos anos 1950 pela propriedade obscura de sua lente e o clima noir que imprime, a Olympus trip 35 pela sua falta de percepção da realidade por estar com seu sistema de fotometragem debilitado, sendo uma coautora das fotos da série Slidetrip. A câmera era do meu pai que a utilizou nos anos 1970 e 1980. E também uma câmera digital de bolso Leica, que utilizei para as séries STROBO e Quantas ASAS tem um pixel?, que facilitaram a massificação da fotografia, proposta que era utopia desde sua origem que tornou realidade.

Você considera seu trabalho metalinguístico?
Acredito que é, sim, porque uso várias câmeras diferentes e extraio dela o que de melhor pode oferecer. Com a Olympus trip 35, por exemplo, faço fotos que às vezes parecem células em decomposição. Sempre começo as séries analisando o que a câmera pode oferecer como linguagem. Sei o efeito que elas têm e o resultado que quero atingir. O interesse não é apenas mostrar imagens, paisagens ou objetos, mas deixar que elas falem por si.

Como foi a parceria com Charles Cosac?
O conheci por meio do Marcantonio Vilaça, e depois que ele soube do meu trabalho me chamou para fazer algumas coisas para a editora Cosac Naify. Somos amigos desde então. Até que, em 2010, fizemos o ensaio para o livro Maria, sobre a escultora Maria Martins. Ele queria fazer um ensaio onde criássemos uma linguagem fotográfica áspera se comparada a sua escultura, um visão detalhista que transfigurasse a obra de Maria. Em Parallaxis, o pensamento de Charles foi de vanguarda. Ao invés de lançar uma só obra, queria oferecer 14 livros autônomos, que tivessem uma caixa suporte e em que o público pudesse ler um a um em ordem, ou separados.

E o que aconteceu?
Ele ficou com medo de as pessoas acabarem perdendo alguns desses livretos. Então, surgiram Miguel del Castillo e a Maria Carolina Sampaio, que coeditaram o livro, e deram ao conceito dele a ideia de que as fotos tivessem, sim, conexões uma com as outras, mesmo que cada série parecesse ser feita por um fotógrafo diferente. Charles ficou feliz em ver que conseguimos, os quatro, fazer um livro clássico, completamente ímpar na área fotográfica. As páginas são feitas de um material poroso, e o leitor consegue sentir isso, interagindo com as imagens. É muito diferente de vê-las, por exemplo, em uma exposição.

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