Diversão e Arte

Artista plástico Gê Orthof fala sobre a utopia de Brasília

Morador da cidade desde 1964, o professor declara seu amor pelo que a construção da cidade representou para o país

postado em 23/11/2014 08:02

Gê Orthof:

O artista plástico e professor Gê Orthof é impregnado pela utopia e pela história de Brasília. Ele chegou à cidade com 1 ano de idade e viveu a poeira, o delírio da construção, o sonho de habitar o futuro e o trauma da destruição de tudo com o golpe do regime militar de 1964. Morou em Paris, Aveiro (Portugal), Nova York e Boston (EUA). Retornou a Brasília para ser professor da UnB, em 1993. No momento, ele expõe, na galeria Referência, a instalação HA-gaz-AH, sobre a intolerância na guerra do Oriente Médio e em outras guerras do cotidiano. Ele teve a obra Sonhadores escolhida pelo Prêmio Situações Brasília para aquisição de obra a ser incorporada ao acervo do Museu da República. Ficou ainda entre os 30 finalistas do Prêmio Marcantonio Vilaça, que terá mostra no Museu da Arte de São Paulo. Nesta entrevista, Gê fala sobre a poeira dos tempos inaugurais, a mãe (Silvia Orthof), os vazios, a burocratização da UnB, a urgência da educação e o que permanece vivo na utopia de Brasília.

O espaço de Brasília ajuda a se conectar com o essencial?

Se você estuda a história da arte, constata que só podia ser no deserto, só podia ser no silêncio que os artistas se deparam com as questões fundamentais.

Como foi o caminho nas artes plásticas até chegar às instalações com vídeo?
Saímos de Brasília em 1969. Mas ficou muito forte em mim a experiência da arquitetura. Isso gruda, pensava que o mundo era todo assim. Ia visitar os avós no Rio e achava que era muito velho, era uma viagem no tempo. A arquitetura era velha porque correspondia a meus avós. O agora e o futuro era Brasília. Ao voltarmos da França, fiz cursos de artes no Museu de Arte Moderna e no Parque Lage. No último ano, ganhei uma bolsa para passar um ano em Nova York. Só que fiquei 8 anos, fiz mestrado e doutorado. Estudava em uma escola que formava artistas famosos. Mas logo percebi que eu queria fazer uma conexão entre as artes com outros saberes e fui estudar na universidade de Columbia.



O que é, para você, a utopia de Brasília?
São várias camadas, uma é política, mas essa, infelizmente, foi ceifada muito cedo. A própria UnB, que era um dos projetos pedagógicos mais revolucionários do mundo, virou a coisa mais reacionária. Brigo até hoje, a última coisa que a minha mãe me disse foi: ;Gê, saia de lá, pois aquilo é um ninho de cobras;. A imagem mais clara da burocracia na UnB é a do barco que se bate contra o penhasco criada por Maiakóvski. Um projeto tão poderoso que é boicotado o tempo todo por essa produção de 500 artigos de não sei o que de nada que não se atém a nada. É um projeto de burocratização como um todo que asfixia qualquer projeto de criação.

[SAIBAMAIS]A imagem de Brasília tornou-se muito negativa para o restante do país. Qual é o principal desentendimento sobre a cidade?
Esse desentendimento é fruto da ignorância sobre o projeto da cidade. Recentemente, vieram à UnB os curadores da última Bienal e começaram a falar coisas absurdas, chavões sobre a burocracia e a corrupção e a decadência da arquitetura. Todos têm o direito de criticar, mas não podem desconhecer a história e as qualidades de um pensamento. Comecei a falar do vazio, do silêncio, e, ao fim, eles vieram me agradecer. Nunca tinham ouvido falar de Brasília assim. Criticavam o aspecto monumental da arquitetura. Ora, a única coisa monumental em Brasília é o vazio. A arquitetura é só uma maquete. Os prédios só têm seis andares. Monumental é o vazio do Eixo. Essa entrelinha nos foi doada generosamente por Lucio Costa e Oscar Niemeyer. A gente olha para o céu, olha para a grama, e resolve nossa vida. Que presente maior poderíamos receber de uma cidade?

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