Diversão e Arte

Irmãos Guimarães lembram parceria com Dulcina de Moraes

Diretores de teatro começaram a carreira sob a égide de uma grande mestre da atuação

postado em 01/12/2014 07:06
Os diretores nasceram em Anápolis e vieram a Brasília para estudar
Há bons anos, Adriano e Fernando Guimarães entraram para a história do teatro brasiliense. Conhecidos como Irmãos Guimarães, os artistas contribuíram para a formação cênica da cidade por meio de espetáculos históricos, processos de criação inovadores e os mais de 15 anos dedicados ao ensino de artes cênica na Faculdade Dulcina de Moraes.

E a própria Dulcina tem tudo a ver com o início dessa trajetória. Formado em Relações Internacionais e sem jamais ter cogitado uma vida no teatro, Fernando acabou pisando na Faculdade Dulcina de Moraes meio sem querer. ;Estava acompanhando uma amiga;, recordou. Por lá, teve um encontro inusitado no elevador: ;Dulcina estava na minha frente. Ao me ver, disse: ;O ensaio é dia tal;. Um pouco perdido, perguntei: ;Que ensaio?;. E expliquei a ela que não tinha qualquer relação com o lugar e que não era ator;.



A reação de Dulcina marcou Fernando. ;Ela me olhou de uma forma como se eu fosse um marciano. Como quem perguntasse: ;Como não é ator?;;. Pois a atriz acabou convidando o rapaz ;de 20 e poucos anos;, que trabalhava como funcionário de banco, para prestar o vestibular. E ele foi. ;Não sei explicar. Mas a maneira com a qual ela me encarou, o convite; Veio uma sensação de que eu tinha que dar aquele passo.;

Na prova de habilidades específicas, um novo encontro com a professora Dulcina, consagrada como uma das maiores atrizes do país. ;Ela me aprovou. E ali mesmo me deu papel para aquela montagem.; A partir daquele momento, embora ainda não soubesse, Fernando nunca mais largaria o ofício cênico.

Encontro de mestres

Costuma-se dizer que os atores de Brasília são crias dos Irmãos Guimarães ou de Hugo Rodas. Os trabalhos de Adriano e Fernando Guimarães, assim como do diretor uruguaio, pautaram a cidade de tal forma que, há tempos, transgridem as faculdades que eles representam. Enquanto os Guimarães fizeram história à frente da Faculdade Dulcina de Moraes, Hugo Rodas revolucionou o Departamento de Artes Cênicas da Universidade de Brasília.

Nos palcos, eles respondem por boa parte dos espetáculos que marcaram gerações na cidade, a exemplo de Felizes para sempre (Irmãos Guimarães) ou Adubo ; Ou a sutil arte de escoar pelo ralo (Hugo Rodas). Um trabalho em particular, no entanto, elevou Brasília ao patamar máximo do teatro nacional. Em 1996, Dorotéia levou o prêmio Shell de melhor direção. O primeiro e único Shell da capital federal. E os responsáveis foram, justamente, os Irmãos Guimarães e Hugo Rodas. Mas a parceria veio um pouco antes.

;Esbarramos com Hugo em nossa terceira peça, em 1991, quando ainda éramos estreantes;, recorda Fernando. No ano anterior, os irmãos haviam chamado atenção da cidade por conta do espetáculo Macbeth Mauser. Hugo Rodas, que além de professor da UnB, trabalhava na secretaria de Cultura, quis retomar a montagem. ;Não era possível. O elenco já tinha sido desfeito. Foi, então, que veio a ideia de o próprio Hugo encarar a peça, como ator;.

O papel era de uma feiticeira e, quão logo possível, o uruguaio apareceu com uma proposta para a personagem. ;Não gostamos. Não era nada do que tínhamos em mente. E como dizer isso ao Hugo? Mas ele percebeu e disse que pensaria em outra coisa;, relembra Fernando. No dia seguinte, às 7h30, Hugo ligou para os Guimarães. Tinha uma nova ideia. ;Era exatamente o que queríamos;.

Entre grandes mulheres

A atriz Vera Holtz na peça Balanço, dos Guimarães
Apenas três representantes brasilienses participaram da Bienal Internacional de Arte de São Paulo. Os Irmãos Guimarães estavam entre eles. Adriano e Fernando acumulam prêmios e reconhecimentos internacionais. Grandes nomes da dramaturgia nacional foram dirigidos por eles, a exemplo de Nathalia Timberg. Apesar da sólida carreira e dos 25 anos de sucesso, os dois carregam alguns anseios ainda não realizados.

;Pode soar clichê, mas tenho vontade de ter Fernanda Montenegro em um projeto;, revela Fernando. A atriz já foi sondada duas vezes pelos diretores, mas as agendas ainda não permitiram o encontro no palco. Fernando não desistiu: ;Há uma peça do (dramaturgo irlandês Samuel) Beckett, feita para o rádio, chamada Todos os que caem. Ainda penso na Fernanda para a montagem;.

No que depender da própria Fernanda, essa colaboração não tardará a sair. A artista acompanha a trajetória dos artistas brasilienses há bons anos. A primeira vez que se viram, inclusive, foi por iniciativa dela: ;Estávamos jantando com o Marcello Antony e com uma produtora de uma grande empresa que, na época, patrocinava-nos. Por coincidência, Fernanda estava em Brasília a convite da mesma empresa. Eis que ela liga para a tal produtora, perguntando se poderia ir jantar conosco;, recorda Adriano.

;Fiquei impactado. Conversamos por cinco horas aquela noite;, completa. Os irmãos devem ter causado uma bela primeira impressão. Desde então, Fernanda já esteve na plateia para assisti-los inúmeras vezes. A última delas no ano passado, por conta do espetáculo Nada. ;Temos sempre o que conversar. Cada vez que nos esbarramos, revela-se uma oportunidade para novas ideias. Fernanda é muito generosa;, elogia Adriano.

"Só não vale xingar a mãe"

Em 25 anos, eles sempre trabalharam juntos:
Adriano e Fernando Guimarães nunca trabalharam sozinhos. O primeiro projeto surgiu a partir dos dois e, desde então, todos os demais foram na mesma linha. ;Se surgir a vontade para um projeto solo, não haveria qualquer dificuldade. Mas não aconteceu;, garante Adriano.

Com tantos anos de convivência profissional, as funções são bem definidas. Fernando cuida mais da questão do texto, dos atores, enquanto Adriano se debruça sobre o visual, a cenografia. Nada que impeça um ou outro de interferir seja no que for. ;A gente briga todos os dias. Mas somente por trabalho;, comenta Fernando, aos risos.

A própria entrevista revela a afinidade que os une de maneira tão íntima. Fernando termina as frases de Adriano. Adriano lembra de passagens que Fernando se esqueceu. Os dois se completam. Uma cumplicidade pessoal, que acabou sendo levada aos palcos e instalações mundo afora. ;Só não vale xingar a mãe;, brincam, quase em uníssono.

Em Brasília

Embora sejam recebidos com carinho em cidades como Rio e São Paulo, e encarem longas temporadas por lá, os Guimarães não esboçam qualquer vontade de deixar Brasília. Contrariando alguns diagnósticos, eles não acreditam que o panorama cênico da capital federal esteja pior do que de outros centros.

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