Diversão e Arte

Em e-book, Benjamin Moser faz críticas sobre a construção de Brasília

Para o escritor, o movimento que criou a capital federal, apesar do nacionalismo um tanto exagerado ao redor, era um movimento colonial, que buscava a aprovação estrangeira

Rebeca Oliveira
postado em 14/12/2014 08:06
Moser: A escritora Clarice Lispector esteve duas vezes em Brasília, em 1962 e 1974. A capital a deixou confusa. Em uma das crônicas que escreveu sobre o Plano Piloto, questionou se amava ou odiava a recém-inaugurada capital do Brasil, ;tão artificial quanto devia ter sido o mundo quando foi criado;. Conhecido no país pela extensa biografia da ucraniana-brasileira (Clarice, da Cosac Naify), o escritor Benjamin Moser teve impressões semelhantes à da escritora quando visitou a cidade pela primeira vez. O americano fazia pesquisas para o livro e refez todos os passos de Clarice, incluindo uma viagem ao Planalto Central. Aqui, ficou atento a tudo. Viu de perto a imponência de prédios, como o Congresso Nacional e foi até ao ;igualmente esquisito e amigável; Vale do Amanhecer.

Após essa experiência, criou um prognóstico sobre a relação entre as reformas urbanas e o povo brasileiro. Publicado pela editora Cesárea e disponível apenas em versão e-book, Cemitério da Esperança tem como medula óssea a construção de Brasília. Para ele, uma grande metáfora. ;Todo o movimento que criou Brasília, apesar do nacionalismo um tanto exagerado ao redor, era um movimento colonial, que buscava a aprovação estrangeira, e que, pretendendo exaltar o Brasil, fez tudo com um olhar para fora, com ideias importadas;, avalia o escritor.

Apesar do discurso um tanto ácido, ele garante ser um ;fã número um do Brasil;, país que visita com frequência há duas décadas. ;Mas isso não significa que eu goste de tudo, como não seria o caso para nenhum brasileiro. Quando critico o Niemeyer, é preciso lembrar o quanto tenho trabalhado, e durante quantos anos, para chamar a atenção internacional a tudo que eu amo no país;, afirma o americano, que está fazendo uma biografia sobre a conterrânea Susan Sontag. ;Quem sabe eu volte a escrever sobre o Brasil um dia. Está sempre na minha cabeça e no meu coração;, entrega.

A venda de Cemitério da Esperança, ao custo de R$ 3, será revertida ao movimento Ocupe Estelita, pelo qual Moser tem se engajado e que se opõe à construção de 12 torres residenciais na região do cais José Estelita, próximo ao centro histórico de Recife. ;Estão mostrando que não é uma inevitabilidade ter cidades horríveis, espigões e trânsito infernal;, diz.




Quando veio a Brasília, Clarice Lispector se deparou com uma cidade descrita por ela como vazia e inabitada. Passados tantos anos, preocupa a superpopulação do DF, com 2,6 milhões de habitantes e grande especulação imobiliária. Qual seria a saída para esse deficit habitacional, já que vivemos em uma cidade tombada como Patrimônio Cultural da Humanidade?
Não gosto desse título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Uma cidade não é para ficar preservada em âmbar. Talvez uma cidade muito antiga e pequena, como Veneza, mas uma cidade nova como Brasília precisava de mais tempo para se desenvolver normalmente. A Unesco está sediada em Paris, e isso não é coincidência. É que todo o movimento que criou Brasília, apesar do nacionalismo um tanto exagerado ao redor, era um movimento colonial, que buscava a aprovação estrangeira e que, pretendendo exaltar o Brasil, fez tudo com um olho para fora, com ideias importadas, que nada tinham a ver com a história das cidades brasileiras. Os ideólogos de Brasília tinham um desgosto profundo para o Brasil. Isso não falo eu: falam eles.

Há quem diga que a especulação imobiliária é o maior indício da crise política que se instala sobre o Brasil. Você concorda? Há descaso dos governantes quanto às políticas habitacionais?
Diria mais: se você tirar a especulação imobiliária e seu grande aliado, a indústria automobilística, o crescimento econômico das últimas décadas ficaria bem menor. Agora, o país está pagando um preço muito alto por ter investido num modelo de progresso que, já sabemos, diante de mil exemplares em dezenas de países, sempre acaba custando muito caro. O povo sabe disso: os protestos em torno da Copa do Mundo, por exemplo, tinham muito a ver com os gastos astronômicos para prédios ;para inglês ver;. Pense nos estádios gigantescos em cidades que não tinham nem time para jogar. É um símbolo importante. Mas cada político gosta de inaugurar uma coisa enorme e cara, quem sabe com o nome dele em grandes letras na fachada. É bem mais sexy do que renovar os esgotos.

Poderia nos explicar melhor a relação que vê entre a construção de Brasília e os regimes ditatoriais?

Os arquitetos têm uma afinidade explícita com regimes ditatoriais. De novo, não sou eu falando isso. Mas o fato de Niemeyer ser stalinista virou quase um clichê que ;todo mundo sabe;, como se isso dispensasse a necessidade de ver o que significa apoiar um homem que matou 50 milhões de pessoas. Aliás, se sabem mesmo o que ele falou sobre Stalin e podem passar por alto, é um problema mais do que intelectual. Vira um defeito moral. Sabem mesmo até que ponto o mestre dele, Le Corbusier, adorava Mussolini? Que tinha um plano para a destruição total do Rio de Janeiro? Isso deveria ser algo a se pensar.

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