Diversão e Arte

Humorista Renato Aragão completa 80 anos nesta terça-feira

Para especialistas, o sucesso comercial das comédias deve muito a Renato e sua expertise em fazer o público rir - nem que seja de si mesmo

Rebeca Oliveira
postado em 13/01/2015 08:00

Didi Mocó Sonrisélpio Colesterol Novalgino Mufumbo, ou apenas Didi Mocó. A história de Renato Aragão e o indefectível personagem se condensam numa só. O artista completa 80 anos hoje, 50 deles dedicados à arte. Misto de Chaplin e Oscarito, em quem assumidamente se espelhou ao deixar Sobral, no interior no Ceará, e partir para o Rio de Janeiro, Renato marcou gerações com piadas nonsense, improviso e um estilo de comédia que revolucionou o entretenimento brasileiro.

[SAIBAMAIS];A história da tevê brasileira se mistura à de Renato Aragão. Ele foi para o Rio nos anos 1960 e a tevê tinha 10 anos quando isso aconteceu. Ambos evoluíram juntos. Do ponto de vista comercial, Os Trapalhões não são comparados a nenhum outro programa, muito menos no humor,; acredita Luís Joly, autor de Os saltimbancos Trapalhões (Editora Matrix). Como protagonista e corroteirista de Os Trapalhões, fez sucesso na telinha, nos palcos e na telona. Atuou em 47 filmes, cinco deles estão entre os de maior bilheteria na história do cinema brasileiro. Para especialistas, o sucesso comercial das comédias deve muito a Renato e sua expertise em fazer o público rir ; nem que seja de si mesmo.

As piadas que fizeram graça para várias gerações funcionavam como retrato escrachado e sincero do Brasil que vivia em plena ditadura militar. ;Naquela época, não havia como as minorias se expressarem porque nem a maioria tinha o direito de se expressar. O humor deles usava a rua como inspiração para As gírias, as situações, os personagens e até os cenários;, pontua Juliano Barreto, autor da biografia Mussum forévis ; Samba, mé e Trapalhões (Editora Leya).

Entrevista com Juliano Barreto, autor da biografia Mussum forévis ; Samba, mé e Trapalhões (Editora Leya)

Segundo Aragão, o público, à época dos Trapalhões, não ficava ofendido com as piadas do grupo. Uma delas era a associação entre Mussum, a cor de sua pele e as características do personagem, conhecido pela malandragem e vício em álcool. Você concorda que a opinião pública não ligava para o politicamente correto quando a série foi exibida? Muita gente ficou indignada com essa declaração...

Acho que essa conversa deve começar lembrando que o humor do Renato sempre foi acompanhado de perto pelo Departamento de Censura da Ditadura Militar. Naquela época, não havia como as minorias se expressarem porque nem a maioria tinha o direito de se expressar. Outro ponto importante é que o humor dos Trapalhões usava a rua como inspiração. As gírias, as situações, os personagens e até os cenários eram inspirados no que se via no cotidiano do brasileiro. Os xingamentos racistas e a homofobia estavam presentes fortemente nos pontos de ônibus, nos bares, nas escolas. Os Trapalhões reproduziam essa realidade, até amenizavam um pouco com o humor, mas foi um humor com um quê de documentário. Quem quiser entender melhor o Brasil dos anos 1970 e 1980 pode enxergar muita coisa nos filmes de Os Trapalhões. Até porque junto desse retrato de um país racista e homofóbico, eles falaram sobre o êxodo rural, a seca, o garimpo de Serra Pelada, a situação dos menores abandonados. São temas ;politicamente corretos; que eles abordaram e pouca gente lembra.

Mussum é cultuado por gerações que nem se quer o assistiram ou conhecerem. De onde vem essa empatia?
A primeira coisa é a qualidade. É um personagem carismático e bem construído. O Mussum não sabia decorar textos longos e geralmente fazia quadros curtos. Depois de muito tempo, esses quadros foram parar na internet. Essas esquetes se encaixam muito mais no humor de meme, e geralmente eles têm um minuto, um minuto e meio de duração. É aquele tipo de conteúdo que estamos acostumados a ver entre amigos, no trabalho. Combina mais com a geração atual. A referência esta contida nele mesmo, você acha engraçado porque do Mussum fazer piada é muito fácil de entender. Ele tem as três características principais de um meme: facilidade no entendimento, de visualização e de compartilhamento.

Como era a relação entre ele e Renato Aragão?

Era excelente, de muita amizade e respeito. Mussum foi, talvez, o único negro do Brasil nos anos 1970 e 1980 que poderia xingar a mãe do chefe depois de ser chamado de negão. Eles tinham muita intimidade e uma química que ia além das gravações. Colegas de produção, atores e técnicos com quem eu conversei sempre relataram brincadeiras muito engraçadas entre os dois. O Renato, vascaíno, e o Mussum, flamenguistas, se provocavam muito por causa do futebol. A rivalidade entre Flamengo e Vasco estava no auge nos anos 1980, e o Mussum tirava muito sarro do Renato.

Mussum acreditou que Renato havia tirado proveito dele, por isso saiu do grupo?
A origem da briga foi a divisão de lucros de bilheteria dos filmes dos Trapalhões. O Renato tinha a produtora dele, a R.A. Produções que cuidava da produção, edição, captação, de tudo! Por isso, era natural que recebesse mais. Mesmo assim, empresários e amigos que cuidavam da carreira do trio (Mussum, Dedé e Zacarias) começaram a colocar na cabeça deles a ideia de que eles deveriam ganhar metade da bilheteria. Isso foi criando um desgaste no grupo que culminou na separação. Mas a separação duro muito pouco, eles não conseguiram ficar longe e os trabalhos deles separados não eram tão legais.

Em seu processo de pesquisa para o livro Mussum forévis ; Samba, mé e Trapalhões, se deparou com alguma fato curioso entre ambos que te deixou instigado?
Tem muitas coisas. Tive acesso às fotos pessoais do Mussum e foi muito emocionante ver momentos dele e do Renato como amigos, os dois passeando de lancha, dando risada. Tem uma foto no livro do Renato fazendo careta atrás do Mussum que é ótima, mostra que eles brincavam muito também longe das câmeras. Não era algo forçado. Como curiosidade, posso citar que eles foram praticamente vizinhos por uma época, em Jacarepaguá. O Renato tinha uma casa de veraneio que ficava na mesma rua que as casas do Mussum e do Dedé. Nos finais de semana eles jogavam bola junto. Todo mundo relata que o Renato jogava muita bola, estilo camisa 10.

Você acha que Renato Aragão foi esse vilão, como algumas pessoas traçam, ou soube aproveitar melhor as vantagens do estrelato?
Discordo totalmente de que ele tenha sido vilão. Acho mais que ele é um exemplo de um fenômeno bem brasileiro, que é de diminuir o ídolo, o cara que vence. Comparo o Renato ao Pelé. Cada frase que o Pelé fala vira uma chuva de ofensas e o cara é uma figura mundialmente conhecida, fez pelo Brasil muito mais do que qualquer outro atleta, político, músico... O Renato batalhou muito, ouviu muito não, teve os trabalhos criticados ao extremo e mesmo assim prosseguiu a vida dele, no estilo dele. Ele não se dobrou aos críticos, os críticos é que se dobraram a ele.

Seu livro vai virar um filme. Como anda a produção e quem você gostaria de ver interpretando Mussum?
Está tudo em um estágio muito inicial, discussão de contrato mesmo. Interpretar o Mussum vai ser uma missão grande, não tenho na cabeça um nome para indicar não. Na verdade, se pararmos para pensar, são dois ou três nomes de atores negros conhecidos. Apesar do discurso politicamente correto, o Brasil ainda é bastante racista.

Entrevista com Luís Joly

O que saber para conhecer Renato Aragão melhor, como artista e homem?
Em primeiro lugar, existem os humoristas que são espontâneos, naturalmente engraçados. O Renato se encaixa nesse padrão. E acima de tudo, ele é um batalhador. Veio de uma cidade pequena do Nordeste e mudou-se para o Rio de Janeiro para começar a fazer humor. Um de seus grandes ídolos era Oscarito, em quem ele se espalhou para fazer humor na tevê.
A história da teve brasileira se mistura a de Renato Aragão. Ele foi para o Rio de Janeiro nos anos 1960 e tevê tinha 10 anos quando isso aconteceu. Ambos evoluíram juntos. Ele é muito determinado em conseguir o que quer. Renato é uma pessoa polêmica, mas de maneira geral muitas, o público sempre o agradece pelo que fez.

Porque Renato assumiu o papel de líder dos Trapalhões?
Justamente por ter esse perfil. A princípio, o programa foi criado como nomes da Jovem Guarda, e quando ele fez a nova fase com o Dedé e Mussum, Os insociáveis, naquele momento ele já tinha o perfil natural de líder do grupo. Os outros integrantes sempre reconheceram que eles estavam lá para fazer humor e trabalhar, mas o Renato sempre esse papel, no sentido financeiro e também de defender os caminhos que o projeto deveria tomar.
Isso não aconteceu de forma forçada, os outros integrantes não se importavam tanto. E como ele tinha esse característica de empresário, assumiu essa postura e virou a principal imagem de Os Trapalhões. Quando tivemos a perda do Zacarias e Mussum nos anos 1990, a imagem do grupo acabou.

Renato Aragão é um dos responsáveis pela ampla aceitação do humor no país?

Considero o Renato Aragão e outros nomes como Chico Anysio e Jô Soares os pilares do humor nacional. Eles influenciaram muitas essas pessoas, e colocaria junto a eles o Roberto Bolaños, mesmo não sendo brasileiro teve, à base de reprises, o poder de influenciar a geração do humor. O Renato, com Os Trapalhões especialmente, forjou o humor como a gente conhece hoje. Na época, quando eles tinham acabado, eles reprisaram a série, mas pararam depois de um ano. O programa caiu no esquecimento e se tornou uma memória. Quem assistiu ao Os Trapalhões no domingo a noite tem ótimas recordações. A geração mais jovem e mais conectada, com poder de formar opinião, não conhece Os Trapalhões como a gente conhece. Isso acaba colocando um efeito, a longo prazo, de deixar Os Trapalhões que a gente gosta, mais jovem e mais ágil, como uma memória da teve. A teve deveria ter reprisado o que vimos.

A atração pode ser comparada a alguma programa de tevê atual?
Do ponto de vista comercial, Os Trapalhões não são comparados a nenhum outro programa na tevê brasileira, muito menos no humor. Nada chega perto do fenômeno que eles foram no cinema. Em 2008, quando meu livro saiu, das 10 maiores bilheterias sete eram de Os Trapalhões. Eram filmes pouco recentes, do final da década de 1970 e início dos anos 1980. Temos que lembrar que o cinema brasileiro era muito criticado. Para gravar Os saltimbancos trapalhões, eles foram para os Estados Unidos e fizeram a produção lá. Foram brilhantes! Comercialmente, trouxeram nomes como Gugu Liberato e Angélica. Quando a lambada apareceu, levaram ao programa. Eles estavam sempre aproveitando o que estava em alta e explorando do ponto de vista comercial. O que pesa contra é porque se você for assisti-los agora, pode não entender, porque se usa um humor que também é datado, que valia, por exemplo, quando a banda Polegar estava fazendo sucesso. Quem assistir hoje, não vai saber qual é aquele grupo. Eles fizeram sucesso aquele momento, mas são atrações que, a longo prazo, acabam se perdendo.

Renato foi criticado ao afirmar que, à época, o público não se ofendia com as piadas de Os Trapalhões, mesmo quando beiravam o racismo e a homofobia;
Não podemos fazer comparação do humor deles com o de hoje porque o humor é um reflexo direto da sociedade. As piadas que eles faziam serviam para aquela época, e o humor de hoje tem que servir para hoje. Se assistirmos aos Simpsons, um desenho que no início da década de 1990 foi revolucionário, não temos as mesmas reações, porque a sociedade mudou. A mesma regra vale para Os Trapalhões. Se fosse gravado hoje, traria outra crítica. Existe uma mudança, não chamo de evolução, porque não sei se é melhor nem pior. Estamos em uma época onde há lembranças fortes de ditadura, censura, é outro momento. Não acho que a declaração dele foi tão polêmica assim, as pessoas não iam se incomodar se ele fizesse essa arte hoje, porque seria feita de outra maneira. Naquela época foi espontâneo, genuíno e muito bem feito.

Porque a fórmula de Os Trapalhões deu tão certo?

Era uma combinação de vários tipos de humor, e quando unimos os quatro, cada um trazia um tipo de benefício para o programa. O humor do Renato não era difícil. Ele começou a trabalhar o humor circense quando conheceu Dedé, que tinha um circo com a família. O Renato trazia um humor muito pensado em frases e bordões, com muito improviso. Na época em que fazia com Wanderley Cardoso, disse que se atrapalha e o Renato improvisava a partir dos seus erros. O Dedé trazia aquelas coisas espontâneas: torta na cara, cambalhota; o Mussum era o humor carioca, que até hoje é popular, ele não precisava forçar nada para ser engraçado; o Zacarias entrou como o ator do grupo, era aquele que se caracterizava, porque na vida real era completamente diferente daquilo. Ele entrava no personagem, naquela caracterização, para combinar com os outros três. São quatro formatos que mexem com valores brasileiros, o negro, o carioca, o nordestino, o homossexual, e faz uma brincadeira com tudo isso. Muita gente vem falar.

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