Diversão e Arte

Cantor Luiz Tatit comenta o início e as fases da Vanguarda Paulista

"Não havia um interesse especial em entrar no mercado praticando as canções que já havia nas rádios"

postado em 21/04/2015 07:34


Por ter sido um termo que veio de fora para dentro, a denominação de vanguarda incomodava de certa forma?
É difícil para quem tá fazendo o trabalho assimilar esses rótulos. Isso tem um sentido muito claro para mim, pois veio do fato de termos saído ali do ECA da USP (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo), onde se fazia musica de vanguarda, mas no terreno erudito. Como grande parte de nós saímos de lá, a imprensa acabou associando. Entendo o que a imprensa queria dizer, era uma música que pretendia ser uma proposta nova de composição. Houve a bossa nova, menos de 10 anos depois o tropicalismo, era como se fosse o momento de arriscar uma nova interferência.

[SAIBAMAIS]Qual era o sentimento de, de repente, estar inserido em um rótulo? Você e os demais artistas se julgavam como sendo de vanguarda no sentido de buscar a subversão?
Nesse sentido que eu falei, que, todos, de uma certa forma, apresentavam uma nova maneira de compor, sim. Talvez, não gostávamos do rótulo porque já tinha um certo desgaste, pois foi utilizado para os compositores eruditos, do começo do século. Ao mesmo tempo, a gente assumia que tava propondo uma nova maneira de compor, as músicas eram diferentes, estranhas, esquisitas, engraçadas, não era o que se tocava no rádio. A gente até entendia o conteúdo do rótulo, apenas isso parecia um pouco desgastado.

Particularmente, quais eram as suas ambições musicais naqueles anos? O que mudou desde então?
A perspectiva era bem fazer valer aquela proposta. Não havia um interesse especial em entrar no mercado praticando as canções que já havia nas rádios. Isso era bem claro. Queríamos participar do mercado, mas que fosse com aquela produção. Achávamos que era uma intervenção realmente contundente naquele momento da musica popular. Tanto que tivemos várias recomendações para adaptar um pouquinho para algo mais ligado ao rock. Resistimos muito, acabou não tendo interesse em mudar a maneira de compor, a forma mesmo de divulgação. E acabamos pagando por isso, passamos quase liso pelo mercado. Tanto é assim que as pessoas influenciadas pela gente estão mais presentes hoje em dia, depois do ano 2000, do que propriamente na geração seguinte à nossa.

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Isso chegou a desestimular de alguma forma? Essa impossibilidade de alcançar um público maior?

Tem dois lados aí. Por um lado, tínhamos muito prestígio, sobretudo na imprensa. Quando íamos shows no Rio de Janeiro, por exemplo, era uma loucura, parecia que estava chegando uma banda de rock dessas bem da moda. Acontecia a mesma coisa em Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte... Tínhamos um retorno interessante de público, até numeroso, fiel que acompanhava bastante. Por outro lado, tinha essa restrição, nunca fomos um fenômeno nacional, era sempre algo restrito a algumas capitais. Sobretudo, o que mais frustrava a gente era não tocar na rádio.

Você enxerga uma mudança nesse cenário atualmente?
Mudou tudo. Se nos tivéssemos começado há 10 anos, seria muito diferente. Hoje, praticamente todos os grupos são independentes, mesmo os que não são. Mesmo quando tem gravadora na jogada, os artistas preferem fazer seus discos independentemente e depois a gravadora se encarrega de divulgar.

Qual sua visão sobre a produção musical atual do Brasil? Tem alguns artistas que costuma escutar, alguns grupos que te interessam?
Sim, eu recebo aqui material de gente nova. Olha, incomparavelmente melhor que da minha época. São pessoas muito mais habilidosas, tocam melhor, têm uma noção de canção muito mais arraigada que naquela época, sabem diferenciar canção de música, sabem diferenciar canção de literatura, sabem que canção é uma linguagem autônoma que exige uma habilidade especial.

Quem são os artistas mais atuais que você tem algum interesse?
Vou escutando o que me trazem aqui, nem sempre é o que tá rolando mais. Por exemplo, o trabalho da Tulipa (Ruiz), admiro muito, tenho ouvido muita coisa dela. Tenho ouvido esse pessoal da Filarmônica de Passárgada. Mas ao mesmo tempo gosto da musica pop. Em São Paulo, há o Léo Cavalcanti, a Andreia Dias, o Marcelo Jeneci. O Jeneci é um compositor com condições de fazer qualquer tipo de música, uma sensibilidade muito forte. Ele talvez seja a pessoa que mais ocupou um espaço bem definido na música de hoje.

E sobre as questões dos espaços que são voltados para produção musical. Acredita que o espaço atual é melhor? Haveria uma Lira Paulistana?
Não precisa ser uma coisa tão precária como era o Lira. Hoje, você tem infinitamente mais possibilidades. Só melhorou. Talvez tenha um pouco mais de concorrência, porque todo mundo passou a fazer isso. Nem todos vão ter lugar, mas é bom que tentem. Os espaços são muito mais atraentes, interessantes e profissionais.

Parte dos filhos dos integrantes dessas bandas seguiram carreira musical, de certa forma eles carregaram influências dos pais?
Isso é meio inevitável, todos os eles crianças viram todo o movimento, se empolgaram com muita coisa, cresceram imbuídos com essas ideias musicais, maneiras de compor, de apresentação, criação... Cada um acha um caminho diferente, mas todos tentam um pouco.

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