Diversão e Arte

Teatro para bebês seduz cada vez mais artistas e público

Aos poucos, quebra-se a concepção de que a dramaturgia para a plateia infantil seja menos elaborada

postado em 05/09/2015 07:30
José Regino em 'Panapanã': a mais exigente das plateias
Durante a última apresentação do espetáculo Panapanã, um dos espectadores fugiu do colo da mãe e invadiu o palco. Sentou-se ao lado de Zambelê, o palhaço do diretor e ator José Regino. Na cena anterior, uma borboleta havia morrido e Zambelê vivenciava a tristeza daquela perda. Os dois ficaram em silêncio. Eis que a criança corre até a plateia, pega um leão de pelúcia e entrega ao palhaço, de forma a consolá-lo.

Posteriormente, em conversa com os pais, José Regino descobriu que aquele leão era justamente o fiel companheiro do menino. ;Eles me disseram que ficaram surpresos, pois ninguém podia se aproximar do leão, muito menos retirá-lo de perto da criança. Era a companhia constante dele. E ficaram emocionados com o gesto do filho;, recorda José Regino, um dos mais queridos artistas da cidade, que também não esconde a comoção ao relatar o episódio.

Foi justamente essa sensibilidade, essa percepção vivaz, que levou o artista a se aventurar pelo teatro para bebês, em 2007. ;A Clarice Cardell, uma referência nessa área, havia comentado comigo sobre fazer algo para bebês, mas não dei bola na época. Depois, quando fui professor da UnB, uma aluna me convidou para orientá-la em algo voltado para a primeira infância. Desde então, foram três espetáculos para os pequenos;, relembra.

[SAIBAMAIS];Subestimamos a inteligência emocional deles. Em comparação aos espetáculos adultos, levo muito mais tempo dedicado aos projetos infantis, que exigem uma atenção e cuidado maiores. Estamos diante de uma plateia atenta e observadora. O adulto chega carregado de informações, preocupações. O bebê está focado em ti;, comenta o diretor.

Sensibilidade

Com cada vez mais adeptos na plateia e nos palcos, o teatro para bebês anda movimentando o panorama cênico. Em Brasília, por exemplo, a segunda edição do Festival Primeiro Olhar DF movimenta o Museu da República. Bebês de colos e crianças de até cinco anos lotam as peças selecionadas para o evento. ;Venho em todas as apresentações. Minha filha adora. Acho que pode ser um primeiro contato com a arte. Os olhos dela brilham de uma maneira especial;, conta a mãe e professora Teresa Cristina Cabral, enquanto embala o sono da pequena Sofia, de 11 meses, que dorme em seus braços, após uma das sessões.

Esse brilho no olhar dos bebês carrega o trabalho da artista francesa Agn;s Desfosses, codiretora do maior festival de teatro para bebês da França, o Premi;res Rencontres (primeiro encontro), que acontece desde 2003. Com 35 anos dedicados ao teatro, sendo 21 deles debruçado sobre os bebês, Agn;s se tornou uma referência mundial no assunto. ;Sou muito exigente na escolha dos espetáculos do festival. Buscamos artistas dispostos a inovar, a apresentar algo novo, que possa surpreender esse público;, conta em entrevista ao Correio.

Ela faz questão de quebrar os mitos que giram em torno do gênero, como a ideia de que as peças partam de uma dramaturgia menos elaborada. ;A sensibilidade, o espírito de descoberta de uma criança, não podem ser negligenciados. Estamos trabalhando na construção da personalidade dessa criança, ou seja, precisamos pensar em uma linguagem artística que abarque todas essas questões. Isso não é fácil;, ressalta.

Para que não reste dúvida, a diretora repete uma frase que a conduz nessas décadas comprometida com a primeira infância: ;Não há pequenos espetáculos para pequenos espectadores. Há grandes espetáculos para a mais exigente das plateias;. Acima de tudo, Agn;s fala da militância em prol da introdução da arte no processo educacional. ;Na França, essa realidade é relativamente recente e ainda requer uma luta diária. Nosso principal passo aconteceu em 1989, quando os ministérios da Cultura, da Educação e a Secretaria da Família criaram um vínculo voltado para o ensino do teatro e a preparação de profissionais da infância para lidar com ambiente cênico cultural;.

Uma bela lição para nossa realidade, tão distante de algo similar. Mas, aos poucos, artistas e público se mostram dispostos a reverter o quadro. Como o palhaço Zambelê e o menino que não queria vê-lo chorar pela morte da borboleta.
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