Diversão e Arte

João Campos fala sobre política cultural e a vida no teatro

Vencedor do prêmio de melhor ator em curta-metragem no Festival de Cinema de Brasília, o artista prefere manter os pés no chão. Literalmente

postado em 04/10/2015 07:30
Vencedor do prêmio de melhor ator em curta-metragem no Festival de Cinema de Brasília, o artista prefere manter os pés no chão. Literalmente
Ele prefere andar descalço. E foi assim que subiu ao palco do Cine Brasília para receber o prêmio de melhor ator em curta-metragem durante a premiação do 48; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. O Candango é o mais novo habitante da chácara onde o ator, músico, capoeirista e jornalista João Campos mora. A estatueta passou a dividir o espaço com os cachorros Macalé e Biju, com calangos que correm soltos pelo telhado e com as galinhas. Pela casa, restos dos espetáculos A falecida e Perdoa-me por me traíres, da companhia Novos Candangos, que conta com João desde a fundação, em 2012. Um dos mais elogiados e expressivos atores da nova geração de Brasília, o neto de seu Jovino e dona Dejanira se revela um artista de alma singela, com muito a dizer. Preferencialmente, acompanhado de um dedo de café ;feito com um toque de canela ;.

Ao receber o prêmio de melhor ator, você sobe ao palco e faz um discurso de contestação. O que o incomoda politicamente?
Minha intenção era questionar esse sistema político maniqueísta, colonialista. Esse tipo de visão precisa ficar para trás. Dá um embrulho no estômago saber que a corda ainda rompe do lado do mais fraco, de quem não tem. Essa balança precisa se equilibrar. Por exemplo, está tramitando no Congresso um projeto que prevê a taxação das grandes fortunas. Isso seria fundamental. Quem precisa de R$ 50 milhões para viver? Parece-me muito mais sensato algo assim do que aumentar a passagem de ônibus ou o preço do restaurante comunitário.

Como tem visto a gestão da atual Secretaria de Cultura?
Estou otimista, apesar do histórico recente. Doeu ver as verbas da Cultura sendo desviadas para cobrir gastos da Educação e da Saúde, que são fundamentais, não questiono, mas frustra perceber a cultura sempre nesse lugar coadjuvante, menos importante sob os olhos do governo. Essa hierarquização. Então, fomos para a rua. Eu estava lá, batendo panela. Mas as coisas estão acontecendo. Torço para que a Secretaria de Cultura assuma esse papel de parceira e não de impedidora. A gestão atual tem dado indícios nesse sentido, ampliando o diálogo, desburocratizando o edital do FAC (Fundo de Apoio à Cultura), abrindo canais.

Em termos de política cultural, quais ações, ainda não executadas, você julga essenciais?
Um melhor uso dos espaços públicos. Não falo somente da rua, mas de escolas públicas, do Teatro Nacional, do Espaço Cultural Renato Russo... As escolas públicas podem ser um belo local de ensaio, por exemplo. Não há onde ensaiar em Brasília. Temos que democratizar esses espaços, fomentar a produção. Uma política de abertura e apropriação. Essa revisão dos editais do FAC também é crucial e precisa se manter constante.

Tem encontrado uma plateia renovada em Brasília? Novos espectadores?
É difícil eu subir em um palco e me deparar com uma plateia composta majoritariamente por rostos novos. Infelizmente, ainda não é uma realidade. O público de Brasília, de uma forma geral, não é frequentador de teatro. Acabei de voltar de Floriano, no interior do Piauí, e fiquei impressionado. As pessoas se acotovelando para entrar no teatro. Uma fila enorme do lado de fora. Gente jovem, crianças, velhos. Todos com sede de cultura. E estamos falando de uma cidade de 80 mil pessoas. Por aqui, eu mesmo tenho vários amigos que não frequentam. Mas, em passos de formiga, estamos caminhando. Temos o exemplo do Cena Contemporânea, em que cinco salas de Brasília ficam lotadas todas as noites. Há espectador, a questão é como alcançar essas pessoas fora desses movimentos provocados por festivais. Claro, mais uma vez, faz-se necessária uma vontade política de facilitar esse acesso e incentivar o hábito.

Diante desse quadro, pode-se dizer que o ator depende dos editais para pagar as contas?
Os editais ainda são a principal fonte de renda. Acho que é inquestionável. A crise recente na esfera cultural, no entanto, deixou muita gente em estado de alerta, o que acabou sendo positivo. Desde que entrei para o teatro, não tinha percebido essa união de grupos e artistas. A classe se deu conta de que formas alternativas de fomento e produção são necessárias. Os editais são fundamentais, beleza, mas nem por isso devemos nos colocar em uma posição de reféns. Não podemos ficar de braços cruzados esperando o incentivo público. Outros meios devem ser alimentados. Mais do que nunca, estamos acordados para isso.

Você mencionou sua entrada no teatro... Como o integrante de uma banda teen cover dos Ramones se torna ator?
(risos) Meu primeiro contato direto com o ofício artístico foi por meio do meu pai, que aprendeu a tocar violão tardiamente, aos 40 e poucos anos. Eu, com 10 , e meu irmão entramos na onda. Aos 12, eu já tocava no Ramones cover. (risos) Esse contato com a música seguiu por toda a minha adolescência. Foram muitas bandas. Em 2003, entro para a Faculdade de Comunicação da UnB, que tradicionalmente forma comunicadores artistas. Acabei fazendo amizade com uma galera do teatro e passei a ajudar amigos em projetos pessoais. Operava luz, som, ajudava a montar cenário, fazia a trilha, tocava violão em uma cena... Certo dia, eu e o Roberto De Martin vimos um cartaz de um curso da Luciana Martuchelli. Estava escrito: ;Ser artista no corpo e na alma;. O Roberto animou e fomos fazer. A Luciana, minha primeira professora no teatro, foi imprescindível nesse processo. Foi ela quem me disse: ;Fica. Tem coisa aí;. Fiquei.

Estamos diante de uma realidade dividida entre liberais e conservadores, tradicionalistas e modernistas. Você diria que o ambiente artístico é uma utopia do que o pensamento vigente deveria ser, em termos de valores e práticas?
Inquestionavelmente, o meio artístico passa por esse lugar da liberdade. Para fazer arte, você precisa se livrar das amarras. De todas elas. Sejam sexuais, políticas, sociais. Um pote vazio a ser preenchido. Como a arte demanda isso, o artista costuma se revelar um indivíduo mais aberto. Para você se esvaziar, você vai ter que se enfrentar. Enfrentar seus preconceitos, os de sua família, os de seus amigos. Neste contexto atual, a arte se revela uma latente força política. Inclusive, em Brasília, a Lei do Silêncio ilustra bem isso. Os lugares prejudicados ou fechados pela lei curiosamente são nichos da classe artística, ou seja, a lei interfere justamente com as pessoas dispostas a provocar a cidade, subverter esse aspecto museológico que impera por aqui. Os artistas representam um olhar político sobre a cidade, sobre o país, um estado de ideias que busca um diálogo mais aberto sobre sexualidade, gênero, cultura, sociabilidade. E não faria sentido se não fosse assim.

Sua infância foi na roça. De que forma essa vivência te influenciou?
Lá no interior de Goiás, tive contato com elementos culturais que foram substanciais na minha formação. Principalmente, por meio dos meus avós, Jovino e Dejanira, pessoas semianalfabetas, mas com uma sabedoria e uma visão de vida incríveis. Nasceram, cresceram e morreram na roça. Meu avô era sanfoneiro. Todos os meus tios-avôs são músicos. Há o que toca cavaquinho, outro que toca violão, o do pandeiro... A coisa da catira também rola. Uma cervejinha no bar e todo mundo vira catireiro. (risos) Não sou de usar a palavra ídolos, mas, quando penso nas minhas principais referências de vida, são meu avô e minha avó que me tomam o pensamento. Por eles, tiro o chapéu e baixo a cabeça.
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