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Opinião: A ficção na vida real

Quadrinhos estão repletos de vilões recorrentes, pegos cometendo crimes, julgados e indo para a cadeia, mas no número seguinte voltam às ruas para atazanar a vida de todo mundo como se nada tivesse acontecido

Paulo Pestana
postado em 20/12/2015 16:57
Metrópolis é um lugar sem lei. Nem mesmo o repórter investigativo Clark Kent, que usa óculos para esconder sua identidade alienígena e superpoderosa, é capaz de deter o maior malfeitor do pedaço, o inteligentíssimo Lex Luthor. Riquíssimo, Luthor construiu sua fortuna passando por cima de qualquer um que se pusesse à frente; chegou ao topo da carreira política usando os mesmos métodos, mas caiu vertiginosamente.

Lex Luthor tem o poder, mas é insaciável; quer sempre mais. Tentou comprar várias vezes o maior jornal da cidade, mas, depois de frustradas as manobras, decidiu abrir ele próprio um periódico digital para contar a história de seu jeito e, principalmente, massacrar seus inimigos com denúncias. A amoralidade chega a tal ponto que ele permite que sejam publicadas notícias pouco ou nada favoráveis a ele, desde que os inimigos sofram. Ele sabe que pode contar com a alexia da maioria da população.

Mesmo cometendo crimes à granel e condenado por eles, sempre dá um jeito de ficar fora da cadeia. E usa todo tipo de expediente: suborna juízes, compra policiais, contrata advogados e jornalistas. Acima do bem e do mal, ele vai levando a vida, avançando por outras cidades, como Gotham City, onde também comete crimes, é condenado, mas não vai preso nem depois de pego no malfeito por um justiceiro que usa aquela capa preta de morcego.

O roteiro acima foi desenvolvido durante anos por John Byrne, um dos maiores artistas dos quadrinhos. É ficção, lógico, porque ninguém acredita que seja possível cometer crimes e não ir para a cadeia ; ou entrar e sair dela, zombando da sociedade. Nem em Metrópolis nem em Brasília, onde a Polícia Federal tem recolhido aos costumes alguns malfeitores poderosos, gente que se posicionava alguns degraus acima da ratatuia.

Quadrinhos estão repletos de vilões recorrentes, pegos cometendo crimes, julgados e indo para a cadeia, mas no número seguinte voltam às ruas para atazanar a vida de todo mundo como se nada tivesse acontecido. São malfeitores que tocam seus negócios, têm relações numa sociedade espúria e dão exemplo aos mais jovens: o crime pode compensar.

Com advogados dispostos a tudo, dinheiro a rodo e cara de pau, é possível ir longe e, mais importante, ficar soltinho. Lex Luthor, por exemplo, chegou a ser admirado por suas ações filantrópicas, alimentando e abrigando os pobres, mas aos poucos se envolveu com a política e se corrompeu inteiramente, tornando-se mais temido que respeitado.

Faz apenas alguns meses que Lex Luthor foi preso nos quadrinhos; e agora assume a liderança da Liga da Justiça ; tudo é possível. Na vida real também é assim. Com um bom advogado e boas relações, e se vê que a ficção escapista dos quadrinhos carece de mentira.

Em Brasília, corre agora uma bolsa de apostas ; ilegal, por suposto ; para saber quanto tempo os figurões ficam atrás das grades. Funciona como a Loteca, mas tem mais de 13 candidatos; e é preciso completar com o número de anos para cada um, como num bolão. Tornozeleira eletrônica é empate.

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