Diversão e Arte

Seis veteranas revelam o que as faz manter acesa a chama da arte

O cotidiano producente de Maria Bethânia, Lia Robatto, Marina Colasanti, Helena Ignez, Denise Stoklos e Maria Bonomi

Ricardo Daehn, Irlam Rocha Lima
postado em 26/06/2016 07:35
O cotidiano producente de Maria Bethânia, Lia Robatto, Marina Colasanti, Helena Ignez, Denise Stoklos e Maria Bonomi
;Sei que tenho prazo de vencimento e não poderei realizar todos os projetos;, diz, sem maiores preâmbulos, a escritora Marina Colasanti, aos 78 anos. Autora múltipla, bem acolhida entre leitores jovens e adultos fiéis à obra dela, Colasanti se confessa surpresa quando tentam lhe ceder assento ou lidam com ela como alguém de idade. ;Sou balançada para a frente e estou cheia de projetos;, comenta, sem entregar ;segredos; para a vitalidade. Na fórmula, pelo menos um ingrediente: o ato da criação. ;É uma festa interior perpetuada, segue um circuito vital e traz, em si, um incêndio;.


Escolhas acertadas
Maria Bethânia, 70 anos, gosta de olhar para trás. ;Eu me orgulho das minhas escolhas, da minha carreira artística, dos amigos que conquistei. Deus não me deu marido, não me deu filhos, mas me deu um ofício;, afirma.

A cantora baiana celebrou 50 anos de carreira em 2015 e recebeu várias manifestações de carinho. Foi a grande homenageada na 26; edição do Prêmio da Música Brasileira e ganhou exposição no Paço Imperial. Além disso, saiu em turnê pelo país com Agradecer e abraçar.

No entanto, a maior homenagem recebida por Bethânia veio da Mangueira, com o enredo A menina dos olhos de Oyá, que deu o título de campeã à Verde e Rosa.

Embora não se proponha a desenvolver projetos musicais em 2016, a artista faz sua estreia como apresentadora de tevê em 3 de julho, no programa Poesia e prosa com Maria Bethânia, no canal Arte 1. Na série, ela recebe convidados dos universos acadêmico e musical, para debate sobre as obras de Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Castro Alves e João Cabral de Melo Neto. A direção-geral é de Mônica Monteiro.


Professor é artista
Lia Robatto, 76 anos, bailarina e coreógrafa, começou a dançar aos 9 anos. Aos 17, era solista e professora. ;Eu vivi de dança a vida inteira, sempre incorporando outras linguagens. Ela não existe sem bons cenários, figurinos, iluminação e música;, pontua. A artista também conta que gosta de usar a palavra e a dramaturgia em coreografias. Entre os mais recentes projetos, Lia acaba de estrear nova coreografia, um solo que se tornou dueto. O solo-duplo Reflexa cabala faz parte do espetáculo Solos baianos, que estreará em agosto, na Bahia. Na área educativa, ela tem um projeto de residência artística voltado para os educadores. ;Quero que o professor se sinta um artista, se veja como tal;, diz ela, priorizando a rede pública municipal.

Sobre a posição da dança no cenário cultural brasileiro, Lia não vê muitas melhoras. ;Nunca foi uma situação muito confortável. Não se tem tanto prestígio, mas há grupos estáveis muito bons, além de um mercado de trabalho para os melhores;, conta. Mesmo sem facilidades, ela vê uma nova geração promissora. ;A moçada está mais esperta, com atitude proativa. Há maior empreendedorismo;, diz.

No cenário atual, pesa a interação entre tecnologia e organicidade. ;Temos visto coisas fantásticas na videodança. Sou de outra geração, mas admiro loucamente. É uma proposta bem interessante;, analisa.

O despontar de coletivos é motivo de entusiasmo. ;Há um sentido comunitário, com pesos de visões crítica e política;, observa. Uma das áreas que lhe interessam igualmente é a educação, onde ela atua há tanto tempo quanto na dança. Para Lia, são coisas indissociáveis. ;Quase todo artista profissional da dança é professor, por força das circunstâncias. São coisas que nasceram juntas;, conclui.

Amadurecimento consciente
O cotidiano da consagrada autora Marina Colasanti é assim: numa quinta-feira, ela pode estar em Sete Lagoas (MG), numa palestra para o público adulto. Num contraste, atendendo a três escolas paulistas de seminário, ela tem muito a dizer aos jovens, disposta a superar o simplório tema do ;círculo de cavalinho;, geralmente reservado para as crianças. ;Nossa pretensão é de uma conversa densa com o público infantojuvenil. Quero tornar mais fácil a escalada do pensamento deles;, avalia.

Depois de títulos como Minha tia me contou (2007) e dos contos reunidos em Hora de alimentar serpentes, a escritora tem pendido para memórias. Entre artigos e crônicas, por exemplo, formatou a parte De Marina para Clarice, integrado à obra Com Clarice, que cerca a amizade com Lispector. ;Provavelmente, quando escrevo, sou mais eu, sou melhor e sou mais bonita;, avalia a autora, que vê o amadurecimento como muito positivo para escrita. ;A idade poderia trazer um enfraquecimento de contato com o mundo atual, numa das vias. Mas, por outro lado, ganha-se uma visão mais rica em torno do mundo, pelo acúmulo de experiências. Na minha idade, já vimos muita coisa: já foram vividas a morte e a vida;, conclui.

Pressão positiva
;Se não houver impedimento, ocorre naturalmente uma evolução do artista. Isso é típico da renovação de fluxo vital: acontece com todos;, sublinha a atriz e diretora Helena Ignez, aos 74 anos. Há poucos dias, ela ouviu do colega José Celso Martinez Corrêa, dirigido por ela no longa Ralé, que o trabalho de corpo, entre artistas, é pouco conservado quando se fala de impulso físico.

;Extremamente saudável;, Helena foi adepta de intensos treinos de tai chi chuan por 18 anos. O resultado de tanta disciplina pode ser comprovado atualmente. Ao lado da companhia teatral Os Satyros, a artista apresentará, durante três meses, a peça Pessoas perfeitas, ao mesmo tempo em que viaja com a equipe do filme Ralé para Munique (Alemanha) e conduz o longa A moça do calendário.

Em Ralé, Sônia Silk ; personagem setentista do cinema marginal ; é retomada, com ;uma missionária xamânica, apontando para transformação constante;. Volta-se, daí, ao período de ;discípula; de Rogério Sganzerla. ;Foi uma relação de 35 anos: já era eu mesma, tinha a minha personalidade em cinema e teatro. Fiquei encantada quando percebi quem era aquele ;menino; extraordinário na direção, comparado a Orson Welles por Sérgio Mamberti;, conta. A chama permanece em Helena Ignez: ;A gente se esforça para fazer obras de arte mais palpáveis;.

De Sergipe até a Finlândia
Um repertório com mais de 30 peças já encenadas em 33 países e a demanda de interpretações em sete idiomas seriam feitos invejáveis para qualquer companhia de teatro. Então, o que dizer dessa conjuntura atrelada a apenas um nome: Denise Stoklos?

;Atualizante e atualizável;, a plateia é a razão de ser da expressão da paranaense, aos 65 anos. Envolta em estudo cênico permanente, ;que nunca se completa;, Stoklos avançou no aprendizado, com estadas britânica, ao lado do professor Desmond Jones, e californiana, sob ensinamentos de Leonard Pitt. O domínio da mímica a levou-a ao One woman show (1980), mas a artista, prestes a completar 50 anos de carreira, nunca fez morada na sombra e se guiou pela autocrítica. ;Em parte, estive escondida atrás da técnica;, diz ela.

O rigor na atuação leva à interpretação, por exemplo, de um padre do século 17, sem apelar para gestos de homem na encenação de determinado sermão. Direção de arte, iluminação e figurinos, com parcimônia, contribuem nos espetáculos.

Ofertando conteúdos virtuais inéditos, o Teatro Essencial entrou, recentemente, na era da tecnologia, por esforço do filho da artista que avança sobre o mundo. ;É a juventude entrando em contato com minha realização! De Sergipe ao Japão, passando pela Finlândia. Isso reforça a sensação de ter sido uma frequentadora do mundo, um mundo sem barreiras;, explica.

A tática da generosidade
Aos 80 anos, a artista plástica Maria Bonomi aprecia muito a arte de cada colega de ofício. Goya desponta na preferência, pela capacidade de penetração nos temas escolhidos e pelo trânsito ;sem rede;, se arriscando na busca por obras ;com muita tensão e beleza;. Do coerente mestre Lívio Abramo, guarda a gratidão de testemunhar ;um inventor de sistemas xilográficos perfeitos, de poética imbatível;, enquanto o gravador Arthur L. Piza lhe apresentou a gravura elevada ao ponto mais alto das artes. No Brasil de hoje, a artista que se manifestou em momentos chaves da política não acomoda panos quentes. Segue como uma lutadora ;pela liberdade, pela lucidez e pela mudança de comportamento do poder, quando corrupto e aproveitador;.

Vendo a interferência da arte no panorama de hoje como ;filha da contaminação de interesses;, Maria Bonomi dá sequência à luta pessoal, acatando uma necessidade de expressão, em escala monumental, para exercer uma arte pública, com grandes formatos e as tiragens polpudas. No dia a dia, revive a outrora moça bolsista que despontou há quase 60 anos, por dicas do então diretor do Moma (Nova York) J.J. Sweeney e pela crítica favorável do The New York Times. ;Envelhecer nos obriga a ser generosos, videntes, salva-vidas, bombeiros e surfistas. O aprendizado não para, e as experiências servem para nos encorajar;, observa.

Maria Bonomi ressalva que ;as mudanças sociais são infinitas e em eterna ebulição com uma forte presença da superficialidade e do imediatismo que prevalece, em todas as idades, na busca do atalho como solução;. Preservar responsabilidades e apostar na inovação, pela experiência, desemboca para o caminho da arte exercida com seriedade.

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